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terça-feira, dezembro 3, 2024

15ª Marcha dos Imigrantes protesta contra retrocessos recentes e recorda conquistas do passado

Anistia migratória, Acordo do Mercosul e Lei de Migração foram temas anteriores da Marcha dos Imigrantes que depois se tornaram realidade. Outras reivindicações continuam pendentes

Um misto de passado e presente pautou a 15ª Marcha dos Imigrantes, na tarde deste domingo (1.dez) em São Paulo. Ao mesmo tempo que abordou fatos recentes que vem afetando migrantes no Brasil e no exterior, a edição deste ano também teve um momento nostálgico e recordou temas abordados em atos anteriores e que hoje são considerados conquistas concretas.

Para este ano o lema escolhido foi “Não ao retrocesso: Migrar Não é Crime, é um Direito Humano. Igualdade nas Políticas Públicas Já!”, que faz uma alusão à ausência de uma diretriz nacional para o tema, embora esteja prevista na Lei de Migração e tenha sido alvo de diferentes protestos recentes por parte da sociedade civil. A mensagem também traz consigo uma cobrança em relação à Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia), que ocorreu no mês passado em Brasília e tem como objetivo – ao menos na teoria – contribuir justamente com a elaboração dessa política nacional migratória.

Ao mesmo tempo, o lema também se posiciona contra fatos recentes que representam retrocessos em relação à temática migratória, como as restrições as solicitações de refúgio no aeroporto de Guarulhos e a violência policial que vem afetando migrantes na capital paulista que trabalham como ambulantes.

Quem acompanhou a Marcha precisou lidar com um forte calor, acima dos 30 graus na capital paulista. Mesmo em momentos nos quais a manifestação se movia era possível notar participantes que procuravam algum tipo de sombra ou proteção. Outros lançavam mão de guarda-chuva, lenços, bonés ou qualquer outro acessório que ajudasse a lidar melhor com o sol. Além, é claro, de muita hidratação.

Além das manifestações políticas, a Marcha dos Imigrantes teve as atrações culturais de costume, como apresentação de dança chinesa abrindo espaço na avenida Paulista para passagem do ato e grupos folclóricos bolivianos fechando dançando ao final da Marcha. O “esquenta” ficou por conta das Lakitas Sinchi Warmis, composta por mullheres migrantes ou filhas de migrantes. Por fim, o evento terminou ainda com uma apresentação de músicas latinas.

Grupo cultural boliviano em apresentação durante a Marcha dos Imigrantes. (Foto: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo)

Importância da Marcha dos Imigrantes

A Marcha dos Imigrantes é promovida por um conjunto de entidades ligadas à sociedade civil e imigrantes – seja independentes, seja ligados a algum coletivo. Assim como vem ocorrendo desde 2016, o local escolhido foi a avenida Paulista, uma das mais importantes de São Paulo, que aos domingos fica fechada para veículos durante grande parte do dia. O objetivo é justamente aproveitar o público já presente nas inúmeras atividades que ocorrem simultaneamente na via para tentar promover diálogo e conscientização sobre a temática migratória.

Roque Patussi, coordenador do CAMI (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante), uma das entidades que historicamente puxam a Marcha, lembrou que o evento deste ano foi o segundo após a pandemia de Covid-19, que levou a um hiato de três anos seguidos (2020, 2021 e 2022) sem sua realização.

“Estamos resgatando essas pessoas que fora atendidas durante a pandemia para que também venham a lutar pelos seus direitos. A Marcha aqui hoje é uma afirmação de que sobrevivemos à pandemia e temos muito ainda a avançar em políticas públicas”.

“A Marcha vai falar dos direitos dos migrantes, que todos são iguais”, complementou o mediador cultural Saeb Baset, do Afeganistão, que participou do ato pela segunda vez – a estreia foi em 2023.

O sociólogo Alex Vargem, que mantém uma pesquisa muito centrada nas comunidades migrantes africanas, destaca o potencial da Marcha de ser uma forma de mostrar que “as ruas” também

“[A Marcha dos Imigrantes] É um espaço de reivindicação e de denúncia. Essa é uma resposta também a algumas posturas institucionais que tem sido promovidas [pelo Estado brasileiro] e que ferem os direitos humanos”.

