Alex André Vargem*
“Estamos aqui para clamar por liberdade, justiça e autodeterminação. O governo nigeriano mantém pessoas detidas de forma arbitrária. Nossa solidariedade ultrapassa as fronteiras. Que nós, e sobretudo as futuras gerações, tenham força para lutar contra as injustiças”, declara Andy Okonkwo, representante dos povos de Biafra no Brasil.
Na tarde do dia 9 de julho, feriado no Estado de São Paulo, os povos da Nigéria residentes na capital paulista fizeram um ato pela paz e liberdade, evento global realizado simultaneamente em diversos países. Foram mais de 500 participantes que se reuniram na Praça da República e marcharam pelas ruas do centro da capital paulista, em especial, os povos autodeclarados de Biafra e Oduduwa, ambos situados na Nigéria. O evento foi realizado para prestar solidariedade ao líder Mazi Nnandi Kanu, detido no início do mês de julho deste ano que está sob o poder do governo nigeriano.
Kanu, economista de 54 anos, natural de Abia State, Nigéria, foi exilado na Europa e obteve a naturalização britânica. Ao longo dos anos, faz duras críticas ao governo nigeriano e a violência histórica e sistemática perpetrada contra diversos povos, inclusive, clama há anos pela independência e a autodeterminação dos territórios, ente os quais, o de Biafra. Ele foi detido no Quênia na última semana enquanto fazia uma visita diplomática com representantes daquele país e depois foi enviado à força para a Nigéria. “Em cooperação com o governo queniano, ele foi sequestrado e mandado de volta para a Nigéria. O governo britânico precisa se posicionar sobre isso pois ele possui a cidadania britânica. Onde está o direito internacional de proteção a pessoa humana?”, indaga o ativista Lazarus Chinedu.
Biafra representa um dos problemas advindos da colonização europeia no continente africano, em especial, a britânica. Muito das disputas políticas hoje se deve à colonização e a pós-colonização que resultou na guerra civil da Nigéria, ou também chamada de Guerra Civil de Biafra (1967-1970), conflito que produziu mais de 1 milhão de mortes. Ainda hoje há mortes e violações de direitos humanos, provocando o deslocamento forçado de pessoas da região.
A situação interna da Nigéria passa por momentos turbulentos. Recentemente, entre setembro e novembro de 2020, uma onda de protestos atravessou o país. Ativistas questionaram e pediram a reforma do sistema de segurança nigeriano depois dos massacres conduzidos por forças de segurança que assassinaram cidadãos nigerianos, no caso, pediam a extinção do SARS – Special Anti-Robbery Squad (Esquadrão Especial Anti-Roubo). O movimento teve uma dimensão global, conhecido como #endsars, apoiado inclusive, por diversas personalidades ao redor do mundo.
Denúncias foram feitas dos demais assassinatos e as violências generalizadas em diversas regiões da Nigéria, além de se posicionarem por justiça, com duras críticas à atuação do governo nigeriano liderado pelo presidente Muhammadu Buhari, no poder desde 2015 – ele também ocupou a presidência entre 1983 e 1985, após um golpe militar.
Na época dos protestos do #endsars em 2020, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, condenou a força excessiva e desproporcional das forças nigerianas, além de recomendar um esforço muito mais forte para trazer a polícia e o pessoal do exército, culpados de crimes contra civis, à justiça, no qual destacou o uso excessivo de força, resultando em mortes ilegais com munição real pelas forças armadas nigerianas.
Na marcha da última semana em São Paulo, mulheres e homens de Biafra e Oduduwa caminharam pelas ruas da capital com suas bandeiras, camisetas e faixas clamando por liberdade, justiça, que os direitos nos territórios de origem sejam respeitados. Em grande parte, estavam preocupados com suas famílias e amigos que se encontram na Nigéria. Além de cantos típicos, dialogaram com os brasileiros que transitavam pelas ruas e que se sensibilizavam com a causa e procuravam saber mais da difícil situação enfrentada por eles.
Durante o ato, uma parada foi organizada em frente à sede da Prefeitura de São Paulo, na qual foi lida um manifesto. “Brasil, nos ajude por essa liberdade. Pela liberdade do nosso líder, que está nas mãos do governo nigeriano, queremos sua libertação total e incondicional. Precisamos de um referendo no nosso país para decidir o nosso futuro”, diz um trecho do documento.
No dia anterior ao ato (08/07), a Coordenação de Políticas para Imigrantes e Trabalho Decente da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo recebeu uma delegação de Biafra, momento no qual foi entregue uma carta com os dizeres da atual situação política da região.
“Este momento é para refletirmos sobre o futuro e sensibilizarmos à todas e todos, em especial, os brasileiros do que está acontecendo. Construímos este ato para isso. Agradecemos o apoio das autoridades brasileiras que nos receberam gentilmente, do Coletivo Mungunzá, a toda sociedade brasileira que nos deu a oportunidade de apresentar a nossa história e a grave situação no qual nossas famílias e amigos enfrentam no nosso território de origem”, destaca o ativista Andy Okonkwo.
*Alex André Vargem é sociólogo e Doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp. Há mais de 20 anos atua junto às populações africanas na cidade de São Paulo.
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