Por Victoria Brotto
De Estrasburgo (França)
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“Por que será que ainda temos que discutir sobre como mudar a percepção das pessoas sobre os migrantes que chegam se hoje as organizações para tratar do sujeito são muito mais desenvolvidas do que há décadas atrás?” A provocação é de Myria Georgiou, professora e diretora do centro de Comunicação e Mídia da London School of Economics, 49ª no ranking mundial de universidades, durante conferência promovida pela Comissão para a Cooperação Internacional e Desenvolvimento da União Europeia.
O evento, ocorrido em Estrasburgo (França), atraiu mais de 500 pessoas, dentre eles a reportagem do MigraMundo e outras equipes jornalísticas, além de agentes humanitários ao redor do mundo.
Ele ocorre em um momento em que o Reino Unido, onde Georgiou leciona, assim como a União Europeia, vê chegar às suas fronteiras um importante fluxo de migrantes, mais recentemente no Canal da Mancha desde o comeco deste ano. O objetivo, da atividade, segundo a Comissão, era de “refletir sobre como desenvolver projetos sobre migração para contrabalancear com as histórias negativas sobre migrantes”.
“Mas por que ainda temos que discutir o mesmo assunto?”, insistiu, retoricamente, Georgiou, que nasceu na Grécia.
Ambiente hostil
Segundo a especialista, depois de analisar 1,2 mil matérias publicadas pela grande mídia europeia em 2015, ano de intenso fluxo migratório em direção ao continente, constatou-se que o ambiente no continente é hostil ao migrante. E não somente à emergência do populismo nas entranhas da Europa, mas também pelo fato de que a grande mídia informa mal sobre a migração – e de que, do outro lado, os tabloides divulgam as “fake news”.
Porém, ao contrário do que se imagina, o estudo aponta que o impacto sobre a opinião negativa dos cidadãos europeus sobre o assunto se deve muito mais à grande mídia, que informa mal, do que ao jornalismo sensacionalista, que divulga notícias falsas ou distorcidas.
Isso porque, segundo Georgiou, a má informação não traz o principal elemento para entender o fenômeno da migração: o fator humano.
“O que identificamos em 74% das histórias é que, quando representados, os migrantes não tinham nome, nem gênero, nem trabalho”, afirma. “O que vemos é uma desumanização do migrante, fica cada vez mais difícil de identificá-los como humanos, então teremos dificuldades de nos solidarizar com eles”, resume a a pesquisadora.
Outro elemento identificado no processo de “informar mal” é a ausência quase total da voz do migrante. “Apenas 15% das 1200 matérias continham falas de migrantes”. A professora acrescenta que não ouvir o migrante ajuda na deslegitimação da sua voz.
Em contrapartida, a pesquisa constatou que a maioria dos jornais ouviam especialistas europeus e autoridades políticas, “pessoas que sabem muito pouco sobre a experiência da migração em si, que nunca viveram o que essa população vive, o que vive um requerente de asilo por exemplo.”
Assim, quando a grande mídia não ouve o migrante ela deixaria de passar para o seu leitor a experiência do migrar, deixando de trazê-la para o que Georgiou chamou de “nível humano da experiência”.
“O que se fala sobre migração é algo muito acadêmico ou politizado, longe do nível da experiência, o que dificulta a solidariedade do leitor com a pessoa migrante.”
Qualidade jornalística deficiente
Outro elemento identificado foi um tratamento recorrente dos migrantes como “vulneráveis”. “Se referir constantemente a eles como vulneráveis, raramente trazendo histórias positivas sobre tal população, passa a mensagem que tais pessoas só são dignas de serem mencionadas porque elas são, de alguma forma, inferiores a nós”, explicou.
Mas, segundo a pesquisadora, a grande mídia não informa mal porque é hostil ao migrante, mas sim porque ela estaria “condicionada a um ambiente digital onde os jornalistas precisam publicar rápido, o que prejudica a qualidade do material.”
O impacto desse material de má qualidade jornalística, desumanizando migrantes, foi classificado de “forte e importante” pela professora. Ela citou dados da fundação francesa para pesquisas Ipsos, mostrando as percepções negativamente infladas da população dos países de acolhimento de migrantes.
Uma das principais constatações da pesquisa foi de que na maioria dos países da América do Sul, as populações achavam que tinha 30% a mais de migrantes em seus territórios do que o que de fato tinha.
Em países europeus como Espanha, Itália, Franca e Alemanha, a população afirmou ter 19%, 18% e 15% (respectivamente) a mais de requerentes de asilo em seus respectivos territórios nacionais do que o que de fato tinha. No Brasil, a sociedade indicava um número 30% maior do que a realidade. Quando questionada sobre a presença de muçulmanos, a população europeia tinha uma opinião inflada em 15%.
Fake news
Apesar de não serem tão influentes quanto a mídia tradicional, segundo a professora, os tabloides sensacionalistas também contribuem para a relativização de assuntos como direitos humanos e justiça social.
“A divulgação frequente de fake news empobrece o debate e assuntos importantes são relativizados, que passam a ser vistos como uma questão de opinião.”
Segundo Georgiou, tal relativização de tudo é visto cada vez mais como algo normal por todos, inclusive pela parte mais moderada da população e por agentes políticos, responsáveis por pensarem políticas públicas e as leis que regem os seus países. Tal processo é o que ela chama de “dinâmicas poderosas da desinformação”, onde há “muitas vozes que competem com a voz do migrante em um assunto que lhe condiz inteiramente”.
Saídas
Além de apontar as falhas na cobertura da mídia sobre migrações, a pesquisadora da LSE também indicou caminhos a serem tomados que podem ajudar a reverter esse quadro. E também para “conscientizar as pessoas sobre o perigo da desinformação”.
- Levar em conta a opinião da pessoa migrante nas reportagens;
- aumentar o diálogo entre poder público e todos os tipos de mídia (tradicional e alternativas);
- compartilhar de maneira simples e didática os dados sobre migração para a população;
- trazer o assunto para o “nível humano, falando para humanos histórias sobre outros humanos”.
“Sabemos que mudar a percepção da população sobre a migração é algo complexo pois é um sujeito delicado, porém é possível se mudarmos a maneira sobre a qual falamos dele, tornar as histórias de migrantes mais humanas e reais, mais próximas do leitor, se ouvirmos os migrantes, se não o tratarmos apenas como pessoas vulneráveis, se desenvolvermos projetos de acesso público a informação relevante e séria, além de criarmos espaços de encontros entre população local e migrantes”, finaliza Georgiou.
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