Por André Gabay Piai
Como não poderia deixar de ser, as últimas eleições presidenciais na França foram marcadas pela temática das migrações. Disputado pela candidata de extrema-direita Marine Le Pen e pelo atual presidente e vencedor, o centrista Emmanuel Macron, o segundo turno foi pautado, dentre outros assuntos, pelas reformas a serem propostas em matéria de políticas migratórias por cada um dos então candidatos.
Neste contexto, conhecida por suas posições radicais, a candidata de extrema-direita propunha medidas como a expulsão imediata dos 500 mil imigrantes em situação irregular da França e a apreciação das solicitações de refúgio nas embaixadas do país no exterior. Focada na integração de estrangeiros e na segurança nacional, sua agenda previa ainda um endurecimento ao acesso à nacionalidade francesa, julgado pela candidata como demasiadamente leniente.
Por sua vez, seu oponente, eleito para um segundo mandato no último pleito, apresentou uma agenda também pouco favorável à vida dos imigrantes em situação irregular instalados na França. Emmanuel Macron prometeu, durante sua campanha, medidas em relação às migrações cujo foco reside na maior seletividade das regularizações e em expulsões pontuais do território. Sua agenda é amplamente baseada na oposição entre imigração regular e imigração irregular.
Deste modo, conforme esperado, o atual presidente procura tornar, a partir de uma nova lei, as políticas migratórias mais duras em determinados aspectos. A lei funcionará a partir de uma lógica de suposto equilíbrio entre um recrudescimento das expulsões, que são, atualmente, pouco executadas, e uma maior benevolência aos trabalhadores imigrantes de determinados setores profissionais.
Assim, Gérald Darmanin, ministro do interior (equivalente ao ministro da defesa, no Brasil) de Emmanuel Macron, traduz, em uma frase, quais serão as diretrizes das políticas migratórias na França a partir da implementação da nova lei: “être méchant avec les méchants et gentil avec les gentils”. Em tradução livre, “ser mau com os maus e ser gentil com os gentis”.
Isto posto, a nova lei que Macron pretende implementar prevê reformas em diversos eixos que tocam as migrações. O primeiro eixo, de natureza profissional, diz respeito ao que se chama na França de “métiers sous tension”, ou “profissões sob tensão”, em tradução livre. Desta maneira, a lei prevê a criação de um visto de trabalho que contemple profissionais estrangeiros das ditas áreas sob tensão, isto é, aquelas em que falta mão-de-obra e sobram vagas. Com isso, o objetivo deste eixo da nova regulamentação é dinamizar setores em que a contratação de profissionais enfrenta obstáculos.
Com a proposição de acesso facilitado ao visto de trabalho para imigrantes que atuam nas áreas nas quais a mão-de-obra é escassa, há também um projeto que prevê o fim do prazo de carência que impede os solicitantes de refúgio de trabalhar – ao contrário do Brasil, na França, um solicitante de refúgio não pode trabalhar durante seus primeiros seis meses de presença no território e, passado este período, deve obter uma autorização especial para tanto. As áreas da construção civil e da agricultura se mostraram favoráveis às novas medidas apresentadas pelo governo, na medida em que, tradicionalmente, estes são setores que não funcionam sem a mão-de-obra imigrante.
Entretanto, as reformas propostas no eixo da regularização de trabalhadores imigrantes não ficaram sem reação da oposição. À imagem do Rassemblement National (Reunião Nacional, partido da ex-candidata à presidência Marine Le Pen), os deputados dos tradicionais partidos de extrema direita acolheram com desconfiança o novo projeto apresentado. Sob a afirmação de que a nova lei abriria precedentes a regularizações massivas, eles afirmaram que a França precisa retomar o controle sobre uma política migratória já descontrolada.
Sobre este aspecto, o outro eixo da nova lei de imigração proposta diz respeito à temática da segurança nacional. Para Gérald Darmanin, “ser mau com os maus” significa executar os mandados de expulsão do território, que são, segundo o governo, atualmente pouco postos em prática.
As chamadas OQTF (obligation de quitter le territoire français), as notificações de expulsão a estrangeiros em situação irregular (dentre os quais, solicitantes de refúgio cujas solicitações foram rejeitadas), voltaram ao debate público com toda força após o brutal assassinato de uma criança de 12 anos em Paris por uma cidadã argelina expulsável. Por conta de 12 recursos administrativos e judiciais possíveis, mais da metade das 120 mil notificações de expulsão anunciadas em 2021 não são executáveis segundo as normas atuais.
Com a reforma da lei, pretende-se simplificar os procedimentos e reduzir as possibilidades de recurso de 12 para 4 e atingir, assim, 100% de execução das expulsões notificadas. Seguindo a lógica da eficácia nas execuções de expulsão, pretende-se também registrar os estrangeiros expulsáveis nos arquivos de procurados. De acordo com o governo, este é o modo de garantir que as pessoas expulsáveis sejam, de fato, expulsas. Além disso, desta forma, será possível saber que as pessoas em questão partiram do território francês. Atualmente, tal controle não é possível, dado que, em um primeiro momento, a partida da França é voluntária e realizada pelos próprios meios do estrangeiro expulsável.
Finalmente, o novo projeto de lei a ser examinado no início de 2023 propões dois olhares distintos sobre a temática das migrações e da gestão do fluxo de estrangeiros em território francês. Para o governo, trata-se de uma questão de equilíbrio. Se por um lado pretende-se facilitar a regularização de estrangeiros pelo trabalho, notadamente em se tratando de ofícios marcados pela escassez de mão-de-obra, por outro lado, pretende-se, à luz de um brutal assassinato ocorrido em Paris no último mês de outubro, simplificar a execução de expulsões de estrangeiros em situação irregular na França.