Sociedade civil e academia têm diante de si a tarefa de ajudar a combater o círculo vicioso que gera mais desinformação e preconceito contra migrantes
Por Rodrigo Veronezi
Em São Paulo (SP)
Além da chegada à Presidência de Jair Bolsonaro, com sua postura hostil às migrações, duas pesquisas divulgadas no mês de dezembro acrescentam novo desafio à temática migratória no Brasil a partir deste ano junto à sociedade.
Uma delas é o resultado de uma pesquisa feita pelo Instituto Datafolha, no último dia 28 de dezembro, que apontou que 2 em cada três brasileiros (67%, mais exatamente) defendem um maior controle de entrada de migrantes no país.
Poucos dias antes, uma outra pesquisa, intitulada “Perigos da Percepção”, realizada anualmente pelo Instituto Ipsos, apontou que a população brasileira superestima em 75 vezes o número de migrantes vivendo no país.
A percepção colhida pela Ipsos é de que os brasileiros acreditam que os migrantes correspondam a 30% da população nacional. Dados da Polícia Federal, no entanto, apontam que eles são apenas 0,4% dos habitantes – a maioria, concentrada em grandes cidades como São Paulo e no Centro-Sul do Brasil.
Essa discrepância entre percepção da realidade e fatos é aprimorada por uma série de estereótipos e teorias conspiratórias que colocam o migrante na posição de inimigo, de problema a ser combatido. Em consequência, viram motor para mais discriminação e xenofobia contra essa população.
Sem surpresas
Os números das duas pesquisas não foram uma surpresa para Paulo Illes, coordenador do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante), uma das instituições que atuam junto a migrantes em São Paulo.
“Pelo contrário, são dados que confirmam aquilo que a gente vinha prevendo, se preocupando e tentando trabalhar de alguma forma junto aos migrantes e à sociedade de acolhida. Há no mundo uma ascensão da extrema-direita, o ódio e a repulsa ao imigrante vem crescendo em nível internacional”.
“Se a percepção não corresponde à realidade também as reações ficam desproporcionadas”, acrescenta o padre Paolo Parise, um dos diretores da Missão Paz, instituição que também atua na acolhida e orientação a migrantes na capital paulista.
Essa percepção exagerada vem junto a um contexto de crise política, econômica e social, e acaba usada como justificativa para atitudes discriminatórias contra migrantes.
“Além disso, nos momentos de crise e de surgimento de políticos com soluções populistas sempre os imigrantes se tornam o bode expiatório e de consequência se tenta frear a entrada”, completa Parise, que também dirige o CEM (Centro de Estudos Migratórios).
Caminhos a seguir
Tanto Illes como Parise concordam que dialogar e levar informação de qualidade nesse contexto vai ser um dos maiores desafios para a sociedade civil ligada às migrações e para os próprios migrantes no Brasil.
“Um dos recados [que as pesquisas dão] é que temos que nos esforçar mais para divulgar informações corretas, dialogando com todo tipo de público. Infelizmente às vezes acabamos falando para “convertidos”, como se costuma dizer”, pondera Parise.
Illes, que foi coordenador de políticas para imigrantes da Prefeitura de São Paulo, vê a conscientização sobre a fenômeno migratório como uma política pública a ser adotada -por exemplo, por meio de campanhas.
“Costumo dizer que nos últimos anos tivemos avanços no ponto de vista da regularização migratória, para políticas de acolhida. E agora precisamos dar esse passo para o combate à xenofobia, para valorizar a cultura do imigrante. Precisamos ainda quebrar com muitos estigmas”.