Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo
Passar seis anos em três dias para definir novos caminhos? Assim pode ser resumido o que foi a 2ª Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes, que começou na sexta (8) e terminou neste domingo (10) em São Paulo, nas dependências da Faculdade Zumbi dos Palmares.
Os participantes – entre imigrantes, pesquisadores e representantes de diferentes entidades públicas e privadas – tiveram a tarefa de definir quais seriam as propostas a serem priorizadas junto ao poder público municipal dentre as 211 que resultaram das 23 etapas prévias da conferência.
Além das discussões, a conferência contou ainda com uma feira gastronômica, com migrantes oferecendo opções de pratos e petiscos típicos de seus países de origem, além de apresentações de música, poesia e dança.
Espaço de avaliação e de escuta
Participantes ouvidos pelo MigraMundo frisaram os avanços obtidos em relação à temática migratória em São Paulo desde 2013. No entanto, também indicaram entraves – novos e antigos – para serem enfrentados pelo poder público e pela sociedade civil.
No ato da primeira conferência, em 2013, a política municipal migratória ainda engatinhava. De lá para cá a capital paulista ganhou elementos como o CRAI (Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante), as vagas especiais para imigrantes nos Conselhos Participativos das Subprefeituras e do Conselho Municipal de Imigrantes, além da Política Municipal para a População Imigrante – em vigor desde o final de 2016.
“Essa conferência se transformou numa oportunidade de monitorar o que aconteceu e reforçar pontos que não estão sendo aplicados [da política municipal]. Diria que estamos na ótica de aperfeiçoar o que já está ocorrendo”, resume o padre italiano Paolo Parise, um dos diretores da Missão Paz.
Esse mesmo caráter foi reforçado por Paulo Illes, ex-coordenador de políticas para imigrantes da Prefeitura de São Paulo, que participou do evento deste final na condição de observador.
“Essa conferência pode ser um espaço de escuta do migrante e de avaliação das políticas já existentes. Não estamos mais partindo do zero”.
O longo intervalo entre as duas edições da conferência foi apontado por participantes ouvidos pelo MigraMundo como um dos pontos a serem melhorados para os próximos anos.
Participação migrante
Ao contrário de 2013, a presença migrante na condução dos trabalhos foi nítida no evento deste ano, especialmente pelo envolvimento do Conselho Municipal de Imigrantes na organização.
Ao mesmo tempo, diferentemente da edição anterior, não foi notada a presença em peso de uma determinada comunidade imigrante na conferência, tomando parte nos debates.
Um total de 177 delegados [todos imigrantes] realizaram credenciamento na sexta (8) – os demais participantes não imigrantes não tiveram direito a voto.
No domingo, apenas 63 delegados compareceram para a plenária final.
“A participação depende também do quanto as associações [de imigrantes] conseguem mobilizar”, resume Illes.
A advogada boliviana Ruth Camacho também indicou a mobilização dentro da comunidade migrante como um ponto baixo, apesar dos esforços da comissão organizadora. “Creio que ainda falta no equipamento público um setor de comunicação especializado na migração”.
A necessidade de popularizar a conferência junto aos migrantes é apontada também pela argentina Florencia Salmuni, analista de projetos do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante).
“Um grande desafio para a próxima conferência será trabalhar ainda mais na popularização dos espaços de diálogo entre sociedade civil e poder público e sua apropriação por parte da população migrante”.
Direito ao voto
Tema recorrente em espaços de discussão que reúnem migrantes, a questão do direito ao voto voltou a aparecer na conferência.
A Constituição Federal do Brasil não permite que o imigrante vote nas eleições oficiais. Para tal, é necessária a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) pelo Congresso Nacional, mas o cenário político atual é considerado adverso demais para a temática.
Essa distância, contudo, não parece espantar a população migrante – que em São Paulo tem o direito de votar e de ser votada em duas instâncias, ambas consultivas e voluntárias: a cadeira para imigrantes nos Conselhos Participativos Municipais e o Conselho Municipal de Imigrantes – um dos organizadores da conferência.
“Vejo como uma pauta, uma necessidade em comum para migrantes de qualquer nacionalidade”, sintetiza a sul-coreana Yoo Na Kim, que integra o Conselho Municipal de Imigrantes.
Na conferência, uma das propostas priorizadas foi a de que o poder público municipal advogue junto a outras esferas de governo [estadual e federal] em prol da defesa do direito ao voto do imigrante em nível nacional.
Referência a seguir
O fato de São Paulo ser a primeira – e única – cidade a contar com uma política municipal voltada para imigrantes serve de referência para pesquisadores e representantes de coletivos migrantes de outros Estados.
[A conferência] É uma oportunidade incrível de conhecer, debater propostas. Para nós que estamos em Minas Gerais, São Paulo é um modelo a ser seguido, porque não temos legislação municipal ou estadual sobre o tema”, afirma Paula Dornelas, mestranda em Ciência Política na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora de migração e gênero.
Recentemente, um documento elaborado em parceria entre a OIM (Organização Internacional para as Migrações), Prefeitura de São Paulo e a Unidade de Inteligência da revista britânica The Economist apontou a capital paulista como exemplo global de boas práticas de governança migratória.