A imigração italiana deixou marcas em todo o Brasil, incluindo a cidade de São Paulo. Mas passado tanto tempo desde o auge dos fluxos migratórios entre as duas nações, como estão e se organizam os italianos de hoje no Brasil?
A comunidade italiana e ítalo-brasileira atualmente é formada por uma quantidade cada vez menor de italianos nascidos na Itália e outra cada vez maior de ítalo-brasileiros (estima-se que sejam em torno de 30 milhões de ítalo-descendentes no Brasil). Ao mesmo tempo, pouco se sabe sobre quantos italianos estão chegando.
Conhecer, entender e integrar esses italianos é apontado como um dos grandes desafios das organizações de apoio e referência à comunidade no Brasil. Entre elas estão os Comites (Comitês dos Italianos no Exterior), controlados pelo Ministério das Relações Exteriores da Itália e que representam a coletividade italiana mundo afora.
“Não temos números precisos de qual é essa nova presença, tanto que nossa preocupação nesse momento está sendo justamente de tentar conhecê-los e encontrá-los para ver de que maneira eles podem interagir conosco”, conta Rita Blasioli, atual presidente do Comites de São Paulo. Ela também é coordenadora do patronato Acli (sigla para Associação Cristã dos Trabalhadores Italianos, em tradução livre), um dos vários existentes e que funcionam como entidades de suporte, reconhecimento dos direitos de trabalho e de previdência social dos italianos e descendentes.
Mesmo sem os números exatos, o Comites já consegue notar o perfil que predomina: o de pessoas com alta qualificação profissional, que chegam como uma espécie de “pacote fechado”. Eles já contam com casa, assistência médica, escola para os filhos e outros fatores já resolvidos antes de pisar em solo brasileiro. Uma situação bem diferente dos italianos entre os séculos XIX e XX, que ficavam na então Hospedaria do Brás à revelia de quem os contrataria.
“A aproximação que estamos querendo fazer com a nova presença italiana é ver se eles, que têm um conhecimento da Itália de hoje, possam revitalizar aquelas associações que estão quase acabando, passando pelos ítalo-brasileiros”, completa Rita.
A aposta no jovem
Uma das grandes cartadas da entidade para integrar essa nova presença italiana e renovar a cultura do país no Brasil é a participação do jovem, articulada principalmente pela Comissão Jovem do Comites de São Paulo. Criada em agosto de 2008 a partir das ideias de 30 jovens italianos, brasileiros e ítalo-brasileiros, ela é responsável, entre outras atividades, pela organização e divulgação das Settimana Giovane D’Arte e Cultura Italiana (Semanas Jovens de Arte e Cultura Italiana, em tradução livre).
O evento, totalmente gratuito e que chega à sua sexta edição neste ano, teve início no dia 17 e faz parte das comemorações da XIV Settimana della Lingua Italiana nel Mondo. O tema deste ano é “Scrivere la nuova Europa: editoria italiana, autori e lettori nell’era digitale”.
A programação completa pode ser consultada neste link e também ao final do texto. O evento vai até o próximo dia 25, mas a Comissão Jovem prepara, ao longo do ano, uma série de outras atividades culturais (festivais de cinema, teatro, dança, entre outras) para todas as idades – de crianças a idosos.
Um dos integrantes da Comissão Jovem do Comites é Gilles Pires Leão. Em teoria é bisneto de italianos, mas seu interesse e admiração pela cultura dos antepassados o fazem passar facilmente por um jovem italiano. Torcedor fanático da Roma, trabalha com sistemas de informação, mas tem sua grande paixão na organização de eventos da comissão – à qual está ligado desde a sua fundação.
“A Itália não parou no tempo. Com certeza mantemos as tradições antigas, mas também tentamos trazer coisas novas para o jovem que não conhece – por exemplo, cantores italianos da atualidade, filmes novos. Nosso foco é divulgar a Itália para os jovens e trazer coisas novas para conhecimento”, explica Gilles.
Seu trabalho é totalmente voluntário, mas ele mostra que pouco se importa com esse fator. “É uma coisa feita por paixão, por gostar mesmo. Estamos ricos em cultura, fazendo porque gostamos, é um trabalho prazeroso”, conclui.
Dificuldades de integração e regularização
Rita e Gilles não são os únicos que se preocupam com a integração e participação dos novos italianos. Estudante de pós-graduação no Brasil e funcionária do Istituto Europeo di Design, a italiana Francesca Cosentino já está há dois anos no Brasil e tenta convencer seus compatriotas a tomarem parte na sociedade brasileira. Dessa forma, acredita, podem debater e apresentar mais e melhor as pautas da comunidade italiana.
“Eu trabalho para que os jovens italianos que já chegaram e estão chegando ao Brasil façam isso: entrem na sociedade e participem de eventos para contribuir e debater, levantar as pautas, os problemas que enfrentam. A velha comunidade já tem uma união, a comunidade jovem precisa se unificar e se engajar”.
Ao contrário do que se imagina, os italianos e outros imigrantes que chegam fora dos já citados “pacotes fechados” encontram os mesmos obstáculos apontados inúmeras vezes por representantes de outras comunidades no país – falta de regras claras e de informação, prazos extensos demais, burocracia pesada, dificuldade para regularização e renovação de permanência no país, entre outros entraves.
Rita lembra que é bem forte o interesse do italiano em relação ao Brasil, mas que é atrapalhado pela burocracia existente. “Eles [os italianos] encontram muita dificuldade para obter uma permanência no Brasil, a concessão de vistoso por parte do Itamaraty é extremamente complicada. Quem está conseguindo vir para cá são profissionais com um certo perfil e que preenchem uma certa falta no mercado de trabalho. Por esse escritório toda semana passam pessoas que gostariam de ficar no Brasil mas não conseguem por conta da burocracia do visto”.
Já Francesca, que também é secretária do Partido Democrático italiano em São Paulo, acredita que uma melhor articulação política poderia ajudar nessa questão. “Os jovens italianos que estão emigrando têm de enfrentar vários problemas burocráticos para se regularizar no Brasil. Minha pergunta é: onde é o ponto dessa complicação? É aí onde se deve trabalhar – não apenas o Brasil, mas também a Itália. Deveria haver uma revisão dos acordos bilaterais, uma parceria mais forte entre os partidos brasileiros e italianos – tem muitos políticos brasileiros que são ítalo-brasileiros, cidadãos italianos, que deveriam cobrar esses acordos. É até mais fácil para um italiano imigrar para a Argentina do que para o Brasil”, completa.
Links úteis:
Programação da Sexta Semana Jovem de Arte e Cultura Italiana