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sexta-feira, dezembro 6, 2024

Nota técnica inédita do Ministério da Saúde orienta sobre atendimento a migrantes no SUS

Documento apresenta orientações tanto para gestores quanto para as equipes de saúde e cita toda a legislação nacional que assegura o acesso de migrantes ao SUS

Em uma iniciativa inédita, o governo federal, a partir do Ministério da Saúde, publicou nesta semana uma nota técnica com orientações de atendimento a migrantes, refugiados e apátridas na rede de saúde pública nacional.

A nota técnica, que pode ser lida na íntegra neste link, tem como foco a atenção primária, a principal porta de entrada do SUS (Sistema Único de Saúde) e organizadora de toda a rede.

O documento apresenta ainda a legislação do país (e os documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário) sobre saúde e migração, define o que caracteriza migrantes, refugiados, apátridas, vítimas de tráfico de pessoas e mostra dados atualizados sobre essa população.

Segundo o Sistema de Informações em Saúde da Atenção Básica (Sisab), 512.517 migrantes foram cadastrados nas equipes da atenção primária em um espaço de dez anos, de 2013 a 2023. De acordo com dados do OBMigra, cerca de 1,5 milhão de migrantes residiram no Brasil entre 2011 e 2022.

“É a primeira vez que publicamos um material com essas recomendações de boas práticas”, ressalta a coordenadora de Acesso e Equidade da pasta, Lilian Gonçalves. “A própria Constituição Federal já assegura o direito à saúde para todas as pessoas em território brasileiro. Porém, é importante instrumentalizar os municípios e os trabalhadores para que o atendimento ocorra de forma digna, bem planejada e sem qualquer barreira no acesso”, defende.

Orientações para gestores

O documento incentiva gestores a estruturar diretrizes de acesso à saúde das pessoas migrantes, refugiadas e apátridas nos planos municipais e estaduais de saúde; promover atividades de educação permanente sobre migração e aspectos culturais para as equipes de saúde; fomentar o diálogo intersetorial e com organizações da sociedade civil; e disponibilizar recursos multilíngues, entre outras questões.

Mesmo sendo garantido por lei, o acesso à saúde básica é uma barreira vivenciada pelos migrantes em seu cotidiano no Brasil. Questões linguísticas, falta de informação sobre seus direitos, estigma e discriminação são apenas alguns dos desafios.

“A língua costuma ser um dos principais dificultadores no acesso à saúde para quem não fala português. Por isso, o uso de aplicativos multilíngues e de tradução pelos profissionais de saúde, incluindo os agentes comunitários (ACS), é muito bem-vindo”, explica Lilian.

Em fevereiro de 2020, a Prefeitura de Boa Vista chegou a publicar uma lei que limitava o atendimento de pessoas migrantes na rede municipal de saúde. A capital de Roraima é um dos pontos no Brasil que mai concentram venezuelanos que deixam o país vizinho em razão da crise generalizada vivenciada pela terra natal pelo menos desde 2015. O caso foi parar na Justiça.

Principais orientações para as equipes de saúde

  • Realizar o cadastro no e-SUS APS ou em sistema próprio, o acolhimento e o atendimento independente da documentação que a pessoa possuir;
  • No caso da ausência de comprovante de residência, os dados de endereço do estabelecimento de saúde podem ser utilizados;
  • Disponibilizar material multilíngue com orientações sobre os horários de funcionamento, os atendimentos e os procedimentos ofertados na unidade, publicizando o calendário vacinal, locais e horários de dispensação de medicamentos, etc;
  • Realizar a estratificação de risco e vulnerabilidade, identificando possíveis descontinuações de tratamentos de condições crônicas de saúde;
  • Compreender as especificidades culturais, de crenças e religiosidades, hábitos alimentares e nutricionais, além de aspectos da linguagem e comunicação das pessoas migrantes, refugiadas e apátridas atendidas;
  • Na identificação, atentar para possíveis sinais de violência, situação de tráfico de pessoas, de trabalho análogo à escravidão ou de violação de direito, buscando auxílio dos órgãos competentes. Tendo em vista a vulnerabilidade dos casos, é importante o respeito ao sigilo, à integridade física da pessoa e ao atendimento culturalmente sensível;
  • Observar se há demandas relacionadas à saúde mental, e se necessário, articular o cuidado compartilhado com a equipe Multiprofissional (eMulti) ou encaminhar ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Avanços recentes

Apesar da existência de entraves para acesso de migrantes aos serviços de saúde no Brasil, os últimos anos registraram avanços nesse sentido. Eles podem ser atribuídos a organizações da sociedade civil e associações de migrantes que levaram adiante mobilizações com o objetivo de garantir o acesso das populações migrantes ao direito à participação popular na formulação de políticas de saúde e ao controle social na sua implementação.

Em maio de 2023, por exemplo, ocorreu a primeira Conferência Nacional Livre de Saúde das Populações Migrantes, com o apoio e a organização da Frente Nacional pela Saúde de Migrantes (FENAMI). Mais de 500 pessoas compareceram presencialmente e mais de 300 participaram online, distribuídas em 27 polos presenciais localizados em 19 cidades de 13 diferentes unidades federativas.

Pouco depois, em junho de 2023, foi criado um Grupo de Trabalho no Ministério da Saúde para discutir a implementação de uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Populações Migrantes, Refugiadas e Apátridas, iniciada em 2022 pelo Serviço de Apoio Institucional e Articulação Federativa (SEINSF) no Rio de Janeiro. Inicialmente composto apenas por gestores, o grupo recebeu a participação da sociedade civil após esforços de interlocução.

Em 20 de fevereiro passado, a Justiça Federal do Ceará acolheu Ação Civil Pública da Defensoria Pública da União (DPU) que determinou que todo migrante residente no Brasil tem direito à inclusão de seu nome na fila do SUS para transplantes de órgãos, tecidos, células ou parte do corpo humano – seja ele residente permanente ou temporário. A medida começou a valer em 1° de março.

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