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quinta-feira, dezembro 12, 2024

Deslocamentos, malária e Covid: líder indígena fala de drama da população sob o governo Bolsonaro no Brasil

Kretã Kaingang, junto com ambientalistas e acadêmicos, falou durante o Congresso Humanitário em Berlim em um painel dedicado aos povos indígenas no Brasil impactados pela pandemia e pela mudança climática

Leia aqui em inglês

Um dos mais renomados congressos do campo humanitário, o Humanitarian Congress Berlin (ocorrido em outubro passado), dedicou um painel no primeiro horário de discussões para os povos indígenas do Brasil.

Durante o painel “Respondendo à mudança climátia e à crise sanitária: uma tempestade perfeita para as comunidades indígenas no Brasil”, o líder indígena Kretã Kaingang falou sobre a morte de 900 índios por Covid-19, além de 38 mil contaminados.

A população indígena no Brasil estimada em 817.963 mil pessoas segundo a FUNAI (Fundação Nacional para o Índio). E de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é composta de 305 etnias indígenas, que falam ao menos 274 línguas.

“Quando um índio morre, principalmente os nossos idosos, que são as nossas bibliotecas,  toda a memória da comunidade morre com ele”, explicou Kaingang querendo mostrar a gravidade de não proteger a população indígena, na qual a história é passada oralmente pelos mais velhos, de uma doença como a Covid-19, que atinge os mais idosos.

Kaingang denunciou o governo de Jair Bolsonaro por estar imóvel sobre o assunto. “Mesmo com a ordem do STF de apresentar um plano de proteção diante da pandemia, o governo brasileiro até agora não se mexeu”, afirmou.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que exigia do governo federal um plano de ação para proteger os povos indígenas do novo coronavírus, que, na época, já tinha entrado em certas comunidades.

Agente do Greenpeace, especialista da Fiocruz, agente da MSF e líder indígena falam sobre impactos do vírus e da mudança climática nos povos da floresta. (Foto: Victoria Brotto/MigraMundo)

Porém, o vírus logo se disseminou entre os índios. Isso porque, de acordo com a especialista em saúde pública e indígena ligada à FioCruz, Ana Lúcia Pontes, também presente no debate,  muitas comunidades na Amazônia e no Pantanal tiveram que se deslocar para fugir das queimadas que atingiram os biomas do Pantanal e o amazônico.

Segundo Festus Yambu, coordenador de projetos na ONG Welthungerhilfe e especialista em migração, conflito e mudança climática Project Coordintaor,  a tendência mundial é o aumento do número de pessoas deslocadas por causa da mudança climática, os chamados ‘novos refugiados’ do século.

Até 2017, segundo o Alto Comissariado da ONU para refugiados (ACNUR) eram 18,8 milhões deles no mundo.  Festus participou do painel seguinte, sobre mudança climática.

Sobre a situação no Brasil, o líder indígena contou que “as comunidades tiveram que sair de suas terras por que o fogo estava muito perto da aldeia ou porque a fumaça estava a intoxicar a todos”. Kaingang disse que as queimadas são “criminosas” e incentivadas pelo atual governo, que queria favorecer o agronegócio e as multinacionais.

“Com as queimadas, abre-se caminho para que os caminhões da JBS [grande grupo frigorífico e pecuário] e dos grandes agricultores de soja passem, escoando assim os seus produtos até os portos”, afirmou ele que fez um pedido ao mundo, principalmente aos países ricos.

“Não é necessário apenas acordos, como o de Paris, mas brecar o consumo; são as empresas internacionais assinam contratos com o governo brasileiro e adentram a Amazônia para exploração.”

Em setembro, no discurso usual do Brasil na abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro afirmou que as queimadas eram pontuais e que eram causadas pelos próprios índios durante seus rituais.  Dados do Instituto de Pesquisas Espacias (Inpe) divulgados pelo MigraMundo na época mostravam que as queimadas eram feitas em larga escala atingindo o maior alto número dos últimos 22 anos.  

Desde a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, ele e a população indígena entram em conflito sobre a proteção do território florestal e do avanço do agronegócio. A rede britânica BBC detalhou o assunto em janeiro deste ano.

Malária

Além do deslocamento forçado, os índios no Brasil também foram afetados pela malária como consequência das queimadas. Segundo Antônio Flores, médico infectologista da ONG Médicos Sem Fronteiras, presente no debate, o fogo e o ar seco atraem o mosquito Anopheles, mais especificamente a fêmea, transmissora da doença.

“Quando chegamos na Amazônia, a situação já tinha se degradado muito”, acrescentou Flores. “Só em Manaus,  os coveiros estavam trabalhando acima da capacidade, assim como os hospitais.” Porém, quando se trata da população indígena, ele afirma que a MSF já previa uma situação extremamente complicada, por causa das queimadas, da negligência do governo e do fato da população estar geograficamente isolada.

“Nós precisávamos de uma resposta rápida do governo facilitando o acesso aos índios, mas não tivemos. O que houve e o que há ainda hoje é um sistema de decisões muito centralizador, o que dificulta uma ação rápida em tempos de crise”, acrescentou.

Responsabilidade mundial

O Kretã Kaingang falou ainda sobre os impactos do desflorestamento, provocado pelas queimadas, na vida dos índios. “Nós somos como os animais: nós fazemos parte da floresta – assim como nossos ancestrais -, e cada canto dela tem um valor não só produtivo para nós, mas medicinal e espiritual”, afirmou. “A nossa medicina depende do tempo da natureza, se você queima , não tem como restaurar, não colocamos os nossos remédios em cápsulas.”

Logo em seguida, o líder afirmou que uma vez que os índios são afetados, o mundo deveria estar alerta porque a floresta está sendo afetada. “Não é só assunto do índio, não afeta somente a nós quando se queima a floresta, é de responsabilidade mundial. O mundo precisa da floresta e o mundo precisa agir para preservar e proteger o território florestal no Brasil.”


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