Por André Gabay Piai
Em repetição ao cenário eleitoral de 2017, os mesmos candidatos à eleição presidencial na França chegaram ao segundo turno em abril deste ano. Entretanto, alguns aspectos deste cenário são bastante diferentes daqueles do pleito anterior. Veremos mais adiante quais as principais propostas de governo de cada um dos candidatos finalistas, dando enfoque às questões migratórias.
Depois de dois turnos disputados de maneira acirrada, às 20 horas (15 horas, no horário de Brasília) do último dia 24 de abril, Emmanuel Macron foi reeleito com 58,6% dos votos para um segundo mandato de 5 anos. Para efeitos de comparação, em 2017, o mesmo candidato havia sido eleito com 66,1% dos votos válidos.
As eleições francesas foram marcadas, dentre outros fatores, por uma forte abstenção (28,2%, número considerado inédito, apesar do voto no país não ser obrigatório), por um considerável aumento dos votos na extrema direita, representada por Marine Le Pen (41,4% dos votos válidos totais e mais de 50% em territórios ultramarinos, os quais haviam votado massivamente no candidato de esquerda Jean-Luc Mélenchon no primeiro turno) e pela inédita reeleição de um candidato desde a adoção do sufrágio universal direto, em 1962.
Eleição com clima de referendo
Esta foi a terceira vez que Marine Le Pen disputou uma eleição presidencial. No último pleito, em 2017, também disputado com Emmanuel Macron, a candidata obteve apenas 33,9% dos votos válidos, pouco mais da metade dos votos obtidos pelo presidente eleito.
Entretanto, o cenário de 2022 não poderia ser mais diferente: o cientista político Miguel Lago afirma que esta foi uma eleição marcada, fundamentalmente, por posições contrárias ou favoráveis às políticas liberais de Macron aplicadas ao longo de seu primeiro mandato.
Portanto, defende o especialista, a disputa entre a tradicional extrema direita e o centro democrático assumiu um papel secundário, o que foi refletido, em parte, nas principais pautas apresentadas pelos presidenciáveis. A diferença de cenários entre as duas eleições é marcada tanto pelas crises às quais Macron foi confrontado durante seu governo (a pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia e, internamente, os coletes amarelos) quanto pela estratégia de Le Pen de se desconectar da imagem extremista de seu partido, que mudou até de nome.
Ao contrário da eleição passada, desta vez, Le Pen focou seu discurso na diminuição da idade legal para aposentadoria (ponto polêmico em relação a Macron, que propunha aumentá-la), no aumento do poder de compra para os franceses e na redução de impostos. A candidata queria “devolver a França aos franceses” e se colocar como “defensora da classe trabalhadora”, francesa, diga-se de passagem.
Somadas a um verdadeiro trabalho de reforma em sua autoimagem, tais propostas foram capazes de cativar certos eleitores, inclusive alguns daqueles que haviam votado na esquerda anteriormente, notadamente em Jean-Luc Mélenchon. Le Pen propôs uma série de medidas populistas com vistas a conquistar o eleitorado que não se via representado pelas medidas de Macron, tidas como impopulares.
Com efeito, a candidata de direita radical evitou seus tradicionais discursos inflamados acerca dos muçulmanos e das questões ligadas às migracões, o que não significa que ela deixou de abordar o assunto, como veremos mais adiante. Diversos especialistas atentam para o fato de que a essência de Marine Le Pen segue a mesma e que o abandono de certos termos e ideias foram meramente estratégicos e milimetricamente calculados. Assim, o programa de governo apresentado segue sendo de extrema direita.
Programa anti-imigrarção
Se Le Pen propôs diversas medidas que agradassem as classes mais desfavorecidas, estas se destinariam, preferencialmente, aos franceses. As partes de seu programa que se destinam a estrangeiros presentes na França são combativas. Com relação às migrações, as medidas continuaram duras e seu programa seguiu com forte viés anti-imigração.
Le Pen tinha, como objetivo global, preservar o povo francês do que ela nomeou “subversão migratória”, embora apenas 10% da população francesa seja composta por imigrantes — e dentro desse número estão aqueles nascidos em outros países da União Europeia. A então candidata pretendia subordinar o direito à estadia de estrangeiros na França à satisfação de interesses da nação, além de proibir qualquer forma de migração que pudesse alterar a identidade da França, em referência ao chamado reagrupamento familiar. Uma pessoa estrangeira em situação regular não poderia beneficiar do direito à vida em família.
