Polarização no debate político nacional também afeta os migrantes residentes no país; apesar dos temores de uns e indiferença de outros, parte da comunidade já vislumbra meios de lutar pelos direitos conquistados ao longo do tempo no país
Por Antonella Pulcinelli, Pâmela Vespoli e Rodrigo Veronezi
Em São Paulo (SP)
Imigrantes que vivem no Brasil não têm direito a voto, mas também não estão imunes ao cenário político atual no país, polarizado pela disputa presidencial entre o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) e o de esquerda Fernando Haddad (PT).
E o sentimento da maioria dos imigrantes ouvidos pelo MigraMundo é de preocupação e receio com os rumos que o país pode tomar, dependendo do eleito para ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2019.
No entanto, a maioria só aceitou falar ao MigraMundo sob a condição de anonimato ou sob pseudônimos, por temor de represálias de toda espécie – vontade que foi respeitada para esta reportagem.
Receios à vista
A maioria dos migrantes ouvidos pelo MigraMundo teme a ascensão de Bolsonaro à Presidência e seus possíveis efeitos sobre as comunidades migrantes. O histórico do militar, que já se referiu aos refugiados como “a escória do mundo” e prometeu acabar com o “coitadismo” em relação a minorias, é apenas um dos fatores que embasam essa preocupação.
O refugiado sírio Muhammad Ali [nome fictício] é um dos que temem Bolsonaro no poder e o compara ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – do qual o militar é admirador declarado.
“Não é que seja como Trump, ele é pior que Trump. A questão é que acho que ele está tentando copiar o Trump ou fazer um papel pior que do o Trump”.
Ali também critica o extremismo que tomou conta do cenário eleitoral brasileiro. “Eu não sou a favor do PT, sou a favor do socialismo democrático, sou a favor de ter debate. Não sou louco de escolher uma pessoa a favor da tortura” [Bolsonaro tem entre seus ídolos o militar Carlos Alberto Brilhante Ustra, único torturador reconhecido como tal pelo governo brasileiro].
Já a venezuelana Gabriela (nome fictício) acredita que os brasileiros parte de um conceito equivocado sobre em quem votar nesta eleição. “As pessoas veem mais a questão do preconceito do que as políticas que [os candidatos] vão implementar. Sempre digo que os brasileiros Têm que saber votar com objetividade ou votar por uma ação política de questão administrativa. Vamos ver o que ocorre”, afirma ela, que preferiu não se manifestar a respeito dos dois postulantes à Presidência do Brasil.
Um congolês com histórico de lutas sociais em favor de migrantes e refugiados preferiu também não entrar em detalhes sobre a eleição brasileira. “Não vou comentar política”, se limitou a falar.
Uma exceção que topou expor seu nome ao falar ao MigraMundo foi a chilena Inês Vilugron, que vê no Brasil deste ano um cenário parecido com outro que ela teve o desprazer de vivenciar: a queda de Salvador Allende e a ascensão do ditador Augusto Pinochet em 1973.
“Estou sentindo o mesmo medo que em 1973. Nunca imaginei passar por isso de novo”, disse ela, que manifesta preferência pelo petista Haddad.
“Haddad é mais humano. Como pode um candidato a presidente, que seria como um pastor ou um padre de uma igreja chamar a gente [migrantes] de escória, que não valemos nada? Todas as atrocidades que tem dito representam o fim da democracia, da diversidade”, desabafa.
Decepção com PT e simpatia por Bolsonaro
Assim como em boa parte da população brasileira, o sentimento de decepção com a classe política também se faz presente entre ao menos parte da comunidade migrante em São Paulo. E ele tem alimentado tanto uma posição de indiferença com o cenário eleitoral como até de apoio a Bolsonaro.
“Grande parte não se manifesta, nem discute política”, afirma o boliviano Julio (nome fictício) sobre o posicionamento de parte da comunidade boliviana em São Paulo – a maior entre os latinos e a segunda mais numerosa entre os migrantes, segundo dados da Prefeitura de São Paulo.
“Nesse mundo de política eu não acredito em mais ninguém há muito tempo. Todos fazem parte de um show e a gente acredita que um ou outro é o menos pior”, desabafa.
Julio conta ainda que conhece bolivianos com uma situação financeira consolidada no Brasil que tem mostrado simpatia pelo militar da reserva e seu discurso “contra tudo e contra todos”.
Segundo ele, parte da comunidade boliviana associa instituições de apoio ao migrante ao PT e considera que elas “ganharam dinheiro” em cima dos migrantes – o partido governou o Brasil entre 2003 e 2016 e também esteve à frente da Prefeitura paulistana entre 2013 e 2016.
Ele, que também prefere ficar distante do debate político para evitar represálias, acredita que haverão mudanças a partir de 2019. “Mudanças vão acontecer e os migrantes terão de se regularizar com prioridade, pois a fiscalização tributária e comercial será forte.
Contra o temor, mobilização
Embora sejam impedidos pela Constituição de tomar parte no processo eleitoral, a nova Lei de Migração – que entrou em vigor em novembro de 2017 – permite que os migrantes residentes no Brasil possam se associar a partidos políticos e sindicatos.
Aproveitando essa brecha, alguns migrantes com maior histórico de atuação política em coletivos e associações tem utilizado suas próprias redes para manifestar apoio ao seu candidato de preferência. Apesar do receio representado por um eventual governo Bolsonaro e pelos seus apoiadores já eleitos para o Legislativo nacional, migrantes já estabelecidos no Brasil pretendem se mobilizar para garantir o que já conquistaram de direitos.
“A gente vai negociar, a gente vai negociar nossa dignidade, porque estamos aqui, sabe…com organizações nacionais e internacionais que a gente vai enfrentar essa linguagem agressiva de xenofobia”, define Ali.
Um dos momentos onde essa mobilização poderá ser medida é na próxima edição da Marcha dos Imigrantes, tradicional ato de mobilização da comunidade migrante em São Paulo, marcada para as 14h do próximo dia 2 de dezembro na avenida Paulista.