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domingo, dezembro 22, 2024

Movimento pró-Europa em país báltico tem brasileiro como coordenador

Tales Rosa vive na Letônia há seis anos e hoje milita no Volt Letônia, versão local do movimento pró-Europa criado após o Brexit

Por Victória Brotto
De Estrasburgo (França)

Às portas das eleições para o Parlamento europeu, a Europa vê crescer novas forças políticas, como o Volt Europa (ou Volt ), um movimento progressista pró-Europa iniciado em 2017 pela francesa Colombe Cahen-Salvador, pelo italiano Andrea Venzon e pelo alemão Damian Boeselager em resposta ao Brexit.

Com um plano de governo progressista e com um jargão ”It’s your Europe, let’s fix it (É a sua Europa, vamos consertá-la) ”, o movimento quer revitalizar a democracia europeia através da participação coletiva e do engajamento voluntário de quem quiser fazer política ”de outra maneira”.

Valores como igualdade social, crescimento econômico sustentável e solidariedade foram expostos no programa de governo do movimento, em Amsterdã, cidade que batizou o documento de quase 300 páginas; acesse aqui a Declaração de Amsterdã.

A revista The Economist chamou atenção para o Volt. A conhecida publicação britânica estampou uma mulher por volta dos seus cinquenta anos, sentada sobre uma pilastra com olheiras enormes e cansada. O seu nome: democracia europeia. Ao lado, um alguém jovem, com alguns fios elétricos na mão, pronto para energizá-la. Esse alguém, de acordo com a revista, era o Volt.

”Uma start-up criada por jovens de 20 e poucos anos já possuí dezenas de milhares de membros, mas vai precisar de muito mais”, afirma a revista, focando nos enormes desafios a nível de Europa ao movimento.

Hoje, o movimento tem 15 mil adesões nos 28 Estados-membros da União Europeia (UE), além de Suíça e Albânia. E na gélida Letônia, país báltico que foi república soviética e integra a UE desde 2004, o Volt encontrou o apoio de dois letos e um brasileiro.

O paulista Tales Rosa, 33, divide com os fundadores locais do movimento, Edgars Lazdiņš e Rūdolfs Albertiņš, o trabalho de arrecadação de fundos, divulgação, contato com a imprensa e outras ações para erguer o movimento num país marcado por profundas questões étnicas, partidos pró-Kremlin, corrupção e falta de governabilidade.

Engajamento

”Eu soube do Volt pela primeira vez lendo um artigo da Politico.eu – revista sobre política europeia falando das cinco principais forças que estavam se erguendo na Europa hoje, e uma delas era o Volt”, contou Tales ao MigraMundo.

”Nesse artigo uma frase me deu um clique: ”Volt quer fazer uma política além da tradicional esquerda e direita. Eu vinha com isso na cabeça, que esse conceito de direita e esquerda não se aplica mais no fazer política”, acrescenta Tales.

Formado em Relações Internacionais, o paulista saiu há seis anos do Brasil rumo ao país báltico para viver com a esposa, que é letã. Hoje ele trabalha como consultor na capital, Riga.

A decisão de fazer parte do Volt veio quando ele começou a sentir falta de algo ”mais solidário e engajado” em seu cotidiano. ”Eu sempre me interessei muito por política (…) E nos últimos tempos eu sentia estar trabalhando só para mim, sentia falta de algo mais solidário, mais engajado.”

Sobre a reação da esposa ao seu engajamento no país dela, o brasileiro fala: ”Ela sabe que eu tenho uma lealdade à Letônia, sabe que sou engajado politicamente na minha vida particular. Eu sei os nomes dos políticos, dos ministros. Mesmo sendo estrangeiro, eu não estou desconectado do país, muito pelo contrário. É uma coisa natural para mim e eu acho que ela vê como sendo também uma coisa natural”, afirmou ele, dizendo ainda que no Brasil tal engajamento não seria possível por causa de suas visões políticas”.

”Eu adoria lutar por essas forças progressistas no meu país, mas eu não gostaria de morrer. Eu não conseguiria me engajar politicamente enquanto a questão da violência não melhorasse, eu teria medo de fazer politica com a visão politica que eu tenho.”

Desafios do movimento

Hoje, com pouco mais de um ano de existência, o Volt Letônia tem pouca adesão e uma voz política bem rouca. Para o brasileiro, isso decorre por conta da baixa presença nas redes. ”Não estamos com uma presença muito forte nas redes. Vamos nos reunir e traçar as próximas estratégias.”

