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sábado, março 29, 2025

Migrantes e sociedade civil pedem mais clareza do Brasil sobre presente e futuro dos vistos humanitários

Questão dos vistos humanitários no Brasil é tema de projeto de universidades brasileiras e do Reino Unido que promoveu fórum em São Paulo; patrocínio comunitário foi um dos pontos abordados

Atualizado às 12h15 de 26.mar.2025

Para onde vai a politica de vistos humanitários aplicada pelo Brasil? O que leva o governo a apontar uma determinada nacionalidade como candidata a ser contemplada com essa questão? Como esses fatores influenciam no futuro da política migratória brasileira, que ainda possui um plano pendente de implementação? Essas foram algumas das perguntas que surgiram durante o Fórum Nacional: “Vistos Humanitários no Brasil: História Desafios e Boas Práticas” que ocorreu nesta segunda-feira (24) em São Paulo.

A atividade, que teve quase seis horas de duração, foi transmitida pelo canal do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), que recebeu o evento. O fórum foi composto por três painéis que reuniram pesquisadores, migrantes, representantes do poder público e de organizações do terceiro setor envolvidas com a temática migratória.

Fórum Nacional:

Criados em 2012 pelo governo brasileiro, os vistos humanitários tiveram como objetivo inicial atender à migração haitiana em direção ao país naquela época, em que havia um limbo jurídico dado por uma legislação considerada moderna (Lei de Refúgio, de 1997) e o então Estatuto do Estrangeiro (1980), ainda fruto da ditadura militar. Quase 13 anos depois, esse recurso já passou por diversas idas e vindas e aplicações diferentes para cada caso, gerando dúvidas a todos os atores envolvidos – migrantes, sociedade civil, poder público e agências internacionais.

Críticas e dúvidas sobre patrocínio comunitário

A discussão ganha ainda mais importância diante de mudanças recentes na concessão de vistos humanitários pelo governo brasileiro, especialmente para haitianos e afegãos. Essas duas nacionalidades tiveram o acesso a tal documento atrelado à capacidade de acolhida por parte da sociedade civil, em um procedimento que desperta dúvidas junto à sociedade civil e críticas de especialistas. Enquanto um edital sobre o assunto já foi promovido em relação aos afegãos, ainda não há uma perspectiva de quando o mesmo chamado será feito em relação aos haitianos.

O modelo de acolhida humanitária por meio de patrocínio comunitário já é empregado em outros países, como Canadá, Argentina, Alemanha, Portugal e Áustria. O principal questionamento no Brasil é de que esse novo formato de concessão dos vistos humanitários seria uma forma de o poder público terceirizar para a sociedade civil atribuições que caberiam a ele próprio, oferecendo pouco ou nada em troca.

“Em diversos momentos vemos o Estado se vangloriar da política brasileira como uma das mais avançadas do mundo. Na verdade temos uma deterioração do instituto de acolhida humanitária no Brasil. Já funcionou, mas hoje vemos um transferimento de responsabilidade pública para o privado”, comentou o advogado Adriano Pistorelo, do CAM (Centro de Apoio ao Migrante) de Caxias do Sul (RS).

Ex-coordenador de Política Humanitária do Ministério da Justiça e atualmente diretor de Relações Institucionais no CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante), Paulo Illes, foi além e afirmou que nunca presenciou um retrocesso tão grande em política migratória. “O visto humanitário serve para salvar vidas, não para fortalecer a capacidade de controle fluxos migratórios. Os agentes públicos ainda operam na ótica do Estatuto do Estrangeiro”, disse, fazendo referência à legislação anterior à Lei de Migração, que vigora desde 2017.

Primeira entidade habilitada a receber afegãos por meio do programa de patrocínio comunitário, a Panagah também apontou a burocracia como entrave que deixa o processo mais lento. “O Brasil é que nem um Cristo redentor, que está sempre de braços abertos e nunca nos abraça”, disse Denise Monzani, coordenadora de refúgio acadêmico da entidade, citando uma famosa analogia sobre como têm funcionado os processos sobre migrações no Brasil. O acordo firmado pela Panagah com o Ministério da Justiça prevê a concessão de 500 vistos humanitários, mas a instituição conta com pelo menos 13 mil pessoas na fila de espera.

Representando o Ministério da Justiça na discussão, a atual diretora de migrações da pasta, Luana Medeiros, defendeu as políticas adotadas até o momento e disse que o foco agora devem ser as ações de integração da comunidade migrante no Brasil. “Estamos num momento de reflexão, de se redefinir essa governança migratória”.

