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sexta-feira, novembro 22, 2024

No Brasil e na Alemanha, projeto usa empatia na escola contra xenofobia

Projeto Carlotas, representado na Alemanha e no Brasil, usa a empatia como ferramenta para o combate à xenofobia e a outras formas de preconceito

Por Manuela Marques Tchoe
Em Munique (Alemanha)

A empatia é uma das ferramentas mais poderosas no combate a qualquer tipo de preconceito: esse é o preceito da Carlotas, uma empresa com propósito social no Brasil e uma organização sem fins lucrativos na Alemanha – e também com operações nos EUA.

Com o surgimento de uma nova onda xenofóbica agravada pelo aumento da imigração – e de discursos populistas – debate-se como combater a xenofobia e fomentar a diversidade. Uma dessas vertentes é, certamente, o aprendizado da empatia.

Mensurar empatia não é fácil, mas é um tema necessário para criar a base que combate o ódio ao desconhecido e diferente. É com essa proposta que a Carlotas disputou o prêmio international “Encouraging Future Generations” (Encorajando Gerações Futuras), promovido pelo Grupo Allianz com o Impact Hub em Munique em 2018, como forma de desenvolver competências socioemocionais e gestão de conflitos em escolas e até em empresas.

Desde 2018, a Carlotas lidera a iniciativa “Escola Apropriada” na escola EMEF Infante Dom Henrique, na cidade de São Paulo. A escola atende 562 alunos (dados de 2018), dos quais 23% são imigrantes. 90% destes são bolivianos e o restante de diversas nacionalidades, como Síria, Marrocos, Angola, Venezuela, e outros. Por meio desse projeto, os alunos lidam com conflitos, diversidade e preconceito, baseando-se no princípio da empatia.

Na Alemanha, com muitos refugiados e imigrantes nos últimos anos, também tem sido um terreno para explorar esses temas, visto que preconceito e xenofobia têm aumentado significativamente.

Eu conversei com a Carla Scheidegger, diretora da Carlotas, para entender a proposta da empatia como antídoto para a crescente xenofobia – que começa ainda na escola.

Atividade da Carlotas na EE Infante Dom Henrique, em São Paulo
Atividade da Carlotas na EE Infante Dom Henrique, em São Paulo

Manuela: A Carlotas é uma organização que trabalha com a empatia em escolas e no mercado de trabalho. Como essa abordagem pode combater a xenofobia?
Carla Scheidegger: Carlotas é uma empresa no Brasil e uma organização sem fins lucrativos na Alemanha que busca empatia em todas as suas ações. Usamos a arte, o lúdico e o diálogo para abrir espaços de troca e desenvolvimento a fim de acolher e transformar as percepções dos participantes a respeito de temas como relacionamento, convivência, vínculo, empatia, respeito e diversidade. Carlotas criou o manifesto pela empatia e parte diz “empatia é entender que não há vida humana mais valiosa que outra”. Isso ilustra o poder da empatia como um antídoto à xenofobia.

A empatia é uma das ferramentas mais poderosas no combate a qualquer tipo de preconceito, portanto, todo trabalho que se apoia nela como ponto de partida favorece o entendimento de pontos de vista e histórias de vida diferentes dos nossos. Entender as dificuldades de quem está vivendo como imigrante em um país e conhecer a sua realidade é fundamental para criar pontes entre pessoas de culturas diferentes.

A Carlotas tem um projeto de combate à xenofobia numa escola de São Paulo. Como funciona esse programa?
A EMEF Infante Dom Henrique recebe crianças e jovens de diversas nacionalidades e com o passar do tempo, perceberam que o número de alunos imigrantes estava alto. Além disso, a coordenação da escola notou que esses alunos nem sempre eram incluídos de verdade no contexto escolar. Muitos não tinham amigos, tinham dificuldade com a língua e em alguns casos sofriam algum tipo de violência. Foi então que a escola criou um programa chamado “Escola Apropriada”, um espaço de convivência entre os alunos imigrantes e alguns colegas brasileiros convidados para dialogarem sobre o que estavam sentindo, para jogar e fortalecer os vínculos. A escola convidou então Carlotas para participar da mediação de alguns desses encontros para trabalhar os temas empatia, respeito e diversidade.

O trabalho foi sendo construído mensalmente com o grupo de alunos de diversas faixas etárias dentro da mesma sala de aula, com a participação ativa dos professores, que faziam a ponte entre a sala de aula e os encontros dentro do programa. Falávamos sobre cultura, origem, religião, gênero, medos, coragem, relacionamentos, entre outros. O trabalho foi pautado na busca por recursos socioemocionais daqueles jovens para lidarem com o contexto escolar.

