Gonzalo Fanjul, cofundador do site espanhol especializado em migrações porCausa, pediu a criação de um sistema de refúgio inteligente e eficaz na Europa
Por Victória Brotto
Em Estrasburgo (França)
O sistema europeu de refúgio é “caótico, estúpido e imoral” , enquanto os outros sistemas de migração na Europa são ordeiros. É o que pensa o economista espanhol Gonzalo Fanjul, cofundador do site especializado em migrações porCausa, que conversou com o MigraMundo sobre os acordos e polêmicas recentes na Europa em relação às migrações.
Fanjul, que já colaborou com instituições como Center for Global Development, Oxfam e Save the Children UK e hoje é coeditor do blog do jornal El País 3500 Milliones, chamou de “triste” o último acordo em Bruxelas.
Clique aqui para assinar a Newsletter do MigraMundo
“O que eu me recuso é ser pego nessa armadilha de dizer que o que queremos é a política das fronteiras abertas. Não, não se argumenta pela abertura de fronteiras, mas sim por um sistema mais aberto, eficaz e inteligente. Não é apenas imoral o que se faz hoje na Europa, mas é estúpido”, disse o economista espanhol, que não poupou críticas a líderes europeus – como o presidente francês, Emmanuel Macron, a quem chamou de “covarde”.
Sobre o atual líder espanhol Pedro Sánchez, Fanjul se questiona sobre a sua vontade política em “ser a nova Merkel.” A questão é se ele tomará a responsabilidade como Merkel fez ou se ele será covarde como o presidente francês, que passa a bola para os outros resolverem o problema. “É claro que não se quer ser Salvini [atual ministro do Interior da Itália, de extrema-direita]. Ninguém quer ser Salvini”.
MigraMundo: Em sua opinião, a União Europeia tem dificuldades em responder ao movimento migratório de refugiados que existem em suas fronteiras desde 2015?
Gonzalo Fanjul: Sim. A União Europeia criou toda uma crise politica diante de um desafio humanitário. Muitas outras regiões do mundo têm lidado com desafios humanitários muito piores, muito mais complexos e não desmoronaram como a União Europeia está desmoronando hoje diante da questão migratória. A consequência desse desmoronamento para o sistema migratório é desproporcional.
A União Europeia baseia sua política migratória em extremismos para garantir uma ‘segurança’ que não é o caso, ou seja, eles estão prontos para ultrapassar o sinal vermelho com acordos como o que fizeram, por exemplo, com a Líbia, um estado falido. A própria ideia de solidariedade do bloco desmoronou completamente. O que se vê hoje é um bloco nas mãos de governos ultra-extremistas, como Hungria, Polônia e Itália, país este que mudou completamente a sua posição e bloqueia hoje a assistência humanitária na sua costa. Os únicos países que restam sóbrios nesse debate, mas com baixas, me parece ser a Suécia, Alemanha e Espanha.
E por que houve esse desmoronamento da UE diante dos refugiados?
Em parte por causa de uma campanha efetiva do medo e em parte pela incapacidade de liderança hoje, os nossos líderes não conseguem exercer o direito público fundamental de governar e regulamentar a migração de refugiados. Ângela Merkel teve um papel fundamental quando assumiu uma difícil liderança política no bloco em relação aos refugiados e ela provou que há e que deve haver uma alternativa de acolhimento.
Sim, mas Merkel pagou um preço político por isso, com diminuição de cadeiras no Parlamento alemão e uma difícil reeleição…
Sim, claro que ela pagou um preço, claro que foi difícil, se não fosse difícil todos o fariam. Mas ela será lembrada pela História pelo que ela fez nesses tempos de horror e insensibilidade. A curto prazo, creio que a sociedade alemã se beneficiará da tomada de sua decisão corajosa e inteligente. Mas creio que Merkel passou por tempos difíceis porque ela estava sozinha. Se ela tivesse um grande país ao seu lado teria sido mais fácil, alguém que pudesse alinhar os discursos e abrir vias alternativas no debate da questão migratória.
Em artigo na revista Foreign Policy, o senhor disse que a Espanha poderia ser esse país consonante com Merkel. Mas será que o presidente Pedro Sánchez tem vontade política e poder político para tal, em um momento em que a Espanha enfrenta problemas econômicos e um movimento separatista dentro de suas fronteiras?
Se ele tem vontade política, não se sabe ainda. As respostas têm sido boas [ como quando aceitou receber os migrantes recusados pela Itália]. Mas se ele tentará levantar uma voz alternativa? Não se sabe ainda. Eu estive conversando com pessoas próximas ao presidente, e eles me falaram que ele está disposto sim, mas é ainda incerto até quando ele estará disposto. Sendo franco, eu esperava um posicionamento de Sánchez depois do último acordo feito em Bruxelas, que ele levantasse a mão e dissesse: “ Eu não estou contente com esse acordo, acho que devemos achar outra via.” Mas infelizmente ele não o fez. Para mim, foi desapontador. Sobre poder político, não vejo o porquê dele não poder ser essa voz. Creio que os eleitores espanhóis ainda são bastante abertos à questão [ migratória].