Ademais, a representante da extrema direita pretendia tratar as solicitações de refúgio unicamente a partir do exterior, nas embaixadas da França espalhadas pelo mundo. Contrária ao direito europeu, a prática permitiria que refugiados viessem à França apenas após a obtenção do documento que prove esta condição. Segundo sua lógica, a medida reduziria a entrada de clandestinos no país. Quanto aos 500 mil estrangeiros em situação irregular presentes na França, Le Pen pretendia expulsá-los imediatamente.
Ademais, sob o princípio da prioridade aos nacionais, a ex-presidenciável ambicionava reservar auxílios sociais unicamente aos franceses, além de suprimir o direito à estadia de qualquer estrangeiro que não tenha trabalhado no último ano. Um pai ou uma mãe presente há 20 anos na França que decide se dedicar por um ano a seus filhos se tornaria elegível à expulsão com essa medida. Entre outras medidas, destaca-se uma limitação de acesso à nacionalidade francesa, concedida com base em critérios relacionados ao mérito e à uma “boa integração” à sociedade.
As migrações sob Macron
Passemos agora às medidas referentes às migrações do presidente reeleito no último domingo de abril, aquelas que farão, de fato, parte do cotidiano do país nos próximos anos. Com base no balanço de seu governo e em seu programa para os próximos 5 anos, Emmanuel Macron não pode ser exatamente chamado de solidário às questões migratórias.
Se as bases do programa de Le Pen acerca da temática estão na redução dos migrantes e nas expulsões massivas, a base de Macron para a abordagem do assunto reside em estabelecer regularizações seletivas e expulsões pontuais de estrangeiros. Sob seu governo, mais de 3 mil estrangeiros acusados de perturbação à ordem pública foram expulsos desde 2020.
De maneira concreta, o presidente reeleito busca garantir o direito ao refúgio previsto pela Convenção de Genebra (1951) e as migrações voluntárias de estrangeiros qualificados e que podem contribuir para o dinamismo da França. Em seu novo mandato, Macron seguirá lutando contra a imigração irregular, batalha antiga no país. Isto é, o presidente buscará levar a cabo a reforma dos acordos de Schengen, tornando mais difícil a entrada de estrangeiros e de potenciais solicitantes de refúgio no continente europeu.
Assim, reorganizando as questões referentes à concessão de refúgio, Macron pretende decidir muito mais rápido quem é elegível ao asilo político e expulsar mais rapidamente aqueles que não o são. Trata-se de simplificar e de acelerar os procedimentos de solicitação de refúgio, de filtrar aqueles que serão, potencialmente, reconhecidos refugiados e aqueles que serão expulsos por não se encaixarem na categoria prevista pelo direito internacional. Por outro lado, sob seu primeiro mandato, houve um aumento de meios financeiros para a integração de refugiados à sociedade.
Enfim, por mais que Macron não possa ser considerado como um convicto defensor das pautas referentes aos imigrantes, seu programa difere de maneira considerável daquele proposto por sua então oponente nas urnas.
Entretanto, ainda que através de métodos diferentes, ambos apresentam um ponto de convergência: o acesso à nacionalidade francesa será mais difícil e restrito. Entre 2010 e 2020, houve uma baixa de 45% no acesso à cidadania do país. Refletindo sua política seletiva em relação às migrações, Macron naturalizou estrangeiros na linha de frente da crise sanitária. Foram 16 mil cidadanias concedidas àqueles que, de alguma forma, contribuíram para o funcionamento da sociedade francesa.
Finalmente, enquanto Le Pen prometia lançar mão de um programa de bases securitárias e nacionalistas, Macron pretende, agora que reeleito, combater a imigração indocumentada a partir do controle de fronteiras em escala europeia e reforçar um sistema de migrações seletivas que marcou seu primeiro mandato, tornando a França atrativa àqueles estrangeiros altamente qualificados e que contribuem ao funcionamento do país.
Assim, para o presidente, os vistos de residência e um eventual acesso à nacionalidade francesa deverão ser concedidos de maneira criteriosa e estarão condicionados a exames de língua francesa e a uma boa inserção profissional no mercado de trabalho local.