Por Larissa Serafim
A primeira edição do Fórum Global sobre Refugiados (GRF, sigla em inglês), organizado pelo ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) e que ocorreu de 16 a 18 de dezembro em Genebra (Suíça), fecha uma década a qual o número de refugiados ultrapassou a marca de 25 milhões.
No entanto, dos cerca de 3.000 participantes do evento, apenas 70 — 2,3% do total — eram refugiados, segundo o portal Devex. Os demais presentes representaram governantes mundiais, instituições governamentais, e integrantes de ONGs e entidades da sociedade civil.
Essa baixa representatividade foi criticada tanto por instituições como pelos próprios refugiados presentes no Fórum.
“Se em uma conferência sobre direitos das mulheres, apenas 2% dos participantes fossem mulheres, nós não acharíamos correto, então não entendo porque pensamos que a participação de 2% de refugiados seria suficiente”, questionou Jessie Thomson, vice-presidente da CARE Canada.
A advogada afegã Najeeba Wazefadost, que vive como refugiada na Austrália, destacou ainda que muito pouco do financiamento prometido no Fórum estava sendo destinado a iniciativas lideradas por refugiados.
“É necessário incluir participação significativa de refugiados. Precisamos incluir pessoas que tenham experiências de vida”, afirmou a advogada ao portal The New Humanitarian.
James Munn, diretor de políticas humanitárias no Norwegian Refugee Council, concorda com a necessidade de maior presença de experiências empíricas e sugere que a tecnologia seria uma possível aliada para colocar a ação em prática, nos próximos encontros.
Compromissos firmados
O propósito do encontro, de acordo com o ACNUR, foi criar mecanismos para a implementação prática do Pacto Mundial sobre Refugiados, firmado em 2018.
O evento também teve como objetivo buscar gerar soluções para aliviar as pressões sobre os países de acolhida, melhorar a autossuficiência dos refugiados, expandir o acesso a soluções de países terceiros, e gerar condições seguras e dignas para retorno aos países de origem.
Foram firmados 770 compromissos durante os três dias de encontro. Dentre eles, 245 foram promessas de cunho financeiro, 395 de suporte técnico e material, 374 de apoio legal e políticas públicas, 94 em políticas de realojamentos e caminhos alternativos e 151 para outras ações.
As medidas tomadas em Genebra incluíram promessas de cerca de US$ 3 bilhões de Estados, US$ 250 milhões advindos do setor privado – com empresas prometendo cerca de 15.000 empregos para refugiados – e vários bilhões de dólares de bancos de desenvolvimento, disseram autoridades.
Os valores são relativamente modestos: os gastos de 2019 pelo ACNUR giraram em torno de US$ 4 bilhões.
As áreas de foco são educação, energia, infraestrutura, empregos, cidadania, desenvolvimento de capacidades de proteção e acordos de compartilhamento de responsabilidades.
Segundo a ACNUR, o apoio para os projetos será provido por governos, sociedade civil, grupos de refugiados, associações esportivas, grupos religiosos. O setor privado teve papel de destaque ao se comprometer a oferecer, ao menos 15 mil empregos, à refugiados.
Indicadores para o rastreamento do progresso foram estabelecidos, e um inventário está programado para ser realizado dois anos após o fórum.
Uma nova edição do evento está programada para o final de 2023.
Mecanismos de acompanhamento?
Além dos indicadores, que outros mecanismos serão usados para acompanhar os progressos das promessas feitas ao longo do Fórum em Genebra? Esse foi outro ponto questionado por integrantes das organizações presentes ao evento.
“A obtenção de sucesso no atingimento dos objetivos apresentados no fórum, será necessário que os governos apresentem políticas de longo prazo e tornem-se mais ágeis em transformar respostas emergenciais em abordagens que permitam que os refugiados gozem de seus direitos civis de forma plena”, argumentou Farida Bena, diretora de policy and advocacy do International Rescue Committee.
Para Thomson, algumas promessas são mais facilmente monitoradas e mensuradas que outras.
“O fórum oferece uma oportunidade de criar apoio para essas iniciativas, compartilhar conhecimentos e abordagens e mobilizar o apoio necessário para ajudar a promover o espírito e as aspirações do Pacto Global sobre Refugiados”.
A Secretária Geral da Comunidade Britânica de Rohingya, Nijam Uddin, destaca que é preciso haver ênfase na resolução das causas das crises que geram refugiados e assegurar condições seguras de retorno aos países de origem.
“Minha esperança é que os líderes mundiais tomem as medidas apropriadas”, resumiu. A etnia Rohingya é alvo de perseguição do governo de Mianmar e tem enfrentado dificuldades em Bangladesh, onde grande parte da população buscou refúgio.
Jogo de empurra
Duas falas de líderes internacionais no Fórum, no entanto, resumem bem os entraves presentes na política internacional quando o assunto é refúgio.
O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o português António Guterres, clamou por respostas mais equitativas às crises que geram refugiados.
“O mundo deve gratidão a todos os países e comunidades acolhedoras de grandes números de refugiados”. E acrescentou que “gratidão não é o bastante”.
Já Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, país que atualmente acolhe o maior número de refugiados no mundo – cerca de 5 milhões – , acredita que países abastados deveriam fazer mais. “Ninguém parece inclinado a nos ajudar”.
Em 2016, a Turquia e a União Europeia firmaram um acordo polêmico, no qual o governo turco se comprometeu a reter refugiados em seu território e impedi-los de seguir para a Europa, em troca de ajuda financeira.
Acordo semelhante foi firmado entre a Itália e a Líbia – o que, no entanto, não impediu que o país seguisse como origem de grande parte dos barcos com imigrantes que atravessam o mar Mediterrâneo em direção à Europa.
Participação do Brasil
O Brasil também contou com uma delegação no Fórum em Genebra, formada por representantes governamentais. Integrantes da sociedade civil e do setor acadêmico também compareceram de forma independente.
Entre os pontos destacados pelo governo brasileiro a Operação Acolhida e a recente decisão do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) de reconhecer mais de 21 mil solicitantes de refúgio venezuelanos como refugiados. Também manteve encontros bilaterais com outros países e empresas.
Entre os 11 compromissos apresentados pela delegação brasileira estão esforços para ampliar a interiorização de refugiados e migrantes venezuelanos e manter a política de acolhimento, assistência e inclusão desta população.
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A matéria omite que este foi o primeiro fórum do tipo que teve participação de pessoas refugiadas, o que, em si, já é um grande avanço. Eu desafio a encontrarem outro evento do mesmo porte e sobre a mesma temática que tenha tido a participação de pessoas refugiadas.
Quanto às contribuições do setor privado e de estados, “valores modestos”? São 250 milhões de dólares só do setor privado, 4 bilhões de dólares do Banco Mundial, sem contar com os compromissos firmados pelos estados presentes. De fato há muito o que fazer, mas não há como negar o sucesso da primeira edição do Fórum Global para Refugiados.