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terça-feira, dezembro 24, 2024

Primeira ministra austríaca de origem imigrante chegou ao país como refugiada

Natural de Tuzla (Bósnia Herzegovina), Alma Zadic, 35, também é a mais jovem a assumir o Ministério da Justiça austríaco

Por Mathias Boni

No último dia 7 de janeiro Alma Zadic foi oficializada como a nova ministra da Justiça da Áustria. Como é perceptível, seu sobrenome não lembra os nomes austríacos e alemães tradicionais. E não é à toa.

Alma é natural de Tuzla, na Bósnia-Herzegovina, de onde saiu aos nove anos de idade com a sua família fugindo da guerra no país, buscando refúgio na Áustria.

Além de ter se tornado a mais jovem Ministra da Justiça na história do país, aos 35 anos, Zadic também é a primeira pessoa de origem imigrante a chefiar qualquer ministério no governo austríaco.

Refugiada, advogada, ministra

A jovem Alma deixou a cidade onde nasceu, Tuzla, em 1994, aos nove anos de idade, em função da Guerra da Bósnia, que perdurou entre 1992 e 1995. Ela e sua família buscaram refúgio na Áustria, conseguindo escapar meses antes do Massacre de Tuzla, ocorrido em maio de 1995 – um terrível acontecimento que exemplifica as condições de vida e a falta de segurança naquela época na Bósnia.

Desde a infância na Áustria, Zadic acabou se formando em Direito na Universidade de Viena. Entre 2009 e 2010, fez Mestrado em Columbia, Nova York, retornando posteriormente à Viena. Em 2017, concluiu seu Doutorado, na mesma Universidade a qual cursara sua graduação. A nova ministra, durante sua formação acadêmica, estagiou na OIM (Organização Internacional para as Migrações), em Viena, e no Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia, em Haia (Holanda).

”Eu deixei o meu emprego como advogada para entrar na política porque eu quero mostrar que diversidade e coesão nos fazem mais fortes”, disse ela. Crédito: Alma Zadic/Div. Facebook

Ambos estágios foram muito significativos para, levando-se em consideração tanto a sua trajetória pessoal como imigrante e refugiada, quanto a sua própria origem bósnia, que era uma das repúblicas que formavam a Iugoslávia e que posteriormente sofreria com anos de guerra em seu território.

Entre 2011 a 2017, Alma trabalhou como advogada, principalmente atuando na área dos Direitos Humanos, incluindo em casos de migração. Quando optou por ingressar na política, ela se licenciou da advocacia. Zadic foi eleita pela primeira vez para o Conselho Nacional Austríaco em 2017, pelo pequeno partido Now/List Pils, identificado com a causa ambiental. Ao ganhar sua primeira eleição, Alma se transformou na primeira pessoa de origem imigrante a ser eleita para o parlamento austríaco em todos os tempos. 

“Eu deixei o meu emprego como advogada e decidi entrar na política porque eu queria mostrar que diversidade e coesão nos fazem mais fortes”, anunciou Zadic no site do seu partido após conquistar sua primeira eleição. E acrescentou: ”Quando eu vim à Áustria como uma menina de dez anos com a minha família por causa da Guerra na Bósnia Herzegovina, nós fomos aceitos. Agora, eu estou na política para retribuir à sociedade algo que eu tive – oportunidades.”

Em 2019, ela ingressou no Partido Verde, e, no mesmo ano, foi eleita para um novo mandato no Conselho.

Nova coalizão

O primeiro-ministro austríaco, Sebastian Kurz, foi reeleito em setembro passado para o cargo. Em 2019, a explosão de um escândalo, que ficou conhecido como Ibiza Gate, acabou implodindo o governo anterior, com mandato desde 2017 e formado em coalizão entre o partido de Kurz, o OVP, e o partido de extrema-direita austríaco, o FPO.

De todos os ministros do 2o mandato do primeiro-ministro Sebastian Kurz , oito são mulheres, dentre elas, Zadic.
Crédito: Alma Zadic/Facebook

De volta ao cargo de mandatário principal da Áustria, e com o FPO completamente desgastado, Kurz formou recentemente uma improvável coalização com o Partido Verde liderado por Werner Kogler. Dos 15 ministérios do atual governo, quatro ficaram com os Verdes, incluindo o Ministério da Justiça, assumido por Alma Zadic. De todos os ministros do novo mandato, oito são mulheres, ocupando mais da metade das vagas.

Denis Zvizdic, experiente político bósnio, atualmente é porta-voz do equivalente à Câmara dos Deputados na Bósnia Herzegovina, país natal de Alma. Ele parabenizou em sua conta pessoal no Twitter a sua conterrânea pela sua nomeação oficial como Ministra da Justiça da Áustria.

