Por Karina Quintanilha
Blog Somos Migrantes
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A serviço de que e do que se alimentam os muros nos EUA, na Palestina e no Brasil
Em meio a protestos de massa que tem sacudido os Estados Unidos e vários países pelo mundo desde a posse de Donald Trump, o presidente norte-americano anunciou que pretende seguir com seu plano de construir um muro ainda mais extenso do qual já existe para isolar completamente a fronteira entre Estados Unidos e México.
Nas palavras de Trump: – Não é apenas política. O muro é necessário, é bom para o coração da nação. As pessoas querem proteção e o muro protege. Basta perguntar a Israel. Tinham um absoluto desastre do outro lado.
Como amplamente noticiado, destaca-se o fato de que na fronteira EUA-México dados estimam que ao menos 2.400 pessoas morreram ou estão desaparecidas, incluindo crianças, após tentar fazer a travessia em 2016.
Afinal, a quem servem os muros e a política de dividir a sociedade entre muros?
Uma boa reflexão a esses questionamentos pode vir do nosso olhar sobre a história. Após a queda do Muro de Berlim, a maioria dos países capitalistas que criticavam o por eles denominado “Muro da Vergonha” são os que hoje possuem fronteiras ou comunidades separadas pelo mesmo tipo de concreto.
O “medo” e a segurança nacional têm sido os principais álibis e motor da propaganda do Estado para convencer a população da necessidade dos muros. Ao mesmo tempo, enquanto fala-se de muros, o Estado também desvia a atenção dos reais motivos geopolíticos que tem levado milhões de pessoas a se deslocarem entre fronteiras desconhecidas, e sem amparo, em busca de acolhida e trabalho em países completamente distintos de sua cultura original.
Passados 28 anos da queda do Muro de Berlim, o número de muros no mundo para impedir a imigração chega a 70 contabilizando 5,604 mortes nas fronteiras segundo a International Organization of Migration (IOM, OIM em português). Alguns desses muros podem ser visualizados por fotos nesse link. Isso sem contar os muros “invisíveis” – por exemplo quando o Estado escolhe discriminar ou segregar a população por meio de leis ou políticas que restringem o direito humano à livre circulação de pessoas.
O banimento de muçulmanos de sete países (Iraque, Síria, Irã, Sudão, Líbia, Somália e Iêmen) anunciado pelo decreto de Trump na quinta passada, e a reação da sociedade que tem gerado uma crise sem precedentes nos Estados Unidos, mostra o quão concretos podem ser os muros “invisíveis”.
Curiosamente, não por acaso, na semana em que tomou posse na Casa Branca, Trump comparou o muro da fronteira EUA-México ao de Israel com a Palestina.
Dada as peculiaridades e objetivos dos muros atualmente existentes na sociedade, Noam Chomsky – ao se referir à barreira construída por Israel na Cisjordânia (foto abaixo) – afirmou que: “O que o muro realmente faz é tomar terras palestinas”, em seu artigo denominado “Muro, humilhação e roubo”.
O muro que hoje se estende por 730 km, chamado de “cerca de segurança” de Israel, foi objeto de audiências na Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ) e contou com a pressão dos Estados Unidos e governos da União Europeia para que fosse construído. Em 2004, a CIJ emitiu parecer oficial declarando que o Muro é ilegal. No mesmo ano, o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon afirmou que o muro na Cisjordânia violava o direito internacional.
Como os muros da desigualdade que dividem a sociedade e as fronteiras entre os países estão relacionados?
O Brasil que tem a fama de “País da Imigração” tem levantado a cada dia muros mais altos para esconder o abismo das desigualdades, e recentemente tem criado ainda mais barreiras aos migrantes internacionais que buscam reconstruir a vida no “País da Imigração”.
No Rio de Janeiro, durante os preparativos para a Copa do Mundo e Olimpíadas, foi construido muro que separava a favela Vila Autódromo do trajeto por onde passariam os turistas.
No fim de 2016, o recém-eleito Prefeito do Rio, Marcelo Crivella, chegou ao ponto de declarar que “o Rio de Janeiro deveria ser murado como Jerusalém”, como se já não existisse um apartheid velado entre a periferia e o centro do Rio.
