Em carta, instituições citam que a medida vai “trazer retrocessos na evolução de direitos conquistados arduamente” nos últimos anos
Por Rodrigo Veronezi
Em São Paulo (SP)
Além dos efeitos sobre os brasileiros que vivem no exterior, a saída do Brasil do Pacto Global para as Migração, antecipada na última terça (8) pelo governo de Jair Bolsonaro também preocupa entidades da sociedade civil que atuam junto a migrantes no Brasil.
Parte dessas instituições elaboraram uma carta aberta na qual qualificam a decisão como um grande retrocesso em relação ao histórico humanitário e diplomático recente do Brasil.
“A decisão de se retirar do Pacto Global de Migração não coaduna com o histórico de atuação do Brasil em âmbito internacional. Signatário dos principais acordos e tratados internacionais relacionados à temática migratória e de refúgio, o país também evoluiu nos últimos anos ao garantir direitos fundamentais aos migrantes por meio da Nova Lei de Migração (Lei nº. 13.445/2017). Ressaltamos que o documento não tem caráter vinculante, mas traz, tão somente, princípios para regular a migração global”, diz trecho da carta.
O documento aponta ainda que, a saída do pacto vai trazer “retrocessos na evolução dos direitos tão arduamente conquistados, impactando na vida dos milhares de brasileiros que hoje se encontram fora do país, e também dos imigrantes no geral que encontraram no Brasil, a sua nova casa”.
Outra instituição que manifestou preocupação com a saída do Brasil do acordo para as migrações foi a Missão Paz, referência em acolhimento e orientação a imigrantes em São Paulo.
“Vale a pena ressaltar que o Pacto não suspendia a soberania de cada país, ao contrário, ele deixava espaço para que cada país adotasse sua política migratória”, disse, em nota.
Com a saída do acordo, o Brasil se junta a um grupo de países que vem ganhando notoriedade no cenário internacional pela retórica e práticas cada vez mais duras em relação às migrações, como Estados Unidos, Hungria, Israel, Itália e Polônia.
Para o governo Bolsonaro, o acordo costurado pela ONU é uma violação à soberania nacional. O agora presidente também é crítico conhecido da Lei de Migração e já se referiu aos refugiados como “a escória do mundo”, durante entrevista em 2015.
Costurado ao longo de quase dois anos pelas Nações Unidas, o Pacto Global para a Migração reúne 23 recomendações a serem seguidas pela comunidade internacional para uma migração “ordenada, regular e segura”, procurando assim reduzir as altas cifras de mortes em travessi
Leia abaixo o texto completo da carta
Carta Aberta sobre a Declaração de Saída do Brasil do Pacto Global de Migração da ONU
Nós, organizações da sociedade civil, acadêmicos, coletivos atuantes na questão migratória em diversas regiões do País, manifestamos profunda preocupação com relação à declaração da saída do Brasil do Pacto Global de Migração da ONU.
O conteúdo do acordo visa trazer propostas para garantir migrações ordenadas, controladas e regulares, propiciando um ambiente sustentável para que a migração internacional e seus desafios sejam tratados de forma a fortalecer os direitos dos migrantes nas diversas esferas.
Entendemos que aderir ao Pacto Global de Migração representa reforçar os princípios humanitários migratórios, por meio do intercâmbio de informações e experiências entre os países, a governança das migrações, bem como a integração dos migrantes, garantindo os seus direitos.
Por se tratar de um acordo cujo objetivo é a cooperação, consideramos que participar desse ambiente internacional, significa também, reconhecer toda a luta que vem sendo enfrentada para a consolidação de políticas, estruturas e direitos no âmbito nacional, regional e local.
A decisão de se retirar do Pacto Global de Migração não coaduna com o histórico de atuação do Brasil em âmbito internacional. Signatário dos principais acordos e tratados internacionais relacionados à temática migratória e de refúgio, o país também evoluiu nos últimos anos ao garantir direitos fundamentais aos migrantes por meio da Nova Lei de Migração (Lei nº. 13.445/2017). Ressaltamos que o documento não tem caráter vinculante, mas traz, tão somente, princípios para regular a migração global.
A nossa intenção é que essa evolução seja intensificada, de forma a reconhecer que a migração é fenômeno mundial que tende a aumentar a cada ano, promovendo ações que fortalecem o direito de migrar, já amplamente reconhecido internacionalmente.
A sociedade civil, em suas diversas formações, tem papel essencial na história brasileira para a construção e consolidação dos direitos migratórios e, unida, continua nessa trajetória, buscando sempre garantir que princípios fundamentais a qualquer indivíduo, inclusive o migrante, sejam fortalecidos e respeitados.
Nesse cenário, acreditamos que a decisão de se retirar do Pacto Global de Migração e qualquer outra medida tomada, no sentido de fechar fronteiras e encerrar o diálogo regional e internacional, trarão retrocessos na evolução dos direitos tão arduamente conquistados, impactando na vida dos milhares de brasileiros que hoje se encontram fora do país, e também dos imigrantes no geral que encontraram no Brasil, a sua nova casa.
Entidades que assinam o documento:
BibliASPA – Biblioteca/Centro de Pesquisa América do Sul, Países Árabes e África.
PAL – Presença da América Latina
CAMI – Centro de Apoio e Pastoral do Imigrante
ICUJAL – Instituto de Culturas e Justiça da América Latina e do Caribe
Núcleo de Estudos de Direitos Humanos da Ulbra – Manaus/Universidade Luterana
África do Coração
Munir Cury – Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Adesões ao documento podem ser enviadas para o e-mail [email protected]