Segundo dados do DataMigra, mantido em parceria entre o governo federal e o OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), em 2024 foram emitidos 777 vistos de acolhida humanitária para haitianos e 760 para afegãos, de um total de 1876 solicitações dessa natureza. Já em 2023 foram 10.005, sendo 5.526 para afegãos e 3.714 para haitianos.

Dúvidas e sugestões dos migrantes

Presentes ao fórum, migrantes de diferentes nacionalidades apresentaram questionamentos, comentários e sugestões para a questão dos vistos humanitários. Alguns deles, inclusive, foram beneficiados diretamente por esse mecanismo para acesso ao Brasil.

“Tem pessoas que perdem a vida na espera por um visto humanitário. Nesse sentido, a gente pensa que o governo poderia agilizar e facilitar a vinda dessas pessoas, talvez por meio de um visto digital”, sugeriu Garry Ulysse, que atua como assistente social em Maricá (RJ) e foi um dos representantes da comunidade haitiana no evento.

O sírio natualizado brasileiro Adel Bakkour, que também vive no Rio de Janeiro, recordou que os acontecimentos recentes no país natal, com a perseguição pelo atual governo de integrantes das minorias alauíta e drusa, podem gerar demanda pelos vistos humanitários no Brasil. “Tem que ter uma manutenção dessa política, porque são minorias que necessitam de atenção.

Falando pela comunidade afegã, Sabera Rezaie apresentou sugestões para melhorias, como a criação de um canal governamental direto para solicitação de vistos humanitários, sem intermediários, e o estabelecimento de critérios claro para aceitação e monitoramento de organizações, de forma a evitar situações de discriminação e abuso. Também mencionou a criação de opções para afegãos que não contem com uma organização de apoio, como o acolhimento por meio da rede consular brasileira.

Desde 2012, o visto humanitário foi aplicado pelo Brasil a haitianos, sírios, afegãos e ucranianos. No momento, somente os nacionais do país europeu, invadido pela Rússia em fevereiro de 2022, contam com acesso de fato a esse instrumento. Desde então, segundo dados do governo brasileiro, um total de 182 ucranianos receberam visto humanitário, sendo que nenhum foi emitido ao longo do próximo ano.

Essa situação, no entanto, pode mudar em breve, diante de mudanças que podem ocorrer tanto em países da Europa e nos Estados Unidos, que estão revendo as políticas de acolhimento aos ucranianos. “Diante disso, há ucranianos que podem vir buscar acolhimento no Brasil”, observou Anna Smirnova, pesquisadora russa que acompanha o assunto.

Próximos passos

O Fórum Nacional: “Vistos Humanitários no Brasil: História Desafios e Boas Práticas” faz parte do projeto de pesquisa “Mapeamento da Política de Vistos Humanitários no Brasil (Mapping the Humanitarian Visa Policy in Brazil)” financiado pelo Conselho de Pesquisa Econômica e Social do Reino Unido (ESRC/UKRI). A execução do fórum, por sua vez, é fruto de uma parceria entre as Universidades de Sheffield, no Reino Unido, e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com participação de outra instituição britânica, a Universidade de Southampton.

“Nossa proposta é justamente pensar o caso brasileiro [dos vistos humanitários] como algo central globalmente, para que sejam pensadas políticas de proteção das pessoas em deslocamento forçado com um rosto mais humano”, explica a professora Svetlana Ruseishvili, coordenadora acadêmica da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (ACNUR) na UFSCar e uma das organizadoras do projeto. Além dela, encabeçam a atividade as professoras Patricia Nabuco Martuscelli, pela Universidades de Sheffield, e Natália Cintra, representando a Universidade de Southampton.

Um novo fórum com a mesma temática no âmbito do projeto será promovido no próximo dia 13 de maio, na Universidade de Sheffield.

Nota: diferente do que informava a versão anterior desta reportagem, na verdade a fila de espera junto à Panagah é de 13 mil solicitações, e não 3 mil. O texto já foi corrigido.


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1 COMENTÁRIO

  1. I am an Afghan, and now I am living in Iran with my family, and we fled after the Taliban came to power. My father killed by Taliban with 9 other innocent civilians just because they belonged to the Hazara minority. I was working as a softwere developer with a company that was funded by NATO. Now the Taliban is seeking people like me to kill or totture. because of lots of asylum seekers in Iran, the Iran government set pressure on refugees and is making huge deportation. I fear going out because maybe I face with police and they deport me from Iran. If I face deportation what will happen to my wife and my child in Iran after me? and I am sure after deportation that if the Taliban recognize me, they will kill me. poeple like me ,begging for being alive, not for a better life. I also requested a humanitarian visa to Panahgah, and I provided all documents and evidence of my life risk to Panahgah. I hope that some good people consider us and help us. I am a proficienal software developer and aim to have a positive impact on host society. please, someone help us, we are in a bad situation.

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