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sexta-feira, abril 19, 2024

Países anti-Pacto Global para Migração chegam a prender solicitantes de refúgio

Como são as políticas migratórias em seis dos 40 países que não aderiram ao Pacto Global da ONU para Migração? Para responder, o MigraMundo reuniu números, estatísticas e relatos de jornalistas e especialistas do mundo todo.

Por Victória Brotto
De Estrasburgo (França)

Aprisionamento de imigrantes em ilhas desertas ou em centros de detenção em cidades remotas, militarização de fronteiras e três anos de prisão para quem ajudar uma pessoa sem documentos. São essas as principais políticas migratórias de alguns países que não aderiram ao Pacto Global da ONU para Migração.

O MigraMundo reuniu abaixo números e estatísticas sobre a questão migratória nos Estados Unidos, Israel, Polônia, Hungria, Austrália e Chile, além do contexto político e histórico, para você entender como cada um deles lida hoje com a migração.

O Brasil chegou a assinar e ratificar o acordo em 2018, mas o governo de Jair Bolsonaro decidiu pela retirada do país logo nos primeiros dias de 2019 – e tem procurado estreitar laços diplomáticos justamente com essas nações que rejeitam o Pacto proposto pela ONU.

Austrália

Poucas semanas antes da assinatura do Pacto da ONU para Migração, o governo australiano anunciou a sua saída do acordo, afirmando que o documento ”poderia encorajar a entrada ilegal de imigrantes, colocando em xeque a política australiana de combate ao tráfico de pessoas”.

Em uma declaração assinada pelo primeiro-ministro Scott Morrison, juntamente com o ministro dos Assuntos Internos, Peter Dutton, e da ministra das Relações Exteriores, Marise Payne, o governo afirmou ainda que o documento era ”inconsistente com as políticas já bem estabelecidas da Austrália” e que ele ”conflitava com princípios caros aos australianos”.

Em 2017, a Austrália envolveu-se em um grande escândalo de aprisionamento de migrantes. Em acordo fechado com os governos das ilhas próximas, como por exemplo o da Papua Nova Guiné, o governo de Tony Abbot arcava com os custos de deter mais de 2.500 pessoas em centros de detenção temporária. A justificativa para tais prisões era de que essas pessoas estariam ”furando a fila” de quem esperava nos campos de refugiados.

Centro de detenção em Nauru, utilizado para refugiados que tentaram entrar na Austrália. Crédito: N. Wright/ACNUDH

Nos centros, descobriu-se casos de auto-imolação, suicídio, estupros e outros abusos policiais e surtos de malária entre os detentos. Assim, o governo posterior ao de Tony Abbot, o de Scott Morrison, político de centro-direita, foi obrigado a esvaziar os centros, enviando alguns migrantes a países que se ofereceram em alojá-los, como a nova Zelândia, e na própria Austrália.

Scott Morrison foi eleito em 2018 após adotar um tom mais restritivo à migração. ”As pessoas estão gritando nas grandes cidades: Basta! Basta! Basta! E eu as ouvi”, afirmou o primeiro-ministro anunciando que iria diminuir a cota anual de imigrantes no país.

Hoje, a Austrália limita em 190 mil o número de imigrantes recebidos por ano. No ano passado, o país recebeu foram 167 mil imigrantes – 30 mil a menos. Mas mesmo assim o governo planeja abaixar esta cota nos próximos 12 meses. De acordo com os dados divulgados pelo governo, a taxa de migração por habitante atualmente é de cinco imigrantes para cada mil habitantes.

Até o fim dos anos 80, a principal nacionalidade estrangeira no país era a britânica (43%), mas isso mudou, de acordo com o Migration Policy Institute (MPI): hoje indianos (17%) e chineses (13%) encabeçam a lista de imigrantes, depois aparecem os britânicos (8%), seguidos por filipinos, iraquianos e sírios (4% cada um).

Essa mudança se deve ao fim da ”era da Austrália Branca”, explica a socióloga e pesquisadora Christine Inglis, professora associada da Universidade de Sidney e ex-diretora do Departamento de Multiculturalidade e Migração. Segundo ela, por causa do medo da concorrência com os trabalhadores vindos das ilhas do Pacífico e da Ásia, o governo aprovou o Ato de Imigração de 1901, exigindo a fluência em pelo menos uma língua europeia.