A mudança que a gente percebe em relação aos alunos desde o começo do programa, primeiramente, é a criação do vínculo significativo. Então, a gente tinha uma escola de segregação, o preconceito, a violência imperavam, e o trabalho com a Carlotas, juntamente com a escola, esse vínculo significativo é criado a partir dessa questão do respeito, da diversidade e da aceitação do outro” (Claudio Neto, Diretor da EMEF Infante Dom Henrique)

Quais são os resultados observados até agora?
Os resultados do programa “Escola Apropriada” foram muito positivos. Vale lembrar que o programa “Escola Apropriada” não foi conduzido apenas por Carlotas, e sim por diversas atividades coordenadas pela própria escola. O casamento de diversas ações que oportunizam a expressão e o acolhimento das crianças e jovens imigrantes, geraram significativa diminuição da violência na escola e maior sensação de pertencimento nos participantes. Sabemos que nem todos os desafios foram contornados, mas é possível perceber maior abertura ao diferente por parte de todos envolvidos.

Os professores que também decidiram incorporar Carlotas à grade curricular e não continuar o “Escola Apropriada”, por terem percebido que os alunos imigrantes tinham conseguido ocupar seu lugar na sala de aula e estavam se relacionando mais e melhor com a turma.

O trabalho se expandiu do grupo de imigrantes e foi incorporado a todas as turmas. Para conhecer mais sobre os projetos, veja os vídeos Xenofobia: Acolhendo Imigrantes na Escola e Fechamento do Programa ExploreCarlotas de 2018.

Eu acho que mais jovens como eu, e crianças também, deveriam conhecer o projeto Carlotas, porque aqui a gente aprende bastante coisa que a gente vai levar pra vida, porque a escola é muito mais que aprender a ler e a escrever.” (Cleiciane Sousa, aluna)

A Carlotas também está presente na Alemanha, um país que vem recebendo imigrantes do mundo inteiro há alguns anos, com projetos similares. Como tem sido abordar o tema da xenofobia no país?
Tem sido, sem sombra de dúvida, uma enorme oportunidade de aprender muito sobre nós, seres humanos. A xenofobia é apenas uma das diversas formas de discriminação que tentamos combater. Ela é, historicamente, uma das mais conhecidas e sempre ganha espaço nos canais de notícias. Mas não é a única. Por isso a empatia é algo tão importante, pois ela nos habilita a perceber que ninguém é melhor do que ninguém, independente de raça, idade, religião, cor da pele, identidade de gênero ou país de origem.

Expandir a nossa capacidade de enxergar o diferente e o desconhecido com curiosidade e respeito nos proporciona enxergar outros temas, por mais que exista um interesse histórico em manter o discurso nos trilhos da “xenofobia”. Uma criança que não dá a mão a uma mulher adulta porque ela é “impura” é tão realidade quanto uma criança ser xingada no pátio da escola por sua origem.

Eu vivencio enormes esforços pra se promover a democracia, que vão desde discussões em círculos políticos até o desenvolvimento de apps para alcançar adolescentes e jovens. A democracia é percebida como modelo mais aberto, participativo e inclusivo. A xenofobia é cega e surda. Ela só enxerga uma imagem idealizada do perfeito e não escuta, portanto não encontra lugar onde as pessoas estão dispostas a escutar e dialogar.

Por que a Carlotas enfoca na empatia?
Sempre falamos em “desconstruir o perfeito” e “confrontar normas”, pois somos convictas de que fazer parte de um padrão ao qual nem sempre se pertence é, além de desgastante, maléfico para as relações.

A Carla Douglass, uma das fundadoras da Carlotas, é uma mulher mais reservada que nem sempre era cumprimentada na empresa onde trabalhava, pois seu talento não era percebido em sua fala ou em suas vestimentas pouco executivas. Isso a incomodava, pois de certa forma, ela muitas vezes “não era vista”. Foi com seus desenhos instigantes e cheios de “imperfeições” aos olhos de alguns que os descrevem assim, que ela foi constatando a necessidade que crianças já tinham, desde muito novas, de fazer parte de um padrão social.

Observando a relação de alunos com sua obra, ela foi criando um diálogo que questionava estes padrões.Falava sobre o feio e o bonito, o magro e o gordo e chegava à conclusão com as crianças, de que todo mundo é diferente e que isso sim é normal.

Aprendemos que a solução para estes conflitos,e para mais aceitação, está dentro da nossa cabeça, num complexo de reações neurais chamado empatia, que é a capacidade de sentir com o outro e trocar de perspectiva, na tentativa de compreender o diferente. O que fizemos foi nos apropriar da ideia de desenvolver a empatia para alcançar mais apreciação do diferente (da diversidade), e aprimorar nossa abordagem.

Que outros projetos são tocados pela Carlotas?
Onde existem pessoas, existe espaço para Carlotas. Hoje temos alguns programas constantes dentro de escolas e empresas, e diversas outras ações dentro de organizações. Estabelecemos diálogos a partir de workshops, eventos, rodas de conversa, jogos e encontros pontuais. Além disso, desenvolvemos algumas ferramentas como um livro, um jogo e muito conteúdo online para estender a conversa e levar esse assunto a muitas pessoas. Temos o sonho de que essas ferramentas cheguem a muitas pessoas.

Para os interessados em contribuir para os projetos, quais são as possibilidades e como entrar em contato?
Existem muitas formas de contribuir, como espalhando essa ideia por aí, nos convidando para dialogar em alguma instituição que você esteja inserido ou abrindo novos pontos de vista em nosso repertório. Estamos em constante aprendizado e muito abertos a ouvir, por isso, nos escreva para [email protected].

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