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quinta-feira, novembro 28, 2024

Na Espanha, refugiados são marginalizados e vivem na miséria

Por Ricardo Rossetto  – @rirossetto
De Pamplona (Espanha)

Uma reportagem do jornal El País da última quinta (01) me chamou a atenção. Sob o título “Os tradutores que o exército esqueceu”, a jornalista Ana Carbajosa mostra como vivem atualmente na Espanha os 40 afegãos que trabalharam como tradutores para as forças militares espanholas durante a guerra naquele país. Durante mais de uma década, eles foram a boca e os ouvidos dos soldados de língua castelhana, e estiveram juntos das tropas em todos os momentos da ocupação, inclusive andando por campos minados e salvando homens feridos em meio a combates. Jurados de morte em seu país pelas milícias talibãs por terem colaborado com os “invasores”, os tradutores pediram asilo político ao governo espanhol, e depois de muitos meses de espera, finalmente chegaram a Madri como refugiados em janeiro deste ano. Logo descobriram que suas vidas seriam de miséria e humilhação.

“Sonhávamos em vir para a Europa, mas nunca imaginamos que isso seria assim. Nos deixaram abandonados. Se a Espanha não pode nos atender, então que apaguem as nossas impressões digitais e nos deixem ir a outro país”, disse à reportagem Daryuush Mohammadi, de 24 anos. A referência às digitais trata do regramento Dublín II, no qual cada país (no âmbito da União Europeia) é responsável por analisar as solicitações de asilo e se torna responsável pela proteção daquela pessoa.

O problema é que a Espanha, ao que indicam as últimas estatísticas da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado, não está disposta a abrir suas portas. Em 2014, das 625 mil solicitações de asilo internacional feitas por refugiados de todo o mundo à UE, o país ibérico acolheu somente 1.585 pessoas. Uma vez aceitos, esses estrangeiros enfrentam outros desafios. Faltam políticas sociais que o integrem na sociedade espanhola e, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, não há centros de acolhida suficientes no país e os recursos para a compra de itens de higiene e alimentação são escassos. Mesmo assim, o Ministério do Interior espanhol espera receber somente em 2015 outras 35 mil solicitações de refúgio, 17 mil deles de pessoas vindas da Síria, Eritreia e Iraque.

Outro fator que contribui para marginalizar um refugiado na Espanha é o alto índice de desemprego do país (de 22%, de acordo com o Eurostat, uma das maiores da União Europeia). As poucas oportunidades de trabalho são informais, sem registro em carteira. Os imigrantes se sujeitam a longas jornadas de serviço em troca de salários infames. Um dos afegãos tradutores da reportagem conta que recebe 350 euros por 18 horas diárias vendendo kebabs em um restaurante da capital espanhola. Com esse rendimento, muito abaixo do salário mínimo espanhol (648 euros), mal consegue pagar o aluguel do seu apartamento e comer mais de uma refeição completa por dia. “Prefiro que me matem os terroristas do que essa vida”, disse.

Eles ajudaram os espanhóis no Afeganistão. Mas a Espanha não tem ajudado os refugiados afegãos que recebeu. Crédito: Reprodução/Change.org
Eles ajudaram os espanhóis no Afeganistão. Mas a Espanha não tem ajudado os refugiados afegãos que recebeu.
Crédito: Reprodução/Change.or

Morando há pouco mais de um mês na Espanha, posso sentir, ao ler o noticiário e ver a televisão, que a sociedade europeia está perturbada com a crise de refugiados à porta de casa. Imagens impactantes como a do garoto sírio afogado em uma praia da Turquia causaram espasmo nos europeus, que passaram a pressionar seus governantes para tomar medidas humanitárias urgentes. A União Europeia, que na última década investiu milhões de euros na proteção das fronteiras do Espaço Schengen (em uma espécie de “feudalização do continente”) assume, aos poucos, sua parcela de culpa neste drama humanitário. 

De um imobilismo dissimulado e vergonhoso, os 28 estados-membro da EU resolveram agir (ainda que com restrições de quatro países), e, no dia 22 de setembro, acertaram a “repartição” de 120 mil refugiados pela Europa. À Espanha lhe coube a cota de acolher 17.680 pessoas. O governo espanhol afirma ter reservado 200 milhões de euros do seu orçamento para atender aos refugiados. Pergunto: esse dinheiro será utilizado para fomentar programas de reinserção do estrangeiro na sociedade espanhola, oferecendo serviços de assistência médica, psicológica, aulas de idiomas e oficinas de capacitação profissional? Ou, depois de alguns meses ajuda financeira, serão abandonados à sua própria sorte, como aconteceu com os tradutores? Até o momento, o presidente Mariano Rajoy não tem uma resposta.

Me impressiona com um continente, onde floresceram os ideais da democracia e da liberdade, igualdade e fraternidade, tenha virado as costas durante tantos anos para os problemas políticos e sociais dos países próximos da África e Oriente Médio. E pior: que haja primeiros-ministros, presidentes ou outros políticos de partidos de extrema-direita que defendam a intolerância e a xenofobia, como o fechamento das fronteiras para se proteger da “perigosa invasão de estrangeiros”, afrontando o artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que prevê que “toda pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um estado.

Progressista e humanista que sou, sendo um líder da EU aproveitaria a chance de incrementar esse capital humano valioso à minha sociedade que só envelhece (característica comum dos países europeus). A maioria dos refugiados são homens, jovens entre 18 e 35 anos, fluentes e vários idiomas e com títulos de bacharéis nas mais diferentes áreas de conhecimento. E, acima de tudo, vem com uma vontade enorme de trabalhar e ajudar no desenvolvimento da sua nova pátria.

 A União Europeia vive um momento crucial da sua trajetória. As decisões tomadas entrarão para a história e marcarão o continente como uma terra solidária ou fechada para privilegiados.

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