Retirada do projeto da pauta do Legislativo é considerada uma vitória da sociedade civil, que apontou retrocessos nas emendas propostas pelo governo
Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo
O Projeto de Lei 1928/2019, que trazia uma série de emendas que distorciam a Lei de Migração, teve sua tramitação encerrada no Congresso Nacional.
O pedido foi feito pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO), autor do projeto inicial, após uma série de adendos apresentados pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) – a pedido do Ministério da Justiça – para endurecer as regras de entrada de pessoas no país.
O projeto inicial de Gurgacz era bem simples: destinava-se a simplificar a emissão de visto para jovens imigrantes interessados em trabalhar e estudar no Brasil. Já os adendos propostos pelo governo federal incluíam exigências e medidas que vão contra a legislação brasileira vigente – e que ferem a dignidade dos imigrantes, segundo representantes da sociedade civil ligados à temática migratória.
O conjunto de medidas de Bezerra Coelho é considerado um “jabuti” – jargão do Legislativo que é dado a um artigo não relacionado ao ponto central de um texto.
Uma das propostas inseridas pelo governo no PL exigia que transportadoras forneçam informações antecipadas à Polícia Federal sobre passageiros, tripulantes e registros de compras de passagem.
Outra medida previa a possibilidade de a PF pedir ao juiz a prisão ou outra medida cautelar para fins de deportação ou expulsão do imigrante – enquanto a deportação ou expulsão não for efetivada, o suspeito poderá ficar preso por até 60 dias, prazo que pode ser prorrogado por um período não definido.
Como o projeto inicial era considerado de baixa complexidade, sua tramitação também era simplificada sem previsão de votação em plenário. A manobra acabou barrada pela pressão de entidades da sociedade civil, que conseguiram pautar a realização de audiências públicas no Senado para debater o PL – a última delas, ocorrida na terça-feira (1º).
Segundo apuração do MigraMundo, o parlamentar decidiu pedir o fim da tramitação do projeto ao notar que o governo estaria se utilizando dele para impor ações de seu interesse sem o devido debate público.
O fim do projeto é considerado uma vitória da sociedade civil, que assim impede o avanço no Legislativo de uma proposta que colocava em riscos avanços obtidos com a entrada em vigor da Lei de Migração – considerada um avanço social em relação ao antecessor Estatuto do Estrangeiro.
O encerramento da tramitação também representa uma derrota para o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), ele próprio crítico da Lei de Migração – apesar dela ser vendida como um avanço social pelo governo em fóruns internacionais. E também é um revés para o ministro da Justiça, que vê a necessidade de “pequenos ajustes” na legislação migratória para proteção da soberania nacional, combate ao terrorismo e crime organizado.
Audiência pública
Na audiência pública da última terça-feira (1º) na Comissão de Direitos Humanos do Senado, representantes de entidades da sociedade civil envolvidas com a temática migratória expressaram temor quanto a retrocessos no tratamento a imigrantes e refugiados a partir das mudanças propostas pelo governo no PL 1928 – e também pela portaria 666, esta em vigor desde julho.
Os representantes da sociedade civil não negaram a importância de o Brasil não perder de vista sua segurança nacional, mas enfatizaram que isso não pode ocorrer em cima de situações que violem a dignidade humana e que não respeitem os limites da legislação nacional.
“Toda política migratória transita entre dois temas, a segurança nacional e o direito dos imigrantes. Mas esse subsistema, com as emendas apresentadas pelo Ministério da Justiça, carrega demasiadamente no aspecto da segurança nacional, anulando as garantias de direito dos imigrantes, afirmou o defensor público federal Gustavo Zortea durante a audiência.
Já o coordenador de Política Migratória do Ministério da Justiça, Flávio Diniz Oliveira, defendeu as medidas e afirmou que a Portaria 666 trata de situações extremas que não foram regulamentadas pela atual legislação migratória.
“O foco dessa lei é muito específico, em pessoas que recebem esse mesmo tratamento em vários outros países do mundo. O ajuste foi necessário para resgatar, no controle migratório, mecanismos para resguardar o direito dos brasileiros de terem sua segurança preservada”.
A Portaria 666 continua em vigor, mas foi questionada no Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República, que pede sua suspensão. O caso está sob relatoria da ministra Rosa Weber.