Durante as mais de três horas de Marcha dos Imigrantes, todo e qualquer interessado tinha acesso a um microfone aberto, no qual era possível se pronunciar sobre reivindicações, sonhos e preocupações. Uma das pessoas que fez tal uso foi a ativista Mariama Bah. Envolta com a bandeira de Gâmbia, seu país natal, ela foi direta em seu recado.

“O Brasil e o mundo possuem uma dívida com a África. Os africanos continuam a ser uma migração maltratada em qualquer lugar. Mas nossa juventude não vai se calar”.

Para a jornalista venezuelana Yoli Lyon, que também é indígena warao, participar da Marcha foi um honra e uma poderosa demonstração de solidariedade e resistência por parte dos migrantes.

“Durante a Marcha, pude ouvir histórias inspiradoras de luta e esperança, refletindo a realidade de milhões de migrantes e refugiados que buscam uma vida digna e segura”, disse ela, que veio de Belo Horizonte para integrar o ato.

Também residente na capital mineira e conterrâneo de Yoli, o psicólogo José Ocanto – que esteve recentemente na segunda Comigrar – destacou ainda a Marcha como um local tanto de reivindicação das pautas quanto para “recarregar as baterias”, vendo outras pessoas engajadas na temática.

“Acredito que é importante fortalecer essa participação ativa. Além disso, acredito que é um espaço para recarregar forças, em um período marcado pela Comigrar. Permite que a gente se encontre com os pares e mostre que não estamos sozinhos

Entre as nacionalidades migrantes que se fizeram presentes na Marcha podem ser citadas Bolívia, Haiti, Venezuela, Afeganistão, Peru, Chile, Nigéria/Biafra, República Democrática do Congo, Camarões, Síria, Gâmbia e Canadá.

Whipala, bandeira quadriculada e multicolorida, símbolo dos povos andinos, durante a 15ª Marcha dos Imigrantes, em São Paulo. (Foto: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo)

Passado e presente

Em discurso durante a Marcha, o diretor de Relações Institucionais do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante), Paulo Illes, recordou reivindicações que foram tema de Marchas anteriores e que se tornaram realidade mais tarde, como o Acordo de Residência do Mercosul, a anistia migratória e políticas públicas locais para a população migrante.

“Quero dizer para vocês que a luta vale a pena. Essa 15ª Marcha dos Imigrantes acontece em um momento no qual o Brasil já ofereceu muitas políticas públicas interessantes para os migrantes. Mais ainda não temos todos os direitos para viver com dignidade no Brasil, ainda não temos o direito a voto. Por isso marchamos hoje. Vamos em frente, olhando para trás porque tem muita conquista, mas sem perder a perspectiva de futuro, de esperança”.

Veja abaixo os lemas das edições anteriores da Marcha dos Imigrantes:

2007 – “Integração, cidadania universal e direitos humanos”
2008 – “Nossas vozes, nossos direitos por um mundo sem muros, @s imigrantes pedem: ANISTIA JÁ”
2009 – “Por acesso a todos os direitos” 
2010 – “Por um MERCOSUL livre de xenofobia, racismo e toda forma de discriminação”
2011 – “Trabalho decente e Cidadania Universal”
2012 – “Nenhum direito a menos para @s imigrantes”
2013 – “Nova lei de imigração justa e humana para o fim da discriminação”
2014 – “Basta de violência contra @s imigrantes”
2015 – “Fronteiras livres, não a discriminação”
2016 – “Dignidade para os imigrantes no mundo: nenhum direito a menos”
2017 – “Pelo fim da invisibilidade dos imigrantes”
2018 – “Por direitos iguais Não me julgue antes de me conhecer”
2019 – “Para igualdade e dignidade não existem fronteiras: Livres com direitos em qualquer lugar do mundo”
2023 – “Sem direito ao voto e trabalho decente, não há cidadania plena”

Desde 2014, todas as edições da Marcha dos Imigrantes foram acompanhadas in loco pelo MigraMundo. O mesmo ocorreu com o ato deste ano. No entanto, ao contrário do que aconteceu nas Marchas anteriores, não foi anunciada de antemão ainda a data da próxima Marcha dos Imigrantes, em 2025.


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