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quinta-feira, novembro 21, 2024

Ato do Conare enfraquece refúgio como proteção, apontam pesquisadores

Decisão do Conare pode parecer positiva em princípio, mas tem implicações perigosas sobre o instituto do refúgio, alertam pesquisadores

Atualizado às 18h48 de 17.fev.2020 com posição do Ministério da Justiça

A decisão do Conare (Comitê Nacional para Refugiados) de cancelar os pedidos de refúgio de solicitantes que já obtiveram residência no Brasil pode parecer positiva em princípio, mas tem implicações perigosas. É o que apontam pesquisadores na área, que alertam ainda para uso político do colegiado quanto à migração.

De acordo com o comitê, a medida visa reduzir o montante de solicitações de refúgio que aguardam parecer. E, com isso, acelerar as respostas aos pedidos que não tivessem “duplicidade” —ou seja, julgar o pedido de alguém que já obteve residência.

Dados de dezembro revelados pelo Conare ao jornal O Globo indicam 170 mil solicitações —o próprio Ministério da Justiça admitiu 161 mil, em seu último relatório oficial sobre refugiados.

Outra medida adotada pelo governo para reduzir o montante foi o reconhecimento em bloco de venezuelanos como refugiados. Foram 21 mil em dezembromais 17 mil em janeiro.

Refúgio enfraquecido

Para Natália Cintra, professora de Direito Internacional na UFRJ e doutoranda na PUC-Rio, a decisão do Conare enfraquece o refúgio como direito.

“Impor a desistência automática do processo de refúgio é uma violação do direito de buscar e receber refúgio. Mesmo que o Conare tenha poder de determinar o processo de refúgio, não pode estabelecer medida que resulta no enfraquecimento de acesso a direito”, escreveu a pesquisadora em thread no Twitter.

A estratégia do Conare para reduzir o montante de solicitações de refúgio aguardando tramitação já havia sido criticada pela pesquisadora em artigo publicado em 2019 no portal The Intercept.

Mais do que regularização migratória

Essa medida também preocupa Patrícia Nabuco Martuscelli, doutora em Ciência Política pela USP. Ela ressalta que o refúgio significa mais do que uma simples regularização migratória.

“Se por um lado essa medida torna o processo burocrático mais eficiente, por outro lado é importante entender que as alternativas de regularização migratória pela Lei de Migração e de refúgio são diferentes. Refúgio é uma proteção internacional, tem o princípio da não devolução. As regularizações migratórias, não. Há o entendimento no Brasil que o refúgio é só uma regularização migratória, mas não é. E essa resolução vem reforçar esse entendimento”.

Com tese focada na reunião familiar de refugiados, Martuscelli aponta ainda que a nova resolução do Conare deve atrapalhar esse procedimento, considerado vital para facilitar a integração do refugiado a uma nova sociedade.

“Na minha pesquisa encontrei casos de sírios, iraquianos, pessoas que teriam todas as condições de serem reconhecidas como refugiadas, mas que depois desistiram do processo e obtiveram regularização migratória sem o refúgio, mas que tiveram problemas depois para obter a reunião familiar”.

Mobilização contra uso político

Em artigo para o portal Nexo, o pesquisador Alexandre Branco Pereira, do LEM (Laboratório de Estudos Migratórios) da UFSCar, apontou que há um claro uso político do governo federal tanto do Conare como da Operação Acolhida —criada para administrar a migração venezuelana em direção ao Brasil.

Segundo ele, a nova resolução do colegiado vai exatamente nessa linha e dialoga com outras ações recentes do governo federal. Entre elas estão a Portaria 666, a saída do Brasil do Pacto Global para a Migração e revogações de status de refugiado determinadas pelo próprio Conare.

“O compromisso de Bolsonaro não é com imigrantes e refugiados, mas exclusivamente com sua claque e a batalha anticomunista que trava, quixotescamente”.

Pereira ressalta que é necessário mobilização dos atores envolvidos na temática migratória contra esse cenário. “É preciso que pesquisadores, instituições e forças políticas envolvidas com a temática do refúgio apontem, questionem e denunciem o uso político que tem sido feito de órgãos como o Conare, e da Operação Acolhida”.

O que diz o Ministério da Justiça

Procurado pelo MigraMundo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública —ao qual o Conare está subordinado— negou que a medida do colegiado restrinja o direito à solicitação de refúgio.

Em nota divulgada pela assessoria de imprensa, a pasta afirmou que “a reforma processual de refúgio atinge apenas casos em que o requerente obtiver autorização de residência após a publicação do normativo”.

Citando o Decreto 9.199/2017, que regulamentou a Lei de Migração, o Ministério afirmou que a norma visa “harmonizar o sistema de refúgio com o sistema migratório”.

“A opção pela autorização de residência é do requerente e, somente caso este opte pela autorização de residência, é que será arquivada a sua solicitação de reconhecimento da condição de refugiado. Caso ele queria prosseguir com sua solicitação de reconhecimento da condição de refugiado – e ele pode optar por prosseguir—, não deve buscar a autorização de residência”, afirmou a pasta.


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