“Outra jovem bósnia educada, inteligente e de sucesso foi reconhecida em um mundo que aprecia qualidade. Virar Ministra da Justiça com trinta e cinco anos no novo governo austríaco é um grande feito e um grande reconhecimento. Parabéns, Alma Zadic” , escreveu.

Ataques xenófobos

Contudo, nem todos os austríacos compartilham do mesmo entusiasmo. Alma Zadic sofreu, principalmente por redes sociais, inúmeros ataques sexistas e xenófobos desde que seu nome passou a ser especulado para assumir o cargo de Ministra da Justiça. As postagens são majoritariamente oriundas de simpatizantes do FPO, de extrema-direita.

Quando ela foi oficializada no cargo, os ataques se intensificaram, ficando tão exacerbados que Zadic sentiu a necessidade de pedir proteção policial especial, fato que nunca antes havia ocorrido na história da política austríaca.

As ofensas, porém, não ficaram apenas por conta de anônimos. Dominik Nepp, chefe regional do FPO na capital do país, chegou a declarar ironicamente que “finalmente temos uma ministra muçulmana. O resto não importa.”

Alma também já havia sido vítima de ataques xenófobos enquanto era parte do Conselho Nacional Austríaco. O parlamentar Johann Radler, do próprio partido OVP, o mesmo do Primeiro-Ministro Kurz, uma vez interrompeu Zadic durante uma sessão do conselho, gritando: “Nós não estamos na Bósnia aqui!”

Zadic, entretanto, também recebeu um grande número de mensagens a defendendo e apoiando. Sebastian Kurz, o Primeiro-Ministro, escreveu em seu Twitter que “o discurso de ódio online é um fenômeno repugnante do nosso tempo. Não deve existir mais espaço para esse tipo de comportamento. Alma Zadic e todos os outros afetados por esse tipo de manifestação têm meu total apoio.”

A Ministra de Integração da Áustria, Susanne Raab, também fez um post em sua rede social pessoal apoiando Zadic, declarando que o “ódio na internet não deve ter lugar no país.

No seu Twitter pessoal, Alma declarou que ”gostaria de agradecer calorosamente. Essa solidariedade deixa claro que a vasta maioria da nossa sociedade é contra a discriminação e o racismo. Juntos, nós demos um exemplo para uma sociedade convergente e indivisível.”

Imigração no centro do debate

A imigração vem sendo um ponto altamente polêmico na Áustria desde a intensificação da quantidade de refugiados chegando à Europa, a partir de 2015.

A chegada repentina de um grande número de imigrantes ao país fez com que houvesse uma reação inicial conservadora do povo austríaco, o que fez com que o FPO, o Partido da Liberdade da Áustria, de extrema-direita, ascendesse politicamente, se valendo de um forte discurso anti-imigração.

Nas eleições de 2017, o FPO foi o segundo partido mais votado, e, em dezembro, acabou formando a coalizão de governo com os vencedores do OVP, liderados por Kurz. No par de anos que a coalizão ficou no poder, o governo se notabilizou por manter uma política linha dura nas questões migratórias.

Migrantes chegam à ilha de Lesbos, de onde o governo austríaco se recusou aceitar as pessoas resgatadas dos botes.
Foto: ACNUR

Agora, com a nova coalizão formada, principalmente com a presença de Zadic em cargo tão importante, a esperança é que essa abordagem mude. No último dia 8, os congressistas austríacos debateram uma nova lei relacionada à migração, suspendendo as deportações de requerentes de asilo que participavam de programas de jovens aprendizes.

“Esses aprendizes dos quais estamos aqui falando hoje, tinham uma deficiência aos olhos do antigo governo, notadamente, que vieram à Áustria como requerentes de asilo. Mas os aprendizes fazem um ótimo trabalho. Eles estão super integrados, e ajudam a dar suporte à nossa economia interna”, declarou a agora ministra durante as discussões.

O FPO manteve posição contrária, mas a proposição foi aprovada, beneficiando diretamente pelo menos 800 imigrantes.

Ainda, contudo, há muito que evoluir na política migratória austríaca. O próprio Kurz, recentemente, criticou as ONGs que fazem o resgate de migrantes em alto mar, e fechou mais uma vez as portas do país para receber imigrantes atualmente acolhidos nas precárias e superlotadas instalações de Lesbos .

Esse tipo de declaração do maior mandatário do país preocupa, justamente porque o governo federal austríaco já mantinha uma política excessivamente autoritária e nacionalista nesse tema.

Zadic, agora como Ministra da Justiça, terá muito a fazer para implementar um sistema migratório mais justo na Áustria, realçando definitivamente a mudança de direção que o governo federal deve seguir nessa área, em comparação com a praticada pela coalizão anterior.

A própria trajetória de superação pessoal, excelência acadêmica e sucesso profissional de Alma já é um ótimo exemplo de integração a ser ampliado no país.

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