Já se passaram quatro anos desde a chegada de milhões de refugiados na Alemanha. Como tem sido o papel da escola para a integração?
Por Manuela Marques Tchoe
Em Munique (Alemanha)
A noite de 4 de setembro de 2015 entrou para a História. Foi nesse dia que a chanceler alemã Angela Merkel decidiu receber milhares de refugiados que chegavam à Hungria por razões humanitárias. Mais de dez mil pessoas cruzavam a fronteira por dia. “Wir schaffen das” (nós conseguiremos), assegurou a chanceler Angela Merkel, numa expressão de grande confiança em seus conterrâneos.
Quatro anos depois, o balanço é o seguinte: de fato, a Alemanha experimentou um dos maiores movimentos de imigração do período pós-guerra. No final de 2018, havia um total de pouco menos de 1,7 milhão de pessoas buscando proteção na Alemanha, a maioria vinda da Síria e do Iraque.
São muitos os pilares que ajudam tantas pessoas a se integrarem no país, desde aulas do idioma até cursos profissionalizantes. Mas o pilar principal, e que certamente terá uma fundação enorme para o futuro é a educação primária e ginasial.
A escola na Alemanha
Frequentar a escola na Alemanha é obrigatório; tão obrigatório é, que pais podem pagar multas altíssimas e em último caso serem presos se seus filhos não frequentam a escola. Não há permissão para os pais educarem seus filhos em casa. Um dos motivos para tal é justamente fazer com que todas as crianças tenham acesso à socialização e educação básica, evitando que crianças cresçam sem falar o alemão, conhecer a cultura ou ter socialização desde cedo.
Portanto, quando crianças refugiadas aportaram na Alemanha, obviamente a escola foi o ponto de partida para a integração de tanta gente – dos filhos e dos pais, que também precisavam aprender como o sistema funciona.
Mesmo com essa socialização um tanto forçada, a integração de tantas crianças na escola tem sido geralmente bem sucedida. Mas isso não quer dizer que os desafios tenham desaparecido.
Para crianças pequenas, o problema é menor, pois elas têm mais facilidade para aprender uma nova língua e podem se encaixar melhor na grade nem sempre flexível do currículo alemão. Crianças maiores têm mais dificuldade no aprendizado do idioma e para acompanhar o currículo. Muitas crianças vindas como refugiadas não só tiveram os estudos interrompidos pela guerra, como estavam traumatizadas. Estavam, de repente, num novo ambiente. E quando a euforia da recepção passou, sobrou racismo e preconceito.
Há também a questão dos recursos disponíveis para absorver tantos alunos despreparados e traumatizados. Muito antes da chegada dos refugiados, a Alemanha já lutava contra a falta de professores e educadores em creches, jardins de infância e escolas. A vinda dos refugiados salientou o problema nacionalmente. Como dar apoio a tantas crianças e jovens que precisavam de ajuda individual, sem que os alunos alemães deixassem de ter atenção dos professores? O problema ainda persiste, mas algumas soluções já foram postas em prática.
Tudo começa com o idioma
Em 2015, cerca de 200 mil refugiados em idade escolar chegaram à Alemanha, seguido de 130 mil no ano seguinte. As escolas fizeram muito: mais de 90% dessas crianças em idade escolar já haviam chegado ao sistema educacional local em 2016 – isso é mostrado em uma breve análise do Centro de Pesquisa Migração, Integração e Asilo do BAMF (Secretaria Federal de Migração e Refugiados) de 2019. Dois terços das crianças refugiadas foram ensinadas nas escolas de educação geral, 16% fizeram um treinamento profissional ou estudaram em uma escola profissional.
E isso, apesar da falta de tudo: espaço, professores, materiais. Muito foi compensado com comprometimento, de acordo com o jornal Die Zeit. Gradualmente, muitos estados federais também criaram novos professores para o “alemão como segunda língua” para as crianças imigrantes. Na província de Schleswig-Holstein, por exemplo, seu número quase dobrou em 2017.
E, no entanto, ainda existe uma longa estrada pela frente. Muitas das crianças refugiadas participam primeiro de um pré-estudo, de boas-vindas ou aulas internacionais (são chamadas de forma diferente em cada província), nas quais aprendem alemão antes de começarem as aulas na escola. No começo, havia crianças analfabetas de até 13 anos, o que fazia com esses jovens ficassem em aulas de alemão por bastante tempo. E isso pode ser um problema.
Em algumas províncias, as crianças são imediatamente aceitas nas aulas regulares como esportes, música e inglês, e recebem aulas de alemão como reforço. O importante é que haja o aprofundamento do idioma, sem que isso impeça as crianças de fazerem parte da turma da escola.
Do idioma para a cultura alemã e plena integração
Não só de ensino do idioma se faz um programa de integração. Uma delas é uma distribuição mais direcionada de refugiados nas escolas para garantir uma maior mistura; ou seja, evitar que haja escolas-gueto, frequentadas apenas por refugiados ou migrantes. A socialização de crianças de diferentes origens é importante, não só para combater a xenofobia e racismo nas crianças nativas, como para facilitar a integração de crianças migrantes.
Abordar temas como xenofobia e diferentes culturas também é uma forma de facilitar esse processo. É claro, se educadores ignorarem a questão, o tema é apenas jogado para debaixo do tapete. Tal abordagem ainda está em processo em muitas escolas alemãs, ainda mais com o aumento de casos de bullying – que podem estar relacionados também a aspectos culturais.
Após quatro anos desde a chegada de tantos refugiados, a Alemanha mostra que muitos desafios ainda existem e que, apesar de primeiros resultados promissores, o país precisa investir na educação como a base da integração. O país passa por um momento de falta de mão de obra não só no sistema educacional, um problema de um país cuja população envelheceu e não se renovou.
Mas existe felizmente muita coisa a celebrar – inclusive como as escolas contribuíram para o aumento mais que significativo de refugiados adentrando faculdades técnicas e universidades de 205 em 2015/16 para 3.788 em 2018/19. De fato, em quatro anos muito foi alcançado. Mas é apenas o começo.
Manuela Marques Tchoe é uma escritora baiana que atualmente reside em Munique, Alemanha. Seu primeiro livro, Ventos Nômades, é uma coleção de contos que cruzam continentes e exploram o desejo de viajar e do exótico, os desafios e maravilhas de relacionamentos multi culturais e imigração. Manuela também escreve para o seu blog pessoal Baiana da Baviera e está presente no Facebook, Instagram e Twitter com reflexões sobre a vida de imigrante, viagens e literatura.