Reuniões com autoridades e visita a abrigo provisório para imigrantes marcaram o primeiro dia do grupo; atividades vão até sexta (10)
Por Rodrigo Borges Delfim
De Boa Vista (RR)
Entender a situação dos imigrantes venezuelanos em Roraima e ajudar na busca por soluções para lidar com a questão no Estado. Esta é a tarefa da missão composta por representantes do poder público, organizações internacionais e da sociedade civil, que teve seu primeiro dia de trabalho de campo nesta quarta-feira (08), em Boa Vista.
A missão, organizada pelo Ministério Público Federal e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), teve sua agenda do dia baseada em reuniões com representantes da Justiça Federal, do governo de Roraima e da Prefeitura de Boa Vista, além dos próprios imigrantes.
Um dado particular dessa movimentação atual entre Venezuela e Brasil é a presença de indígenas entre os imigrantes, gerando novas demandas e a necessidade de políticas específicas também para estas pessoas. Os indígenas são especialmente da etnia warao, a segunda maior na Venezuela e maioria entre os imigrantes que chegam do país vizinho.
Abrigo provisório, instalações precárias
Uma das principais atividades do primeiro dia de trabalhos da missão foi a visita ao abrigo provisório destinado aos imigrantes venezuelanos, montado em um ginásio fora de uso que fica na área leste de Boa Vista. O local é gerenciado pela Defesa Civil Estadual (que usa o ginásio para abrigar desalojados por enchentes) e pela Fraternidade Federação Humanitária Internacional, uma organização não-governamental.
De acordo com dados do Gabinete Integração de Gestão Migratória (GIGM), formado por integrantes de organizações federais e estaduais, atualmente 193 pessoas estão instaladas no local – o número chegou a quase 300 em dezembro. Dos atuais ocupantes, 136 são indígenas e outros 57 não indígenas, que são envolvidos na conservação do local – limpeza, alimentação, entre outras tarefas.
“Os próprios imigrantes ajudam a manter o local – preparando alimentação, fazendo limpeza, entre outras atividades”, aponta irmã Clara, integrante da Fraternidade.
Apesar dos cuidados na conservação do abrigo, incluindo o envolvimento dos imigrantes, as condições do local são precárias. A maioria dos acolhidos dorme diretamente no chão por falta de colchões. Há ainda acúmulo de lixo no lado de fora do antigo ginásio e problemas com as fossas secas que, mesmo esvaziadas a cada dois dias, não conseguem dar conta da demanda sanitária do grupo.
Reunidos com a missão, os imigrantes presentes no abrigo pediram ajuda para resolverem a questão. “Para nós star aqui é uma luta diária. Precisamos da ajuda de vocês, somos seres humanos também”, destacou Aníbal Perez, um dos chefes dos waraos presente no abrigo.
O que dizem os governos
Tanto a Prefeitura de Boa Vista quanto o governo de Roraima reclamam que faltam recursos para atender às demandas trazidas pelo aumento da migração venezuelana e afirmam que o assunto é de competência federal. Também se queixam da ausência de documentos – em geral, os imigrantes indígenas não possuem qualquer tipo de documento – e citam ocorrências de imigrantes que dormem em praças, pedem dinheiro em semáforos ou adentram em terrenos e casas abandonadas.
“Eu não consigo cadastrar o imigrante irregular nos serviços de saúde. Sem esse registro, por exemplo, não conseguimos verba para esse atendimento, e assim colocamos em risco o atendimento do restante da população. Não temos condições de assumir o atendimento dessas pessoas aqui”, declara a Procuradora-Geral do Município de Boa Vista, Marcela Medeiros.
Já a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), cobra sobretudo uma presença do governo federal. “O que estamos fazendo aqui é ajuda humanitária. Não vamos deixar mulheres e crianças nas ruas em situação de vulnerabilidade. E como a temática envolve a questão indígena ela se torna mais profunda. É nisso que queremos que o governo federal nos ajude a resolver”. A gestão estadual também se queixa da falta de ajuda da Prefeitura de Boa Vista na questão.
Já o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, João Akira Omoto, que lidera a missão a Roraima, lembra que a Constituição Federal veda distinções entre brasileiros e pessoas de outras nacionalidades. “Temos tentado entender a situação migratória de perto e dialogar com as autoridades locais. Há uma pauta de direitos em questão e temos de encontrar soluções que não sejam a deportação para os países de origem”, explica Akira, se referindo a ações recentes que usaram a deportação como meio para lidar com a questão migratória.
A representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na missão, Angela Maria de Melo, reforça a visão de Akira. “Não posso ver uma questão de direitos humanos apenas do ponto de vista matemático. Precisamos pensar um olhar mais humanitário, essas pessoas não são moeda de troca”.
Próximos passos
Para o tenente do Corpo de Bombeiros Emerson Lima Gouvêa, integrante do Gabinete Integrado de Gestão Migratória, a missão em Roraima vai ajudar a definir o futuro das políticas a serem adotadas em relação aos imigrantes no Estado. “Estamos na expectativa quanto à missão sobre as soluções que serão apresentadas”.
Os trabalhos da missão continuam pelos próximos dois dias. Na quinta (09), o grupo visita Pacaraima, cidade que fica na fronteira com a Venezuela e é o primeiro ponto de parada dos imigrantes venezuelanos no território brasileiro. Já na sexta (10) acontecerá uma grande audiência pública com representantes do poder público, da sociedade civil e dos imigrantes em busca de saídas conjuntas para lidar com a temática migratória.
Toda essa programação será acompanhada pelo MigraMundo graças à campanha de financiamento coletivo feita junto a leitores e demais apoiadores do site. As doações podem ser feitas até o próximo dia 25 de março.
[…] A ação foi promovida pelo Ministério Público Federal em Roraima (MPF-RR), pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Foi também a etapa final da missão organizada pelo MPF, formada por representantes do governo, sociedade civil e organismos internacionais do Sistema ONU (veja mais aqui). […]
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