Desde 1° de março, todo migrante residente no Brasil tem direito à inclusão de seu nome na fila do SUS (Sistema Único de Saúde) para transplantes de órgãos, tecidos, células ou parte do corpo humano – seja ele residente permanente ou temporáris. A decisão só foi possível graças a uma Ação Civil Pública da Defensoria Pública da União (DPU), julgada pela Justiça Federal do Ceará em 20 de fevereiro passado.
Além da medida tomada, a Justiça Federal determinou que a União deverá pagar uma multa de R$ 10 mil por semana em caso de descumprimento ou demora na inclusão dos migrantes na fila de transplantes. Esse valor, no entanto, pode chegar a R$ 50 mil.
“A decisão é relevante na medida em que reafirma direitos fundamentais, conferindo tratamento igualitário às pessoas que se encontram em território nacional. A atuação da DPU ocorre a partir de sua missão constitucional enquanto promotora de direitos humanos”, disse o defensor público federal Edilson Santana Gonçalves Filho.
Nos últimos dois anos, o SUS já havia negado ao menos quatro pedidos de transplante de órgãos solicitados por migrantes. Um desses casos, que motivou a ação da DPU, foi referente a uma migrante venezuelana que pediu assistência jurídica para realização de um transplante de fígado, que foi negado pelo SUS.
Quando percebeu a recorrência de casos, a defensora regional de direitos humanos no Ceará, Lídia Ribeiro Nóbrega, resolveu acionar a Justiça Federal, em caráter de urgência, por meio de uma Ação Civil Pública no dia 31 de janeiro deste ano.
“Deve prevalecer a ordem constitucional posta, que consagra o direito à saúde como dever do Estado, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-o aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, independentemente do caráter provisório ou permanente desta residência”, argumentou a defensora na ação.
Todos são iguais perante a lei
A DPU utilizou como argumento o artigo 5º da Constituição, uma de suas cláusulas pétras, que prevê que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Entretanto, existia uma norma do artigo 38, do Anexo I, da Portaria de Consolidação nº 4 de 2017, do Ministério da Saúde, onde o Ministério da Saúde havia determinado que apenas os migrantes com residência permanente teriam acesso ao transplante de órgãos.
O juiz Jorge Luís Girão Barreto, da 2ª Vara Federal do Ceará, considerou inconstitucional a normativa do Ministério da Saúde por violar os artigos 5º e 196 da Constituição Federal, enquanto a DPU demonstrou que os imigrantes com residência temporária ou provisória no Brasil também possuem esse direito.
Governo, participação popular e controle social
Nos últimos dois anos, organizações da sociedade civil e associações de migrantes levaram adiante mobilizações com o objetivo de garantir o acesso das populações migrantes ao direito à participação popular na formulação de políticas de saúde e ao controle social na sua implementação, conforme previsto na Constituição Federal e na Lei nº 8.142/90.
Em maio de 2023, por exemplo, ocorreu a primeira Conferência Nacional Livre de Saúde das Populações Migrantes, com o apoio e a organização da Frente Nacional pela Saúde de Migrantes (FENAMI). Mais de 500 pessoas compareceram presencialmente e mais de 300 participaram online, distribuídas em 27 polos presenciais localizados em 19 cidades de 13 diferentes unidades federativas.
O evento debateu e aprovou 24 novas propostas e diretrizes que que foram levadas à etapa geral, realizada dois meses depois, com o intuito de criar uma Política Nacional de Atenção à Saúde das Populações Migrantes. A questão do acesso à saúde por parte da população migrante também é um dos temas que devem ser abordados na Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia (Comigrar), que acontece em junho em Foz do Iguaçu (PR).
Pouco antes, em junho de 2023, foi criado um Grupo de Trabalho no Ministério da Saúde para discutir a implementação de uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Populações Migrantes, Refugiadas e Apátridas, iniciada em 2022 pelo Serviço de Apoio Institucional e Articulação Federativa (SEINSF) no Rio de Janeiro. Inicialmente composto apenas por gestores, o grupo recebeu a participação da sociedade civil após esforços de interlocução.
Com informações da DPU