Por Rodrigo Veronezi
Os venezuelanos que entraram no Brasil durante a pandemia de Covid-19, iniciada em março de 2020, não estão contemplados pela medida que recentemente simplificou a documentação necessária para solicitar residência no país. Esse é o entendimento da Polícia Federal sobre a Portaria Interministerial MJSP/MRE 19, assinada pelos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores e que publicada na edição de quinta-feira (25) do Diário Oficial da União.
A portaria simplifica a documentação para autorização de residência exigida de cidadãos de países fronteiriços que não se enquadram no acordo do Mercosul. Estão nessa regra os nacionais de Guiana, Suriname e, especialmente, da Venezuela.
Ao citar tal possibilidade de requerer autorização de residência inclusive por parte de migrantes que estejam em situação irregular, integrantes da sociedade civil viram a possibilidade de o texto contemplar também as pessoas que ingressaram no Brasil por vias paralelas já no contexto da pandemia. No entanto, já havia uma ressalva sobre qual entendimento a PF teria dessa determinação.
Após consultas de integrantes da sociedade civil, a Polícia Federal deu, de fato, outro entendimento ao texto.
“O entendimento da CGPI (Coordenação-Geral de Polícia de Imigração) em Brasília, após consulta ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, sobre a nova Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 19, de 23 de março de 2021, é que essa portaria tem o mesmo entendimento da portaria dos haitianos, ou seja, é válida somente para quem não entrou de forma irregular durante a pandemia”, informou a PF.
A entidade ressaltou ainda que a nova portaria não prevalece sobre as medidas anteriores de fechamento de fronteiras. “Esta, por sua natureza especial e por tratar de medida temporária e excepcional com cunho sanitário, ainda predominará, inibindo a regularização daquele que violar seus termos”.
As portarias que restringem o acesso de pessoas de outros países ao Brasil têm sido alvo de questionamentos da sociedade civil e da Justiça em razão das restrições adicionais a venezuelanos, que denotam um tratamento discriminatório a essa nacionalidade. A despeito dessas objeções, o governo brasileiro segue renovando as portarias e mantendo tais restrições.
Procurada pelo MigraMundo para comentar a portaria, a Polícia Federal não se manifestou até o fechamento deste texto.
Avanços e gargalos
Para o advogado Adriano Pistorello, do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias de Sul (RS), ainda é possível colher frutos positivos da portaria recém-publicada pelo governo, embora deixe de fora os venezuelanos que entraram no Brasil em meio à pandemia.
“Essa portaria avança no sentido de compilar em um único instrumento de forma clara e direta os pontos de regularização migratória e alteração na forma de autorização de residencia, desde que os imigrantes tenham ingressado ao País, antes das portarias de restrição de entrada por questões sanitárias”.
Pistorelo ainda ressalta que a portaria avança em relação aos documentos necessários e a possibilidade de supressão de alguns documentos em virtude da condição de vulnerabilidade, crianças e forma de comprovação de renda, para os casos de alteração da Autorização de Residência.
Por outro lado, os imigrantes que não são contemplados pela possibilidade de regularização prevista na portaria ainda vivem uma situação de limbo. Essa é a situação das cerca de 70 mulheres e menores venezuelanos em Pacaraima (RR), que estavam em um abrigo que foi alvo de uma ação de agentes de segurança civis, militares e federais, no último dia 17. O motivo alegado foi a averiguação de uma denúncia de aglomeração em meio às medidas de distanciamento social contra a Covid-19. No entanto, a leitura feita por integrantes da sociedade civil e defensores públicos era de que se tratava de uma tentativa de deportar o grupo.
No domingo (21), a Justiça acolheu Ação Civil Pública impetrada por Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF), barrando a deportação do grupo e proibindo novas incursões do gênero em abrigos.
Pedidos de refúgio
Os venezuelanos atualmente são a maior população em situação de refúgio no Brasil., sendo 54 mil deles já devidamente reconhecidos pelo governo. Desde meados de 2019 o país passou a reconhecer a Venezuela como local de “grave e generalizada violação de direitos humanos”, o que permite um trâmite mais célere das solicitações de cidadãos do país vizinho à luz da lei brasileira de refúgio.
Nesse contexto, o pedido de refúgio tem sido uma das formas de regularização migratória buscadas por essa população. De acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil aprovou 26.810 pedidos de refúgio em 2020, sendo que 95% deles foram de venezuelanos (25.735, no total).
Ao mesmo tempo que abre uma nova porta para regularização dos venezuelanos indocumentados, a nova portaria prevê, em seu artigo 6º, que “a obtenção da autorização de residência prevista nesta Portaria e o registro perante a Polícia Federal implicam na renúncia da solicitação de reconhecimento da condição de refugiado”.
Uma das leituras feitas a partir desse contexto é que a portaria visa também reduzir o número de solicitações de refúgio pendentes de avaliação por parte do governo brasileiro. Até o final de 2020, havia mais de 150 mil pedidos aguardando análise – um patamar que já chegou a ultrapassar a casa dos 200 mil.
Pesquisadores e integrantes da sociedade civil apontam que o cancelamento do pedido de refúgio de quem consegue autorização de residência enfraquece o refúgio como um direito e elemento de proteção internacional.
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