Seria então Bom Retiro “um bairro de coreanos”? Moradores e frequentadores da região questionam a proposta e seus efeitos
Por Rodrigo Borges Delfim
De São Paulo
O bairro do Bom Retiro, na região central de São Paulo, virou destaque na mídia na última semana depois de o prefeito João Doria (PSDB) afirmar durante visita a Seul (Coreia do Sul) que o local seria chamado também de “Little Seul”. A ideia seria homenagear a comunidade coreana, presente na formação do bairro, e ao mesmo tempo fomentar a revitalização do bairro com base em parcerias com grandes empresas coreanas presentes no Brasil.
Mas seria então o Bom Retiro “um bairro de coreanos”? Uma rápida caminhada pelo bairro ou uma breve pesquisa sobre a região mostram uma história bem diferente.
O Bom Retiro é um dos mais tradicionais bairros de São Paulo e tem sua história diretamente relacionadas com a presença migrante na cidade. Ao longo de sua formação, recebeu portugueses, italianos, judeus de diferentes países, gregos, árabes, coreanos, bolivianos, dentre outros povos, que deixaram marcas e continuam a se fazer presentes na região.
Tais contribuições fazem do Bom Retiro um dos bairros mais pluriculturais da cidade e referência para diferentes comunidades, mesmo que a população migrante hoje não seja tão grande. Dados do Censo de 2010 do IBGE apontam que a população geral do Bom Retiro, naquele ano, era de 33.892 pessoas, sendo 4.219 migrantes de outros países.
Reações
Por conta dessa diversidade cultural e social, a ideia de Doria gerou polêmica dentro e fora do bairro por ser considerada discriminatória com as demais comunidades.
Para o assessor de imprensa Dante Baptista, 31, que viveu até os 16 anos no bairro, a ideia de mexer no nome do Bom Retiro é “estapafúrdia”. “Primeiro porque ela desconsidera a língua oficial do país, que é o português, e segundo porque o projeto não respeita a formação étnica e cultural do Rom Retiro, que é um bairro formado por diferentes movimentos migratórios, sejam eles de coreanos, de gregos, italianos, judeus, bolivianos, entre outros. Eu senti conversando com outras pessoas que moram no bairro que aqueles mais conservadores, que simpatizam com o prefeito, acreditam que qualquer coisa que revitalize o bairro é boa. Mas outros veem a questão com muita cautela”.
A formação do bairro também foi destacada por Natália Pak, 30, brasileira e filha de sul-coreanos de Seul, que costuma frequentar o bairro com a família e amigos. Ela é responsável pelo SarangInGayo, importante portal de cultura e entretenimento sul-coreano no Brasil. “O nome é feio e desnecessário. Como citado, o bairro é multicultural. Seria o mesmo que ignorar o fato de que os judeus, árabes, italianos, bolivianos, chineses e outras raças ajudaram e contribuíram para que o bairro seja hoje como é”.
O agente comunitário boliviano Jorge Gutierrez, também comunicador na Associação de Comunicadores Bolívia Brasil, lembrou em entrevista ao Portal Aprendiz o fato de ter sido acolhido pelo bairro quando chegou ao Brasil. “O Bom Retiro é uma aglomeração de culturas e foi o bairro que me acolheu quando cheguei ao Brasil, assim como acolhe uma diversidade de comunidades. Não podemos nomeá-lo como bairro de um povo só”.
A assessora de imprensa Ida Feldman, 50, de família judia e que mora há 22 anos no Bom Retiro, também é crítica da proposta. “Não sou fã do Doria, mas se ele ‘melhorar meu bairro’ e valorizar arte, cultura, comércio, etc, não posso reclamar. Mas não acho necessário por Little Seul, isso é um lobby comercial dele. Acho q ele tem que cuidar de mais coisas que ele não está cuidando. Ele pode inventar moda, mas o bairro sempre foi e será Bom Retiro”.
Necessidade de melhorias
Os entrevistados ouvidos pelo MigraMundo foram praticamente unânimes em apontar os problemas existentes no Bom Retiro, que são semelhantes ao de outras regiões de São Paulo: segurança, falta de iluminação pública, limpeza urbana e escassez de espaços culturais são apontados como os principais.
“Se a vontade do prefeito e das empresas é de agradar, homenagear e oferecer um bairro bonito e saudável para os imigrantes e descendentes, acredito que a melhor forma é investir diretamente na comunidade e nas suas necessidades, e ela sozinha irá cuidar e continuar a contribuir para o crescimento positivo do bairro”, completa Natália.
Ida lembrou que, apesar da diversidade cultural do Bom Retiro, são poucas as opções culturais no bairro – entre elas a Casa do Povo, a Oficina Cultural Oswald de Andrade e o SESC Bom Retiro. Para ela, um aumento no número desses espaços e iniciativas ajudaria a movimentar o bairro não apenas no sentido econômico, mas também social. “Lembro que há um tempo atrás o Teatro da Vertigem fez uma peça nas ruas do Bom Retiro e isso atraiu muita gente para o bairro. Que o Bom Retiro não seja apenas um bairro no caminho do centro para a zona norte”.
Outro lado
Procurada pelo MigraMundo, a Prefeitura de São Paulo – por meio de nota da Secretaria de Comunicação – negou que a ideia signifique uma mudança no nome do bairro, mas que deve haver no futuro uma discussão junto à comunidade sobre o projeto.
“A proposta do prefeito João Doria, a ser discutida com população e comércios locais, é que a região também passe a ser conhecida como ‘Little Seul’, em homenagem à comunidade coreana que reside e trabalha no local, após a entrega de ações de revitalização apoiadas por empresas daquele país. Como afirmou o prefeito durante viagem a Seul, o bairro continuará sendo Bom Retiro, mas – caso a proposta seja aprovada – será também chamado pelo apelido que homenageará uma de suas principais colônias”, diz o comunicado, que não detalha como será feita essa consulta junto às comunidades.
Com informações do Portal Aprendiz
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