A segregação da população que recebe salários mais baixos nas zonas periféricas dos grandes centros urbanos ao mesmo tempo em que inexistem políticas de mobilidade urbana, foi o estopim da chamada Jornadas de Junho que em 2013 levou milhões de pessoas a protestarem por tarifa zero do transporte público.
Talvez, no entanto, a mais recente expressão de muros presente no imaginário brasileiro sejam as masmorras dos presídios. O Brasil, com a 4a maior população carcerária do mundo, enfrenta desde o inicio do ano uma série de massacres de pessoas encarceradas, muitas que estavam presas sem nem sequer ter passado por um juiz ou que já deveriam ter sido postas em liberdade pela lei.
Dada a repercussão nacional e internacional dos massacres que mostrou ao mundo barbaridades que o Ocidente prefere atribuir ao Oriente Médio, o Governo Federal ignorou as propostas da sociedade civil organizada, e dos organismos internacionais de direitos humanos, que vão no sentido do desencarceramento e respondeu, com insistência, na fracassada política de construção de novas unidades muradas.
Especificamente na questão da imigração, desde a posse de Michel Temer, o Governo brasileiro também tem anunciado o fechamento de fronteiras entre alguns países e embaixadas, além de estar sendo frequente relatos de que a Policia Federal tem implementado novas barreiras para dificultar a obtenção de vistos por algumas nacionalidades, a exemplo dos africanos e sírios.
Em novembro de 2016, situação similar às medidas de Trump foi aplicada por Temer no Brasil. Após o governo endurecer as regras para refugiados com residência no país por meio da Nota Informativa 09/2016 da Divisão de Polícia de Imigração, solicitantes de refúgio de Senegal, Gâmbia, Guiné Bissau, Togo, entre outros, relatam que foram impedidos de retornar ao Brasil depois de viajarem aos seus países de origem pelos mais diversos motivos. A questão foi amenizada após pressão que evidenciou a contradição da medida com o discurso de Temer na ONU, no entanto a referida Nota passou a estar vigente agora em janeiro.
Enquanto isso, não há previsão de votação no Senado do projeto de lei que traz uma política mais humanizada sobre as políticas migratórias e deverá substituir o famigerado Estatuto do Estrangeiro que data da ditadura militar brasileira.
Com a atual cifra de 13 milhões de desempregados no Brasil, tudo indica que as oportunidades de trabalho, que há menos de uma década eram favoráveis para os imigrantes de todas as classes sociais, agora enfrentarão um ciclo de escassez que tende a se aprofundar ainda mais com os cortes nos gastos sociais e ataques aos direitos dos trabalhadores que estão em curso.
Sem dúvida que ao escolher essa direção, o governo opta por multiplicar os muros (e os abismos) entre os mais ricos e os mais pobres, com todos os conflitos que daí se originam.
BASTA!
Em todas as partes do mundo, um massivo grito de BASTA, solidariedade e resistência a esses tantos muros que só geram mais violência e dor em toda a sociedade tem furado o cerco da grande mídia e invadido o imaginário de grande parte das novas e velhas gerações que ainda acreditam na humanidade.
Durante a maior manifestação da história dos Estados Unidos que concentrou mais de 3 milhões de pessoas em protesto contra Trump no domingo (22/01), Angela Davis – aclamada pela multidão – encerrou seu discurso contagiante com as palavras:
“A luta para salvar o planeta, interromper as mudanças climáticas, para garantir acesso a água das terras do Standing Rock Sioux, à Flint, Michigan, a Cisjordânia e Gaza. A luta para salvar nossa flora e fauna, para salvar o ar – este é o ponto zero da luta por justiça social. (…)
Os próximos 1459 dias da gestão Trump serão 1459 dias de resistência: Resistência nas ruas, nas escolas, no trabalho, resistência em nossa arte e em nossa música.
Este é só o começo. E termino nas palavras da inimitável Ella Baker: ‘Nós que acreditamos na Liberdade não podemos descansar até que ela seja alcançada!’ Obrigada.”
(Angela Davis, Women’s March. 21.01.2017. Washington/EUA)