Atualmente, a Austrália enquadra o migrante de duas maneiras: temporário ou permanente. Para os imigrantes permanentes, existem três tipos de programas de emissão de visto: o Programa de Imigração de Profissionais, o Programa de Imigração de Familiares de Imigrantes e o Programa Humanitário.

De acordo com os dados divulgados pelo governo em 2017, 47% dos vistos concedidos a estrangeiros foram dados aos migrantes com competências profissionais. Os vistos familiares foram dados em 33% dos casos . Já via Programa Humanitário – o que incluí refugiados vindos principalmente do Iraque, Mianmar e Síria- foram apenas 10% dos vistos.

Montagem nas redes sociais mostra contradição da Austrália ao tratar da imigração. Crédito: Reprodução

Chile

O Chile foi um dos últimos países a não assinar o Pacto da ONU. ”A nossa posição é clara, nós temos dito que a migração não é um direito humano, e que os países têm o direito de estabelecer os procedimentos para que um estrangeiro entre em seu território”, afirmou Rodrigo Ubila, subsecretário do Ministério do Interior chileno ao anunciar a saída do país do Pacto.

O Chile possuí hoje uma restritiva política imigratória, mas que ainda conserva alguns direitos sociais importantes ao imigrantes como, por exemplo, o acesso ao sistema de saúde para todos e o direito à educação para as crianças – herança do governo de centro-esquerda de Michelle Bachelet.

O atual presidente Sebastián Piñera, político de centro-direita, muito difere de sua antecessora, Bachelet. Querendo fazer do Chile um país aberto a todos, a presidente de centro-esquerda defendia uma política migratória baseada nos direitos humanos. Ela tentou reformar, sem êxito, o Ato Constitucional Imigratório de 1975, lei feita pelos militares durante a ditadura chilena para controlar o fluxo de estrangeiros nas fronteiras.

Ao sair do poder, a ex-presidente afirmou em discurso na ONU que o imigrante é um”plus” para o país que o recebe. Porém, com o aumento do número de novos imigrantes no Chile, principalmente vindos do Haiti devido ao terremoto (de acordo com o governo chileno, em cinco anos, o número de haitianos aumentou de 50 por ano para 8.900), da Venezuela e Honduras devido à crise econômica e política, o discurso anti-imigrantes ganhou espaco.

De acordo com relatório da ONU de 2013, foram registrados quase 400 mil estrangeiros vivendo no Chile, a maioria vindos do Peru, Argentina, Bolívia, Equador, Colômbia e Brasil, uma mudança na realidade chilena, que antes dos anos 90 registrava quase a metade da população estrangeira de hoje.

E foi nas urnas onde os chilenenos responderam ao crescimento da população imigrante. Defendendo o controle de fronteiras e diminuição do número de vistos concedidos à estrangeiros, Sebastián Piñera foi eleito em segundo turno graças ao apoio de eleitores do candidato de extrema-direita José Antônio Kast.

Em janeiro desse ano, Piñera apresentou ao Congresso um pacote de medidas restritivas à entrada de imigrantes bolivianos e venezuelanos. Antes, eles não precisavam de visto para entrar. Muitos chegavam ao Chile em busca de trabalho e quando achavam pediam um visto de trabalho. Agora, eles terão que pedir um visto de trabalho para poder entrar.

Piñera também adotou o retorno voluntário, com passagens aéreas pagas pelo governo para aqueles que quiserem voltar para seus países, como os haitianos.

Estados Unidos

Os Estados Unidos foram o primeiro país a sair do Pacto da ONU, abandonando a fase de discussão iniciada em novembro de 2017. Em declaração, o governo de Donald Trump condenou o pacto como sendo uma ”iniciativa da ONU para melhorar a governança global em detrimento da soberania dos Estados.”

Trump impôs uma política avessa aos imigrantes, principalmente àqueles que tentam cruzar a fronteira com México. ”Os Estados Unidos não serão um campo de migrantes nem um acampamento de refugiados. Olhe o que está acontecendo na Europa, olhe o que está acontecendo em outros países, nós não permitiremos que isso aconteça nos Estados Unidos, não enquanto eu estiver vigiando”, afirmou Trump em discurso no ano passado na Casa Branca.

Desde que assumiu o poder, em janeiro de 2017, Trump têm feito da luta contra a imigração uma das principais bandeiras de seu governo. Brigando no Congresso por US$ 5 bilhões para construir um muro na fronteira com o México – pedido que lhe foi negado -, Trump militarizou a fronteira, enviando mais de 15 mil soldados sob ordens de ”atirar em pessoas que atirassem pedras”.

