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terça-feira, outubro 29, 2024

O mercado de trabalho informal em Roraima e as dificuldades vividas pelos venezuelanos

Ao ouvir relatos de venezuelanos que estão em Roraima, é comum escutar casos de exploração laboral aos quais são submetidos

Por Debora Draghi
Em Boa Vista (RR)

Mais de 2 milhões de pessoas decidiram fugir da Venezuela devido às consequências da crise política e econômica, principalmente relacionadas à falta de alimentos e remédios, segundo a OIM (Organização Internacional para as Migrações). Em Roraima, Estado que faz fronteira com a Venezuela e é por onde chegam a maioria dos venezuelanos no Brasil, as dificuldades são evidentes.

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Com pouco mais de 300 mil habitantes, Roraima tem oportunidades de trabalho limitadas, o que dificulta a plena integração dos imigrantes venezuelanos. Na capital, Boa Vista, levantamento da prefeitura identificou 25 mil venezuelanos, o que corresponde a 7% do total de habitantes da cidade. Visto que a primeira acolhida tem sido priorizada – de modo que não falte alimentos, atendimento médico e abrigo – , a integração tem sido deixada para um segundo plano, já que ainda faltam vagas para crianças nas escolas e também vagas de emprego. O mercado de trabalho no estado é incapaz de lidar com a quantidade de migrantes, levando a uma severa exploração do trabalho. Os migrantes menos qualificados competem diretamente com os brasileiros, levando ao preconceito e à xenofobia.

Ganhando o mínimo para sobreviver, os venezuelanos querem trabalhar e saem em busca de emprego. Com um mercado repleto e pouca absorção, a situação se complica. Ao ouvir relatos de venezuelanos, é comum escutar casos de exploração laboral, como mulheres que ganham R$ 15 ou R$ 20 por trabalharem 12 horas como diaristas, ou no máximo R$ 50 depois de fazerem uma faxina completa. Ou o caso de vários homens que fazem uma diária como pedreiro, carpinteiro e ganham em média R$ 60, tendo ainda o almoço descontado, geralmente 10 reais. Além disso, o transporte até o local de trabalho nunca é pago pelo patrão, e no caso de trabalho em obras, as condições são inseguras e insalubres. Por conta desse mercado de trabalho incapaz de assimilar a quantidade de pessoas que chegam e que ali estão, muitos querem ser interiorizados, principalmente se tiverem trabalho (clique aqui para entender sobre o processo de interiorização).

Mutirão promovido pela Prefeitura de Boa Vista mapeia venezuelanos que vivem na cidade.
Crédito: Nayra Wladimila/MigraMundo

Desse modo, com poucas oportunidades de trabalho, muitas pessoas, especialmente mulheres, estão se prostituindo a qualquer hora do dia para sobreviver – algo conhecido em inglês como survival sex, ou seja, quando a pessoa se prostitui por razão de extrema necessidade. Há alguns meses atrás, o preço cobrado girava em torno de R$ 80, porém com o aumento de pessoas realizando o trabalho, agora pode-se encontrar por R$ 30. É sabido que uma ocupação assim só oferece riscos à quem a realiza, porém é o único meio encontrado por dezenas de pessoas que não encontram outra saída.

É corriqueiro ver pessoas que tem décadas de experiência, graduados, altamente qualificados, realizando trabalhos que exigem pouco expertise e claramente desperdiçando um potencial que poderia ser melhor aproveitado pelo Brasil. Como é o caso de Javier*, que é engenheiro de manutenção industrial, e na Venezuela trabalhava como chefe de departamento de infraestrutura. No Brasil desde abril de 2018, Javier encontrou um trabalho informal em um lava-car, onde ganha em média 25 reais por dia, trabalhando cerca de 11 horas. De acordo com ele, não há descanso, nem dia livre, e como todos os outros venezuelanos, ele ganha metade do que um brasileiro ganharia, realizando o mesmo trabalho. No entanto, Javier precisa ainda sustentar a família que ficou na Venezuela, e devido ao pouco dinheiro que ganha, às vezes se vê obrigado a pedir dinheiro na rua para garantir o sustento do mês. O caso de Javier ilustra elucida bem o que Haas, Castles e Miller falam: muitos refugiados trazem qualificações, embora nem sempre seja permitido que as utilizem (p.272).

Além disso, o Brasil é carente de mão de obra qualificada em alguns setores, e se houvesse um programa focado em aproveitar essas habilidades, haveria um ganho duplo: para os refugiados, que seriam reintegrados ao mercado formal de trabalho e consequentemente à sociedade, pois conviveriam com brasileiros e aprenderiam português de forma mais fácil, como para o Brasil, que enriqueceria por trazer trabalhadores de outra cultura e por produzirem riqueza ao país.

Apesar disso, ainda que o Brasil esteja aberto a receber esse fluxo de venezuelanos, ainda não está preparado e não sabe como lidar e nem se beneficiar de uma mão de obra qualificada, que só agregaria ao mercado de trabalho brasileiro. Sabe-se que garantir assistência de primeira acolhida, como alimento e abrigo, é essencial para assegurar a saúde e o mínimo necessário. Porém, num segundo momento, é preciso recolocar os refugiados no mercado de trabalho formal, para que possam tem uma vida digna, garantindo assim os próprios meios de subsistência e se reintegrando à sociedade de maneira sustentável.

Barracas no abrigo Jardim Floresta, em Boa Vista, um dos locais criados para alojar os venezuelanos na cidade.
Crédito: Nayra Wladimila/MigraMundo

Para aqueles que possuem pouca qualificação, poderia se pensar em capacitação profissional desses indivíduos, bem como uma facilitação de ingresso no ensino superior ou um ensino técnico profissionalizante, como uma forma de aproveitar esses recursos humanos e fomentar uma integração sustentável, criando um ambiente favorável, onde as pessoas possam se desenvolver e voltar a ter uma vida digna, com seus direitos garantidos e segurança alimentar, algo perdido desde que a situação precária se instaurou na Venezuela e trouxe incerteza aos seus milhões de cidadãos.

* O nome foi trocado para garantir anonimato

Referências:

International Organization for Migration. 2018. “ Migration Trends in the Americas”. https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/National_Migration_Trends_Venezuela_in_the_Americas.pdf

Stephen Castles, Hein De Haas and Mark J. Miller, The age of migration: International Population Movements in the Modern World. (New York: Palgrave Macmillan, 2014).

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