A questão para mim é se Sánchez se tornará Merkel ou Macron. Se ele tomará a responsabilidade como Merkel fez ou se ele será covarde como o presidente francês, que passa a bola para os outros resolverem o problema. É claro que não se quer ser Salvini [ Ministro Interior italiano de extrema-direita]. Ninguém quer ser Salvini.
Como então essa nova força política dentro da União Europeia poderia lidar com a migração?
O que existe hoje é um grupo de pessoas que chega à Europa protegidos pelas convenções dos direitos dos refugiados, e se são refugiados não há opção legal, é obrigatório recebê-los. E nós invertemos isso completamente. Mas o meu argumento aqui é muito mais prático do que legal: o que nós sabemos sobre a mobilidade humana é que os fatores que a causam escapam do controle imediato dos governos, dos Estados. Por exemplo, o principal fator que impulsiona a migração hoje é a desigualdade, não necessariamente a pobreza, mas a desigualdade, e depois, o outro fator é o mercado de trabalho. Esses dois são os principais fatores impulsionadores. Existem outros, tecnologia, diásporas e etc. Agora, como tratar esses fatores? Como trabalhar com eles – será que é impedindo as pessoas de migrar?
Será que o argumento é construir uma torre e dizer “estamos no nosso direito de dizer não” e forçar milhares de pessoas a morrer? Será que a resposta é fazer acordos com a Líbia?
Eu devolvo então a pergunta para o senhor: como então trabalhar esses fatores?
Existem alternativas que nós poderíamos colocar em prática para governar o fluxo de refugiados ao invés de controlá-lo. Algo similar com o que já fizemos com a mudança climática ou o mercado financeiro internacional. Estabelecer atores legais que possam agir em vias legais para regulamentar o que hoje é um caos. É esse o desafio. Nós pensamos muito a nível global, claro, precisa-se pensar, e a ONU tem um papel fundamental para reagir globalmente. Mas também por que não firmar pequenos acordos regionais para sermos mais eficientes?
Para cada pessoa que tenta acessar a Europa sem documentação, existem outras nove que entram por vias já regulamentadas, com documentação. E por quê? Porque para essas nove pessoas há uma via por onde transitar. A maioria do sistema de migração está sob controle, é ordeiro. Mas quando falamos de refugiados, o sistema é um caos. Será que operações policiais da Frontex são realmente necessárias, como foi decidido no último triste acordo em Bruxelas?
A UE não precisa ir muito longe para achar alternativas. Apenas uma década atrás, em 2005, a UE discutia o Acordo Global para uma Política Comum de Migração. Algo que regulamentava o fluxo de refugiados, criava vias legais, alternativas reais. Outra alternativa seria criando sistemas de escaneamento de competências e habilidades dos refugiados com as demandas dos países de acolhimento, um sistema de perfil educacional e profissional para o mercado de trabalho. Cito o exemplo da Nova Zelândia, que cria acordos com outros países de mobilidade temporária.
Mas tudo isso foi abandonado em benefício desse discurso do medo. A UE poderia realmente se beneficiar com um acordo com a região da África ocidental, por exemplo, incentivando um fluxo legal de migrantes e abrindo oportunidades de trabalho, emprego.
Portanto, não é verdade que não há opções. O que eu me recuso é ser pego nessa armadilha que é dizer que o queremos é a política das fronteiras abertas. Não, não se argumenta pela abertura de fronteiras, mas sim por um sistema mais aberto, eficaz e inteligente. Não é apenas imoral o que se faz hoje na Europa, mas é estúpido. Todos estão perdendo, perdendo capacidade humana de trabalhar e de agregar riqueza tanto para o país de destino quanto para o de origem.
Na História, todos os movimentos migratórios atingiram um ápice, mas depois declinaram. De acordo com a OIM, ONU e Eurostat, o movimento migratório de requerentes de asilo na Europa começou a diminuir. De mais de 1,2 milhão em 2015, baixou-se para 708 mil em 2017. Será que estamos vendo o começo do fim dessa vaga de refugiados nas fronteiras europeias?
Sim, é verdade que o número de refugiados está voltando ao período pré-2015. Isso é claro. Mas os números globais ainda indicam que a migração no planeta cresce. Agora, eu prefiro dizer que tal movimento migratório não cessou, mas se adaptou, seja a nível global seja a nível europeu.
E o senhor acha que essa adaptação de fluxo, com menos refugiados chegando à Europa, se deve às decisões políticas tomadas?
Sim, em parte. Creio sim que a decisão de fechar a rota central do Mediterrâneo recusando barcos de resgates influenciou nessa adaptação de fluxo, os acordos com a Turquia, bem como a decisão do Marrocos de segurar os migrantes passando por seu território controlando as fronteiras depois que fechou um acordo de 55 bilhões de euros com a UE. Isso [sobre o Marrocos] não é um fato, é difícil de falar como se fosse. Mas o Marrocos sempre utilizou a migração para fechar ou conseguir mais em acordos bilaterais com o bloco europeu.