Para filósofo político, União Europeia é “responsável em resgatar”, uma vez que migrante não pode pedir asilo em seu país
Por Victória Brotto
De Estrasburgo (França)
Após ficar parado um mês no porto de Marselha, na França, por restrições de governos europeus, o navio Aquarius voltou a fazer resgates de refugiados no mar Mediterrâneo no começo deste mês.
Sobre o impacto no cenário político europeu, o MigraMundo ouviu a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), uma das ONGs que operam o barco, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) e o professor de filosofia política da Universidade de Münster (Alemanha) Matthias Hoesch.
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Para todas os citados, a volta do barco mostra a urgência de um acordo regional europeu de resgate e desembarque no Mediterrâneo, além de enfatizar as responsabilidades da União Europeia de enviar forças de resgate próprias. “Por não disponibilizar meios legais de entrada para os requerentes de asilo, a União Europeia se torna responsável pelo resgate dessas pessoas”, afirmou Hoesch.
Acordo
Sobre um acordo europeu de desembarque e acolhimento dos refugiados, Charlie Yaxley, porta-voz do ACNUR em Genebra, na Suíça, afirmou: “A situação do Aquarius mostra mais uma vez a necessidade de um acordo regional para desembarques e resgates no mar Mediterrâneo”. “Os capitães do navio precisam ter uma diretriz clara de onde eles poderão desembarcar os passageiros com segurança”, acrescentou.
Para a MSF, tal ausência de diretrizes claras causa tensão entre as ONGs e os governos. “A Europa não possui uma política consistente de acolhimento aos resgatados, e a ausência desta diretriz acaba causando tensões todas as vezes em que um caso concreto tem de ser resolvido”, afirmou a MSF.
Na terça-feira passada, duas operações feitas pelo Aquarius resgataram 141 refugiados em mar aberto. Vinte e cinco pessoas foram encontradas em um pequeno barco de madeira em mar aberto e, no final da tarde, mais 116 foram resgatadas.
Acionadas pelas S.O.S Mediterrâneo e MSF sobre onde aportariam, as autoridades europeias só deram uma resposta três dias depois, na sexta-feira. Luxemburgo, Portugal, Espanha, Malta e França os acolheriam.
“A atitude dos cinco países é um bom sinal, mas não podemos ignorar a questão de fundo [a ausência de um acordo sobre desembarque]”, afirmou a MSF, que acrescentou que cada demora em responder, cada omissão dos governos dificultam o trabalho das ONGs de levar os migrantes para um porto seguro.
Depois de passar dias no mar aguardando decisão de onde desembarcar, a MSF afirma que o navio Aquarius tomou medidas de precaução. Por exemplo, uma nova câmara frigorífica foi instalada para armazenas corpos das vítimas de afogamentos. Sem poder desembarcar passageiros, o navio demora mais para voltar ao mar e com isso mais pessoas morrem afogadas.
“O Aquarius aproveitou a pausa anterior para adquirir um bote de resgate de alta velocidade para agilizar suas ações. O navio também possui uma nova câmara frigorífica que pode ser usada para guardar corpos de vítimas de afogamento e aumentou a quantidade de suprimentos que leva para poder enfrentar um período mais longo sem retornar à terra”, explicou a MSF.
Presença no Mediterrâneo
Para o professor Matthias Hoesch, as ONGs humanitárias só estão no Mediterrâneo por que não há nenhum outro ator para resgatar os refugiados. “As ONGs hoje precisam assumir a responsabilidade porque não há forças de resgate suficientes para salvar essas vidas.”
Para Hoesch, é uma tarefa de todo o bloco enviar forças de resgates para o Mediterrâneo – e não apenas dos países costeiros. A Itália, por exemplo, mesmo depois de fechar os seus portos por decisão do seu ministro do Interior Matteo Salvini, continua com operacional de busca e resgate. “Por não disponibilizar meios legais de entrada para os requerentes de asilo, a União Europeia se torna responsável pelo resgate dessas pessoas.”
E acrescentou: “Como não há oportunidades para essas pessoas de entrar na Europa por meios legais, os Estados têm a obrigação de mandar um operacional suficiente de suas próprias forças de resgate.”
Para Hoesch, a União Europeia deveria abrir oportunidades de se pedir asilo em no país de origem. “Com isso, teríamos meios legais de entrada na União Europeia. É somente o fato de que as pessoas não têm como pedir por proteção ainda estando na África, por exemplo, que produz a necessidade de atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa.”
O Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) pediu mais vontade política para resolver uma situação “que não é mais uma situação de crise”. “Com muito menos pessoas chegando do que nos anos anteriores, não existe mais uma situação de crise. Mas mesmo assim a questão não pode ser resolvida se não houver vontade política. Nenhum país pode lidar com isso sozinho”, afirmou Charles Yaxley, porta-voz do ACNUR.(leia aqui matéria do MigraMundo sobre o redução de novos requerentes de asilo na UE).
Gibraltar
Na última semana, o governo de Gibraltar anunciou a retirada de sua bandeira da embarcação Aquarius. Com isso, o país não é mais um dos “países de registro” do barco. Segundo o governo de Gibraltar, o barco operará sob a bandeira da Alemanha, o seu primeiro país de registro. Porém a MSF não confirmou a informação.
Ao MigraMundo, a MSF comentou a decisão, chamando-a de “tentativa de obstruir as ações de resgate”, já que o barco teve que voltar ao porto de Marselha, onde ficou parado um mês, para resolver a transição legal.
Negando ser “jogada política” ou tentativas de obstrução, o governo de Gibraltar afirmou em comunicado à imprensa de que sua decisão era “puramente técnica, baseada nas leis marítimas”. De acordo com o governo, o Aquarius teria descumprido acordos internacionais ao continuar a operar nas águas italianas, mesmo depois da Itália o ter desconsiderado como barco de resgate.
“Apesar de nossas instruções, o Aquarius continuou com as operações. No dia 6 de Agosto, o Governo de Gibraltar anunciou aos donos do barco a retirada de sua bandeira.” E acrescentou: “Nós somos a favor do trabalho das ONGs, mas também somos a favor do cumprimento das leis e acordos”, afirmou o governo de Gibraltar à imprensa.