Por André Gabay Piai
Uma vez mais, a pauta das migrações está no centro dos debates da classe política francesa, devido à possibilidade de adoção de uma nova lei relacionada ao controle de fluxos migratórios. Após grandes atrasos e reajustes no projeto de lei, o texto foi votado pelo Senado francês no último dia 14. O projeto de lei obteve 210 votos favoráveis e 115 votos contrários à aplicação da nova legislação. Entretanto, antes de entrar em vigor (ou de ser rejeitada), a lei deve ser examinada pela assembleia nacional, o que deve ocorrer durante o mês de dezembro.
As últimas atualizações do texto revelam uma legislação bastante endurecida e se distanciam do projeto inicialmente anunciado pelo governo, isto por conta de uma maioria centrista e direitista, responsável por votar a lei, formada no Senado. Ainda assim, o ministro do interior de Emmanuel Macron, Gérald Darmanin, demonstrou entusiasmo com a aplicação da nova legislação, mesmo que o projeto inicial proposto pelo governo vigente tenha sido alterado diversas versas ao longo dos últimos meses.
Com isso, o projeto de lei francês vai, portanto, ao encontro de uma tendência europeia de endurecimento das políticas de acolhimento no continente. A exemplo disso, a extrema direita já governa a Itália, com a eleição de Giorgia Meloni, e diversos ataques xenófobos têm sido reportados em Portugal.
Assim, o controverso projeto de lei visa um maior controle das migrações, bem como uma melhor integração daqueles estrangeiros chamados “extra-comunitários”, ou seja, aqueles que não possuem uma cidadania da União Europeia. Ademais, a lei se baseia em um discurso de que o sistema francês estaria saturado e de que seria preciso, portanto, aplicar maior rigor aos estrangeiros que se instalam no país. Deste modo, o acesso à saúde tem se tornado um símbolo desta suposta saturação e está no centro dos debates.
Neste contexto, um dos aspectos da nova legislação que mais tem gerado polêmica é a proposição de supressão da chamada AME (Assistência Médica do Estado, em tradução livre), um dispositivo de assistência médica incondicional destinado aos estrangeiros em situação irregular na França. Vale ressaltar que as despesas com a AME representam aos cofres públicos do país apenas 0,5% do total dos custos relacionados à saúde. No entanto, a nova lei propõe uma cobertura médica apenas para casos graves e urgentes, como já foi feito no passado em países como a Espanha, que voltou atrás na medida, já que é muito mais custoso tratar cânceres e outras enfermidades severas do que doenças em estágios iniciais.
Embora o dispositivo esteja no centro dos debates relacionados à nova lei, a imigração relacionada a tratamentos médicos permanece marginal na França: apenas 1,6% das autorizações de residência foram emitidas por este motivo em 2021. Isto é, muitos daqueles que são elegíveis ao dispositivo não o solicitam e descobrem, após exames de rotina, doenças graves muito depois da chegada à França e acabam se vendo na obrigação de iniciar um tratamento e de solicitar um visto de residência para este fim.
Um outro ponto que tem gerado debate é a reforma relacionada ao acesso a subsídios públicos por imigrantes. Hoje em dia, um estrangeiro em situação regular pode solicitar o benefício a partir de 6 meses de presença na França. A nova lei, caso aprovada, alteraria radicalmente este prazo: um estrangeiro em situação regular teria que esperar 5 anos para beneficiar de subsídios estatais. Atualmente, solicitantes de refúgio já estão excluídos deste benefício e só podem solicitá-lo caso venham a ser reconhecidos como refugiados.
No que diz respeito ao processo de expulsão de estrangeiros considerados perigosos, a nova legislação propõe uma simplificação do dispositivo e uma maior abrangência de pessoas extra-comunitárias consideradas expulsáveis. O tema das expulsões reganhou os debates após um ataque à faca em uma escola na cidade de Arras, no norte do país. O autor era considerado como um estrangeiro perigoso.
Atualmente, as expulsões – denominadas OQTF em francês – estão no centro da polêmica, justamente porque são consideradas ineficazes. As OQTF são emitidas, mas raramente executadas, dado o caráter voluntário da partida do estrangeiro. Ou seja, este deve partir da França em 30 dias por seus próprios meios e as autoridades não dispõem de meios para verificar se o estrangeiro expulso partiu de fato.
Finalmente, com o novo texto, o governo busca trazer alterações importantes a um assunto central da agenda política da União Europeia: a questão dos refugiados. Atualmente, em teoria, uma solicitação de refúgio deve ser analisada, em média, dentro de 6 meses. Entretanto, a legislação proposta busca alterar o prazo e analisar as solicitações mais rapidamente, assim como expulsar imediatamente estrangeiros que tenham recebido uma OQTF. Atualmente centralizadas em uma única instituição em Paris, as solicitações de refúgio passariam a ser analisadas pelas prefeituras. Descentralizar as solicitações de refúgio significaria uma análise menos detalhada e muito mais rápida, minando assim um dos princípios básicos da Convenção de Genebra.
E em relação ao aumento do tempo de residência para pegar a cidadania que agora é 5 anos e eles querem mudar para 10. Você não falou sobre.