Isso porque, desde a intensificação da violência na América Central, centenas de migrantes caminham em direção aos EUA para buscar refúgio, as chamadas ”caravanas de migrantes”. Trump, dias depois usou as caravanas para ganho político. ” Da próxima vez que você vir uma caravana…culpe um democrata!”, afirmou no Twitter.

Caravana de migrantes centro-americanos chega à cidade de Matías Romero, em Oaxaca, no México. O destino é a fronteira com os EUA. Crédito: Rafael Rodríguez – 1.nov.2018/OIM

Além disso, o governo Trump adotou algumas medidas peculiares para controlar o número de imigrantes no país, dentre elas, a introdução de uma nova pergunta no censo de 2018 sobre o status da cidadania da pessoa e a exigência do histórico de e-mails, telefones e redes sociais dos últimos cincos anos dos requerentes de visto ou residência. Além da Casa Branca negar a renovação do visto de 870 líbios que trabalham nos EUA há pelo menos 16 anos – os outros presidentes o fizeram baseados em razões humanitárias.

Em reportagem na CNN , as jornalistas políticas Tal Kopam e Sara O’Brien afirmam que tais medidas fazem parte de uma mudança silenciosa que terá efeitos ”dramáticos” na política de imigração norte-americana.

No artigo intitulado ”Como Trump está, silenciosamente, rescrevendo a política migratória dos EUA”, Kopam afirma: ”A administração Trump não precisa do Congresso para passar uma lei ou para mudar uma regulamentação alterando assim o sistema de imigração dos EUA – isso já está sendo feito por meio de uma série de pequenos movimentos que ocasionarão grandes e dramáticas mudanças.”

De acordo com o último balanço do Departamento de Imigração dos EUA, são 44,22 milhões de pessoas estrangeiras vivendo no país – 13% da população norte-americana. Eles vêm principalmente da Índia, México, China, Canadá, Honduras, Cuba e Filipinas.

Hungria

Um dos países mais fechados a imigrantes na Europa, a Hungria anunciou que não assinaria o Pacto da ONU por não concordar que migrar seja um direito humano e por entender que o documento colocaria em xeque a soberania do país.

O presidente húngaro Viktor Orbán, político de extrema-direita, adotou medidas duras contra o imigrante e também contra quem o ajudasse. É o caso de um pacote de leis, o chamado Stop Soros aprovado pelo Congresso húngaro que pune com prisão ONGs ou indivíduos que ajudem qualquer migrante sem documentação.

As penas podem variar de seis a três anos de prisão. A adoção de tal lei foi vista com repúdio pela União Europeia. Por meio do Conselho Europeu, a UE afirmou que a Hungria não agia de acordo com os valores europeus e que a lei aprovada era ”arbitrária”.

De acordo com o governo húngaro e com a ONU, atualmente, dos migrantes refugiados, são 3.555 vivendo na Hungria, que conta com uma população de 10 milhões de pessoas. De acordo com a ONU, nos quatro primeiros meses de 2018 foram recebida apenas 342 pessoas requerentes de asilo, a maioria do Oriente Médio. Desse total, 279 pedidos foram aprovados.

Desde 2015, o fluxo de migrantes principalmente da região dos Bálcãs se intensificou no país, uma vez que a Hungria era ”país-rota” para se chegar à Alemanha. De 2.800 requerentes de asilo em 2014, a Hungria viu um salto para 65 mil no fim de 2015. A resposta do governo foi construir um muro de arame farpado na fronteira com a Sérvia para impedir a entrada de novos migrantes.

Acampamentos improvisados além da cerca de arame farpado, vistos do lado húngaro da fronteira com a Sérvia. Crédito: Bruna Kadletz – out.2016

Para aqueles que pedem asilo na Hungria, a vida pode ser muito difícil. O governo, ao tratar do dossiê de cada requerente, os coloca em alojamentos controlados pela polícia húngara local ou federal. Alguns são alojamentos fechados, espécies de centros de detenção, e outros mais flexíveis, onde os migrantes podem circular. Em alguns casos, o governo oferece comida mas não o chamado ”dinheiro de bolso”. Para o migrante sem documentação, existem centros de detenção, onde ele pode ficar preso até dois anos, sendo reenviado ao seu país de origem.

