Parte dos cerca de 5 milhões de venezuelanos que já deixaram o país fugindo da crise generalizada recorre às próprias pernas —literalmente— para chegar a um novo destino. Uma jornada que compreende distâncias contabilizadas na casa dos milhares de quilômetros, muitas vezes sob condições climáticas desfavoráveis.
Uma das pessoas a empreender esse tipo de jornada foi a venezuelana Abril Curvelo, 29, que caminhou sozinha até o Brasil em busca de oportunidades. Todo o trajeto desde Caracas, capital da Venezuela, até São Paulo durou nada menos que um ano e meio.
Para uma mulher que cresceu na Venezuela com seus pais e irmãos e desfrutava de uma vida tranquila e confortável antes da crise, sair de casa com uma mochila e a roupa do corpo à procura de novas oportunidades foi o primeiro grande desafio da sua vida.
“Eu era cantora, meus pais me davam tudo, mas não tinha mais expectativas de ser feliz. A crise econômica no meu país está cada dia mais grave e minha orientação sexual nunca foi aceita pela minha família. Por isso, parti em busca de dias melhores”, contou Abril, que é lésbica.
Colômbia, Equador e Peru
Mesmo sem lembrar ao certo a data de saída da Venezuela, Abril lembra que partiu ainda sem ter em mente qual seria o seu destino final. Caminhou de Caracas até Bogotá (capital colombiana), onde permaneceu por algumas semanas.
No caminho, encontrou milhares de venezuelanos na mesmas situação, todos em busca de refúgio.
“Pela primeira vez na minha vida senti o que é passar fome. Dormi muitos dias na rua e presenciei uma cena que nunca esquecerei: dezenas de venezuelanos mortos por conta do frio entre a cidade de Cúcuta e Bucaramanga. Nunca vou esquecer disso”, ressaltou a venezuelana, bastante emocionada ao recordar a passagem.
Apesar das dificuldades, ela encontrou forças no apoio de colegas que encontrava pelo caminho, seguindo assim a pé até o Equador, onde viveu por seis meses trabalhando como cantora.
“O pouco que ganhava consegui alugar um quarto e comprava comida. Mas, não me sentia parte desse lugar, não estava feliz e não conseguia oportunidades melhores. Resolvi deixar o Equador e continuar a minha caminhada”, concluiu Abril.
Da cidade equatoriana Huaquillas (onde viveu) até Lima, capital peruana, foram mais de mil quilômetros e três meses de caminhada. Já cansada e cada dia um pouco mais debilitada, Abril enfrentou dias de dúvidas sobre seu futuro e solidão, mas nunca desistiu do sonho de encontrar um local para viver onde se sentisse acolhida e pudesse recomeçar a vida.
Poucos dias após ser assaltada três vezes, conheceu um senhor brasileiro que vivia em Lima e a ajudou financeiramente. Durante longas conversas, esse homem a aconselhou a seguir rumo ao Brasil.
“Eu o chamo de anjo. Encontrei esse senhor por acaso e foi ele que me convenceu de que o Brasil era o meu lugar, que deveria vir porque brasileiros eram acolhedores e seria o país ideal construir minha vida e ser feliz. Foi nesse dia que decidi seguir rumo ao Brasil. E ele estava totalmente certo”, lembrou a venezuelana.
A chegada ao Brasil
Abril chegou na cidade de Assis (localizada no estado do Acre), na fronteira do Brasil com o Peru, mas devido a Pandemia causada pelo Novo Coronavírus as fronteiras já estavam fechadas. Para conseguir autorização para entrar no Brasil foram três meses dormindo em abrigos e enfrentando longos dias de espera sem saber se conseguiria atingir seu destino final.
Foi em junho deste ano, que finalmente a venezuelana conseguiu entrar no país. Partiu para São Paulo e foi acolhida pela Casa do Migrante, abrigo temporário da Missão Paz (instituição filantrópica que acolhe migrantes e refugiados), onde vive desde agosto. No local, Abril está estudando português, tem acompanhamento médico e psicológico regularmente e está a procura de trabalho.
“Desde o primeiro dia tive uma experiência linda aqui no Brasil. As pessoas são acolhedoras, legais e foi o único país que me senti totalmente acolhida. Quero ficar, arrumar um bom trabalho, alugar uma casa e poder continuar cantando. Não me arrependo de nada. Não sabia que era tão forte assim. Amadureci, passei a valorizar o simples e vou seguir lutando para concretizar todos os meus sonhos”, concluiu a venezuelana.
Na última semana, Abril teve a oportunidade de mostrar um pouco da própria voz em uma participação na Web Rádio Migrantes, cujo estúdio fica na Missão Paz.
Segundo dados do governo federal, o Brasil abriga atualmente 260 mil nacionais do país vizinho, sendo 46 mil deles reconhecidos como refugiados.
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