O ano de 2025 das migrações no Brasil começa com a entrada em vigor de três portarias, publicadas no apagar das luzes de 2024 pelos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores, que atualizam a vigência de visto humanitário para três das nacionalidades contempladas pela medida: afegãos, haitianos e ucranianos. E as novas normativas estendem aos haitianos a mesma condição já exigida dos afegãos, que é a emissão do visto a partir da capacidade de acolhida dos beneficiados por instituições da sociedade civil.
Já para os afegãos, além de reafirmar a acolhida atrelada ao patrocínio de uma ONG ou outra entidade, a nova portaria estabelece que o visto humanitário se aplica a aqueles que tiverem deixado o território do Afeganistão a partir de 15 de agosto de 2021, sem ter fixado residência em um terceiro país.
Para os ucranianos, no entanto, o governo federal não impõe essa condição e permite a solicitação de visto humanitário perante uma das unidades da Polícia Federal, independentemente da condição migratória em que houver ingressado no Brasil.
Os três textos foram publicados na edição do Diário Oficial da União de 30 de dezembro de 2024. As portarias relativas a afegãos e haitianos entraram em vigor a partir de 1º de janeiro de 2025. A dos ucranianos passou a valer já em 27 de dezembro. Os links para cada uma estão disponíveis abaixo:
– Portaria afegãos;
– Portaria haitianos;
– Portaria ucranianos.
Segundo dados do DataMigra, mantido em parceria entre o governo federal e o OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), em 2024 foram emitidos 777 vistos de acolhida humanitária para haitianos e 760 para afegãos, de um total de 1876 solicitações dessa natureza. Já em 2023 foram 10.005, sendo 5.526 para afegãos e 3.714 para haitianos.
Desde 2022, um total de 182 ucranianos receberam visto humanitário do governo brasileiro, sendo que nenhum visto desse tipo foi emitido para nacionais do país europeu em 2024.
Medida questionada
O formato de atrelar a emissão de visto humanitário à capacidade de acolhimento do migrante por uma entidade da sociedade civil é inédito no Brasi. No entanto, ele é motivo de preocupação e dúvidas junto a entidades da sociedade civil e outros envolvidos diretamente na temática migratória.
Quando a medida entrou em vigor em relação aos afegãos, em setembro de 2023, um grupo de 36 entidades, incluindo ONGs de apoio a migrantes, coletivos e universidades, criticou a portaria sobretudo por condicionar a emissão dos vistos humanitários ao patrocínio de uma determinada entidade ao solicitante do documento.
Outra crítica diz respeito ao fato de as ONGs terem de comprovar que irão promover a inclusão econômica e social dos migrantes.
A dúvida sobre esse novo formato se somou ao tempo que o governo levou para avançar com a regulamentação da norma, pois o edital de convocação para entidades interessadas em acolher os afegãos saiu apenas em setembro de 2024, um ano após a publicação da portaria. De acordo com apuração do MigraMundo, quatro instituições se candidataram e enviaram documentação ao Ministério da Justiça, que está avaliando caso a caso e solicitando novas informações quando julga necessário.
Somente após obter essa aprovação junto ao Ministério da Justiça é que a entidade poderá receber o migrante afegão. Ou seja, na prática, a emissão de novos vistos segue paralisada. E o mesmo passa a ocorrer com os haitianos a partir deste ano.
Respondendo a questionamento do MigraMundo, o Ministério da Justiça informou que será lançado um novo edital, específico para o acolhimento de haitianos, mas sem precisar uma data. Por outro lado, entidades que já estão no processo para se habilitarem a receber afegãos também podem se candidatar para o futuro processo voltado aos nacionais do país caribenho.
Críticas
Na avaliação de Paulo Illes, ex-diretor de Política Migratória do Departamento de Migrações (Demig) do Ministério da Justiça, existe um enorme vazio em relação à fiscalização e regulamentação desse processo. E que tal lacuna, associada à incapacidade de atender à demanda por meio de políticas públicas adequadas, transfere uma responsabilidade estatal para a sociedade civil, o que contraria os princípios previstos nas políticas de migração.
“Em essência, esta portaria não resolve o problema de gestão migratória, mas sim cria um terreno fértil para o surgimento de práticas que podem ser interpretadas como uma regulamentação do contrabando de pessoas. É urgente que esta questão seja analisada de forma crítica, com um diálogo ampliado entre o governo e as organizações que atuam diretamente com os direitos dos migrantes. Garantir uma política migratória humanitária e eficiente é essencial para proteger a dignidade e os direitos daqueles que buscam abrigo no Brasil”.
Outro ponto problemático apontado por Illes é que a nova portaria para os haitianos não traz consigo a flexibilização dos requisitos para a reunificação familiar, presente na normativa anterior. “Isso significa que, a partir de 1º de janeiro, os haitianos deverão seguir as regras estabelecidas na Portaria nº 12, de 2018, que já demonstrou ser ineficaz para atender às demandas desse público”.
O que diz o governo
Respondendo a questionamento do MigraMundo, o Ministério da Justiça informou que as novas portarias “aprimoram a política migratória do Brasil para pessoas afetadas pela situação de instabilidade institucional e de grave violação de direitos humanos no Haiti e no Afeganistão ao buscar assegurar estrutura de acolhimento prévia à efetiva chegada ao Brasil”.
“As novas normativas reafirmam o compromisso do Estado brasileiro em promover o acolhimento humanitário dos imigrantes de forma segura, ordenada e regular, em parceria com a sociedade civil, em linha com as mais modernas práticas internacionais propostas pelo Pacto Global de Migrações (“whole of society perspective” ou “enfoque pan-social”)”, completa a pasta, em posicionamento enviado ao MigraMundo.
Sobre os pedidos de visto humanitário já formulados, a pasta disse que eles serão processados de acordo com o previsto nas portarias anteriores. E que seguem sendo analisados e emitidos os vistos com fundamentos diversos, previstos na legislação nacional.
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Feliz Ano Novo para todos e o governo está certíssimo, para acolher o próximo temos que poder ajudar eles , e não deixa eles sofrendo mais que já sofreram no seu país de origem.
Eu acolhi 16 pessoas e glória Deus não faltou nada porque tive a ajuda de amigos e do governo com a bolsa família depois de um tempo, caso contrário as ONGs não me ajudaram em nada