Uma das forças do Volt em países como a Inglaterra, Alemanha e Bélgica é justamente a massiva presença nas redes sociais. Diferente de um partido tradicional (os próprios fundadores afirmam que Volt não é é um partido, mas um movimento), ele centraliza suas atividades online, marcando encontros, postando videos e entrando ao vivo em diferentes redes sociais, como o Facebook.

O anúncio, por exemplo, da candidatura do presidente e um dos fundadores, Andrea Venzon, italiano de 26 anos, para deputado europeu foi anunciada no Facebook, através de um vídeo divulgado por ele, andando na beira do rio Tâmisa, com a catedral St. Paul ao fundo. ”Se o Volt der certo, a Europa vai mudar”, anunciou Andrea, em entrevista à revista Euvision no final do ano passado.

De acordo com o brasileiro, o Volt Letônia tem apoio pontual do Volt central inglês. Aulas sobre política, cursos onlines sobre economia e doações estão entre o que é oferecido. ”Inclusive tivemos aulas da Kennedy Business School da Universidade de Harvard sobre fundraising”, conta. ”O próximo passo é nos tornarmos uma ONG para aceitar doações”.

Valéria Sternberg, presidente do Volt na Alemanha, afirmou à imprensa alemã que a expansão do Volt fora do eixo Inglaterra-Alemanha-França é importante pois ”é preciso alcançar todas as camadas da Europa, sem se afiliar a nenhum tipo de corrupção e colaborando com os afiliados locais com os desafios nacionais de cada um”.

Letônia: positivamente europeia, historicamente russa

Entre uma das suas maiores questões sociais e políticas está a étnica entre letões e a minoria russa. Embora nascidos no país, os russos não falam a língua local nem possuem o direito de naturalização.

Mapa da Letônia, país que pertenceu à União Soviética e desde 2004 integra a União Europeia. Crédito: Reprodução/Google

A chegada dos imigrantes russos no país data do fim da Segunda Guerra Mundial, quando a Letônia perdeu quase 10% da sua população, vendo-a ganhando mais pessoas com a intervenção da Rússia – na época, ambas pertenciam à URSS, a famosa União Soviética.

Um dos principais partidos no país, o Harmony Party, é pró-Rússia e ganhou 33 cadeiras (o maior número) nas últimas eleições parlamentares de outubro de 2018. Mesmo em uma época em que a política tradicional perde fôlego também entre a juventude letã e russa, a questão étnica continua forte dentro da política. E ela é usada como arma por políticos profissionais para ganharem votos.

De acordo com Una Bergmane, professora da London School of Economics e pesquisadora do Foreign Policy Research Institute para a região báltica, ”ao contrário dos outros países europeus, a Letônia não vê crescer a sua extrema-direita, porém, o que desestabilizará o país a longo prazo é o uso político da questão étnica, provocando uma grave situação de não-governabilidade.”

Para o deputado europeu leto Krišjānis Kariņš ainda há um tremendo fosso a ser reparado na política letã para alinhá-la às dimensões da sócio-democracia europeia.

”Infelizmente para o país, os partidos políticos ainda estão separados em etnias e em grupos que controlam os negócios, o que significa que ainda há um tremendo fosso na questão do desenvolvimento de políticas alinhadas à tradicional dimensão sócio-econômica da União Europeia”, afirmou Karins em artigo divulgado em sua página na internet. ”É o alto preço que a história do país nos faz pagar”.

Para Tales Rosa, o Volt traria a resposta para tal embate étnico e para o avanço político da Letônia, fora do eixo ”insuficiente e arcaico” do esquerda-direita, ”pró e contra Rússia”.

”As novas gerações crescem agora falando letão, russo e inglês, especialmente a minoria russa. Culturalmente eles estão conectados tanto com o Oeste quanto com o Leste e quando se tornarem adultos e passarem a votar eles vão exigir uma política mais sofisticada. Essa questão pró-Rússia, anti-Rússia está ficando velha”, afirmou.

”O Volt se encaixa muito bem nesse contexto. Ao mesmo tempo que a gente afirma a soberania e a segurança da Letônia a gente não excluí minorias por questões políticas ou para fazer jogo politico”, acrescentou o brasileiro,

Questionado pelo MigraMundo se ele cogitaria se candidatar pelo Volt na Letônia, o brasileiro afirmou que sim – mas só daqui a cinco anos, quando tiver direito à cidadania letã.

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