Em 2017, a maioria dos estrangeiros residindo na Hungria era de trabalhadores com visto de trabalho; um percentual de 47%. Mas mesmo sendo a maioria dos imigrantes, ela ainda não é suficiente para cobrir o desfalque de mão-de -obra no país.

De acordo com o relatório da organização Manpower Group, mais de 50% das empresas húngaras hoje encontram dificuldades em achar trabalhadores devido à saída de húngaros do país e às leis restritivas a imigrantes.

Em relatório publicado em outubro de 2013, a consultora Hungarian Migration Strategy enfatizou que apesar da importância em proteger o mercado de trabalho nacional, é necessário também receber força laboral migrante.

Israel

Ao não assinar o Pacto da ONU, Israel afirmou estar mais preocupado em assegurar as suas fronteiras. Segundo o país, o documento da ONU seria uma ameaça à sua soberania. ”Nós temos o dever de proteger as nossas fronteiras contra invasores”, afirmou Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense, em comunicado à imprensa.

Nos últimos anos, Israel tem endurecido a sua política imigratória, principalmente com a chegada de imigrantes africanos desde 2005. Estima-se que a população africana em Israel seja de 35 mil pessoas. Elas fugiram do Sudão ou da Eritreia passando pelo Egito e atravessando o deserto para cruzar a fronteira israelense. Mas, em 2012, Israel construiu uma barreira no deserto para impedir a entrada de novos fluxos de pessoas.

Uma pesquisa do centro de pesquisas e estatísticas Pew Research Center do último mês de outubro revelou que 57% dos israelenses são contra aceitar refugiados. Em fevereiro de 2018, o governo israelense anunciou a expulsão de 40 mil imigrantes africanos que tiveram seus pedidos de asilo negados.

Migrantes protestam em Israel contra o processo de deportação massiva promovido pelo governo. Crédito: Yonatan Sindel/Reprodução/Flash90

”Globalmente, o Estado hebreu não se vê ainda com essa responsabilidade de abrigar não-judeus”, afirmou Marc Liling, diretor do CIMI (Centro para migrações internacionais e para a integração ), uma ONG israelense nascida em 1988.

A dificuldade para se instalar em Israel não é apenas de refugiados ou requerentes de asilo, mas também de judeus nascidos em outros países que tentam a vida em Israel. ”Muitos dos chamados olim (novos imigrantes) não chegam nunca à se integrar, por causa de uma dura administração israelense, uma língua que eles não chegam a assimilar nunca, comportamentos muito diferentes e um sistema social muito menos protetor do que o do país de origem”: é o que conta o jornal francês Liberateur sobre os judeus franceses que tentam a vida em Tel-Aviv (Leia aqui a versão em francês).

De acordo com o governo israelense, a taxa de retorno dos olim fica entre 10% e 30% a cada ano. De acordo com o Migration Policy Institute, há 2.2 imigrantes para cada 1.000 habitantes em Israel.

Polônia

”Nós acreditamos que aqui, na Polônia, as nossas regras, as nossas leis de soberania sobre as fronteiras e o nosso controle migratório são a nossa prioridade absoluta”, afirmou o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki ao anunciar que não assinaria o Pacto da ONU.

A Polônia sempre foi um país de emigração e desde que se tornou membro da União Europeia, em 2004, o número de poloneses deixando a Polônia se intensificou ainda mais – e hoje tal êxodo é um dos grandes problemas do país.

Em uma entrevista publicada em julho passado, o primeiro-ministro polonês afirmou que a economia precisa de mão-de-obra e que, talvez, o país seja obrigado a admitir imigrantes para os postos.

Apesar do apelo de Morawiecki, em votação no Conselho europeu, a Polônia, juntamente com a Hungria, se recusou a aceitar as cotas de imigrantes para serem recebidos pelos Estados-membros. Por outro lado, o governo polonês abriu as portas para os trabalhadores ucranianos e para os asiáticos.

”Isso talvez não seja confortável a ouvir para alguns políticos que apoiam atualmente o governo mas que resistem à imigração. Mas Morawiecki está dizendo que as necessidades da economia vêm primeiro – isso se a Polônia quiser manter o seu desenvolvimento no futuro”, afirmou a rádio polonesa PolandIN na época da entrevista.

Com uma das taxas mais baixas de população estrangeira, a Polônia tem 0.4 imigrante para cada 1 mil habitantes.

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