publicidade
sexta-feira, dezembro 20, 2024

Como a proficiência em língua portuguesa virou empecilho para naturalização de migrantes

Muitos deles possuem habilidade para se comunicarem relativamente bem no dia-a-dia, mas não o suficiente para preencherem as demandas da lei, dificultando a inserção na sociedade brasileira

Por Bruna Kadletz e Fernando dos Santos Pedretti

Para pessoas que foram forçadas a abandonarem sua terra-natal, por motivo de guerra, perseguição ou desastre natural e, a buscarem refúgio em terras estranhas, a naturalização é uma segurança necessária no processo de integração social e reconstrução de vidas. Para refugiados e imigrantes, a naturalização é um atestado de pertencimento à nação que os acolheu. Muitos de nós não compreendemos esta realidade, pois temos um país, um lar para retornarmos, seja após uma viagem internacional ou um longo dia de trabalho.

Ademais, para refugiados de guerra, que encontram-se separados de suas famílias, em países terceiros – seja em países europeus, Estados Unidos ou Canadá, obter a naturalização e passaporte brasileiro significa realizar o sonho de rever membros familiares e matar a saudade que a guerra gera ao separar e espalhar famílias em diversos lugares do mundo.

Infelizmente, o passaporte brasileiro para estrangeiros, não é aceito em muitos países europeus, por exemplo, e, sendo assim, não é uma opção viável para aqueles que anseiam por um abraço de seu pai, mãe e irmãos.  

Desta forma, muitos estrangeiros em situação de refúgio ou com visto humanitário no Brasil anseiam pela naturalização brasileira. Mas, o processo é sinuoso e cheio de dificuldades, principalmente no quesito “proficiência em língua portuguesa”.

O artigo 12 da Lei de Migração – Lei n° 13.445/2017 – estabelece quatro tipos de naturalização para estrangeiros: ordinária, extraordinária, especial e provisória. Para os estrangeiros que desejam naturalizar-se, é necessário preencher inúmeros requisitos e apresentar determinados documentos. Na maioria dos casos, refugiados e imigrantes adultos e residentes no Brasil buscam a naturalização por meio do tipo “ordinária”.

Para solicitar a naturalização ordinária, estrangeiros devem preencher as seguintes condições: ter capacidade civil; ter residência em território nacional por no mínimo 4 anos, sendo este prazo reduzido, se o estrangeiro tiver filho brasileiro, cônjuge ou companheiro, dentre outras condições; ter proficiência em língua portuguesa; e não possuir condenação penal.

Para refugiados e imigrantes, contudo, os meios atuais que certificam proficiência em língua portuguesa tornaram-se um empecilho na solicitação da naturalização. Muitos possuem habilidade para se comunicarem relativamente bem no dia-a-dia, mas não o suficiente para preencherem as demandas da lei.

O Artigo 5º, da Portaria Interministerial nº 1, de 3 de outubro de 2018, determina que a capacidade de se comunicar em língua portuguesa se dará por meio da apresentação de um dos seguintes documentos:

I – certificado de:

a) proficiência em língua portuguesa para estrangeiros obtido por meio do Exame Celpe-Bras, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP;

b) conclusão em curso de ensino superior ou pós-graduação, realizado em instituição educacional brasileira, registrada no Ministério da Educação;

c) aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB aplicado pelas unidades seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil;

d) conclusão de curso de idioma português direcionado a imigrantes realizado em instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação; ou

e) aprovação em avaliação da capacidade de comunicação em língua portuguesa aplicado por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação na qual seja oferecido curso de idioma mencionado na alínea “d”;

II – comprovante de:

a) conclusão do ensino fundamental ou médio por meio do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos – ENCCEJA; ou b) matrícula em instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação decorrente de aprovação em vestibular ou de aproveitamento de nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM;

III – nomeação para o cargo de professor, técnico ou cientista decorrente de aprovação em concurso promovido por universidade pública;

IV – histórico ou documento equivalente que comprove conclusão em curso de ensino fundamental, médio ou supletivo, realizado em instituição de ensino brasileira, reconhecido pela Secretaria de Educação competente; ou

V – diploma de curso de Medicina revalidado por Instituição de Ensino Superior Pública após aprovação obtida no Exame Nacional de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira – REVALIDA aplicado pelo INEP.

Hoje, as alternativas mais viáveis e possíveis para refugiados e imigrantes que desejam naturalizar-se são o Exame Celpe-Bras e conclusão de curso de idioma português, itens a e d, respectivamente, no requisito certificado.

O Exame Celpe-Bras, criado em 1998, para acadêmicos estrangeiros que desejam cursar pós-graduação em universidades brasileiras, possui linguagem acadêmica, natureza complexa e não atende às necessidades da população refugiada e imigrante no país.

Em 2018, no posto aplicador do Exame Celpe-Bras na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 84 estrangeiros se inscreveram para o exame. Dos 84 inscritos, 56 realizaram o exame para fins de naturalização e somente três participantes alcançaram o nível mínimo necessário para a certificação, Intermediário. Já em 2019, no mesmo posto aplicador, 97 estrangeiros se inscreveram. Destes, 48 realizaram o Celpe-Bras para fins de naturalização, sendo que 17 obtiveram o nível Intermediário.

A decisão de incluir o Exame Celpe-Bras como um dos documentos para solicitar naturalização é aleatória e inadequada, já que os estrangeiros sem formação superior ou tempo suficiente para se prepararem para o exame não possuem condições de serem certificados. A realidade é que refugiados, candidatos a naturalizarem-se, realizam longas jornadas de trabalho e não possuem condições reais de serem certificados no Exame Celpe-Bras. Ainda assim, o exame é a alternativa mais rápida, dentre as demais.

O item d estabelece “conclusão de curso de idioma português direcionado a imigrantes realizado em instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação”. A descrição, contudo, não determina a carga horária e conteúdo do curso, trazendo incertezas na hora de optar por qual curso se inscrever.

A UFSC, por exemplo, oferece um curso gratuito de idioma português semanal, aos sábados pela manhã, o Português como Língua de Acolhimento (PLAM), não oferece uma certificação, pois o intuito não é o de certificação, mas sim de facilitar a vida de refugiado ou imigrante à realidade brasileira, sendo que participação dos alunos não controlada como em outros cursos da universidade, pois muitos deles não podem se comprometer com o horário do curso, além de não conter nenhum tipo de avaliação durante ou no final do curso.

Já o certificado de conclusão dos cursos oferecidos pelo Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE), organizado pelo Núcleo de Pesquisa em Língua Portuguesa (NUPLE) da UFSC, pago, é ofertado durante a semana, em horário comercial, e com duração de cinco semestres. Mais uma vez, esta condição não contempla a realidade de refugiados e imigrantes que possuem recursos financeiros restritos e que necessitam trabalhar durante o horário comercial para sustentarem a si próprios e/ou suas famílias.

Acreditamos que seja necessário certificar a capacidade em se comunicar em língua portuguesa. Porém, esta comprovação deve compreender a realidade das comunidades refugiadas e imigrantes, adequar-se aos seus cotidianos e encorajá-los a quererem aprender o português não somente para passarem em uma prova que garanta a sua naturalização, mas sim, acima de tudo, para aprenderem a se comunicarem e se integrarem na sociedade brasileira.

Publicidade

Últimas Noticías