A história de um coral em Londres que, pela música, uniu europeus, britânicos, refugiados e requerentes de asilo
Por Victória Brotto
De Verona (Itália)
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Caro leitor, esta não é a história de pessoas que cruzaram oceanos para chegar a uma terra onde não havia lugar algum para elas – nem leis que as protegessem, nem uma política que as acolhessem. Essa é a história de dezenas de migrantes que, por meio da música, já chegaram em casa; de um coral, que no meio de uma Londres eleita uma das piores capitais para refugiados pelo jornal britânico The Guardian, se reúne para cantar e dar fôlego à alegria.
“É maravilhoso ver os nossos membros, muitos que vieram dos campos de refugiados na França, se alegrando através da música”, disse ao MigraMundo Becky Dell, diretora musical do coral. São cinquenta membros “half-half”, como explica Bell. Ou seja, metade de europeus/britânicos e metade de refugiados e requerentes de asilo. E é por isso que são conhecidos como o “Coral dos Cidadãos do Mundo”.
“Nós somos como pássaros quando voam e cantam juntos. Nós estamos dizendo para o mundo: nós somos um, nós somos cidadãos do mundo”, diz a iraniana Sonia. O coral surgiu há apenas três meses, como ideia do político liberal democrata Lord Roberts, defensor dos direitos dos refugiados no Reino Unido. “Nós estávamos no Parlamento trabalhando no ‘the Dubs’ [emenda que dá maior proteção legal a crianças vulneráveis requerentes de asilo no Reino Unido, mas esvaziada por Theresa May no último março] quando conhecemos Lord Roberts”, conta a musicista, que na época foi convidada então por Roberts para assumir a diretoria do Cidadãos do Mundo.
O grupo, que se encontra toda a semana, conta com 15 nacionalidades com idades entre 18 a 70 anos. São desde jovens africanos que fugiram de guerras devastadoras, adultos que passaram pelos horrores dos campos na França e na Grécia, senhores e senhoras do Oriente Médio até britânicos e europeus ‘comuns’ – os chamados “amigos dos refugiados”. O anúncio do coral na internet diz: “Coral dos Cidadãos do Mundo – Para refugiados, requerentes de asilos e para seus amigos”. “Nós queremos que os “amigos” também venham e cantem conosco, fazendo assim com que pessoas que nunca iriam se encontrar se encontrem e se conheçam”, explica Bell.
E por causa de tanta diversidade, o repertório foi sendo pensado conforme as pessoas iam chegando. “No começo, nós não sabíamos quem viria, de quais países e em qual nível estariam suas habilidades”, conta Becky. “Aos poucos, fomos trabalhando nas habilidades que eles tinham e na cultura de cada um.” Hoje, o coral conta com seis músicas fixas, dentre elas um folk Zulu africano, uma música árabe, um folk inglês e até uma música cedida pela Coca-Cola para o coral cantar em suas apresentações. Tess, ativista e membro do coral, compôs uma música que também é cantada por todos os “Cidadãos do Mundo”.
E o resto é livre – inclusive a dança. “Se a música faz a sua alma cantar, então porque também não o corpo¿”, complementa Becky. “Nós estamos andando num caminho de luz e paz, nós cantamos e quando Becky nos faz dançar e tirar nossos pés do chão, a atmosfera fica jubilante. No final, todos estão batendo palmas e rindo muito”, diz um refugiado sírio, de 21 anos, que, por motivos de segurança, não quis revelar o nome.
Quem canta os seus males espanta
A reportagem falou à diretora musical Becky do ditado brasileiro “quem canta seus males espanta”. E ela respondeu esfuziante: “Nunca tinha ouvido tal ditado antes. Amei!”. “A música é definitivamente uma força que cura e é maravilhoso ver os nossos membros do coral, muitos que vieram dos campos de refugiados na França e na Grécia, se alegrando através da música”, acrescenta. E, de acordo com Becky, a música não só cura refugiados, mas também os seus amigos europeus ali no coral.
“Isso [ o poder de cura da música] não é só com os refugiados não, eu vejo também os ‘amigos’ se alegrando e se curando através da música.” E continua: “[A música] É realmente o melhor remédio para alma!”
Agenda cheia
Mesmo com apenas 3 meses de existência, o coral dos Cidadãos do Mundo já está superlotado e com agenda cheia para esse verão. Serão sete apresentações, em Londres, Essex e em Cardiff, capital do País de Gales. Mas a mais esperada é a do dia 20 de Junho, na frente do Parlamento Britânico, palco de vozes contrárias à causa dos refugiados no Reino Unido, causa que Becky chama de “cara ao seu coração”.
“Muito tem sido dito sobre a crise de refugiados, mas nós queremos apresentar uma visão diferente, queremos mostrar para a comunidade como integração e coesão podem realmente acontecer e dar certo”, diz Becky.
Sobre o Brexit e a onda contrária a refugiados e requerentes de asilo, a diretora musical diz: “Nossa experiência não reflete o que é dito na mídia nesse país. Todos com que nós conversamos apoiam imensamente os refugiados e querem ajudar. É importante para nós sempre espalhar essa mensagem de unidade e paz.”
Ao MigraMundo, Becky revelou como será a apresentação a políticos, passantes, turistas, londrinos e tantos quantos estiverem nas proximidades do Parlamento, em Westminster, no próximo dia 20. E isto incluí desde músicas tradicionais árabes, inglesas, africanas até participação do cantor de jazz Ian Shaw e de declamações de versos de seis membros do coral sobre seus sonhos para o futuro. Veja a lista abaixo – e se você estiver por Londres, não deixe de conferir ao vivo o Coral dos Cidadãos do Mundo:
1. Siahamba – Zulu folk song
2. What a wonderful World
3. Scarbough fair – Antiga música folk inglesa [ de 500 anos atrás] mixada com um rap árabe pelo nosso pianista Tom Donald
4. Pachelbel/ I wish That I Knew How It Would Feel To Be Free/ I’d Like To Teach The World To Sing – com a participação do cantor internacional de jazz Ian Shaw
5. Música da Coca-Cola e “Safe Passage” – Música escrita pelo membro Tess sobre os refugiados.
6. Membros do coral cantarão ou declamarão uma frase que representa suas esperanças e sonhos para o futuro.
7. Sure on This Shining Night
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