Sem o barco da MSF, rota central no Mediterrâneo fica sem operações de busca e resgate de migrantes
Por Victória Brotto
Estrasburgo (França)
A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou nesta quinta-feira (6) o encerramento das atividades do navio Aquarius, utilizado em parceria com a ONG S.O.S Méditerranée para resgatar migrantes no Mar Mediterrâneo.
Em nota à imprensa, a ONG afirmou que o navio enfrenta acusações de atividade criminosas e, por isso, é “forçado a encerrar os seus trabalhos”.
Para a AFP, agência de notícias francesa, o diretor de operações da MSF, Frédéric Penard, informou que a organização já começa a procurar outro navio para voltar ao mar no começo de 2019.
Mas até que isso aconteça, a rota central do Mediterrâneo ficará sem nenhum barco humanitário operando buscas e salvamentos de pessoas.
No início deste ano, o Aquarius ficou dois meses parado no porto de Marselha, no Sul da França, por ter tido a sua licença cassada e voltou a operar em agosto, como foi noticiado pelo MigraMundo. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, a volta pressionou líderes europeus para um acordo de desembarque de migrantes.
O navio Aquarius virou um dos principais ícones da crise política da União Europeia em não saber responder ao fluxo migratório no Mar Mediterrâneo. Sem diretrizes claras para a busca e o salvamento de pessoas que atravessavam dia e noite as águas do mediterrâneo em botes precários vindos, majoritariamente, do Norte da África e Oriente Médio, mais de 1 milhão de migrantes morreram afogados nas rotas mediterrânicas desde 2015.
Em julho, o MigraMundo também noticiou que o Mediterrâneo virou a rota migratória mais mortal para migrantes, de acordo com estudo divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas.
Segundo a MSF, o encerramento das atividades do navio é resultado de “uma campanha sustentada, encabeçada pelo governo italiano e apoiada por outros países europeus, para deslegitimar, difamar e obstruir a ação de organizações de ajuda que prestam assistência a pessoas vulneráveis.”
“Nos últimos 18 meses, os ataques dos países da UE em operações de busca humanitária e resgate foram baseados em táticas usadas em alguns dos países mais repressivos do mundo. Apesar de trabalhar em total conformidade com as autoridades, o Aquarius teve seu registro retirado duas vezes no início deste ano e agora enfrenta alegações de atividade criminosa – alegações que são claramente absurdas. Em meio a essas campanhas de difamação e manobras que contrariam o direito internacional, as pessoas resgatadas no mar não tiveram acesso a portos seguros, tiveram recusada ajuda por parte de outras embarcações e ficaram presas no mar por semanas a fio”, explica a ONG, em nota.
“Este é um dia sombrio”, afirmou Nelke Manders, diretor geral de MSF.“A Europa não apenas falhou em fornecer a capacidade de busca e resgate, mas também sabotou ativamente as tentativas de salvar vidas. O fim do Aquarius significa mais mortes no mar e mais mortes desnecessárias que não serão testemunhadas.”
Para Karline Kleijer, chefe de emergências da MSF, “a Europa está apoiando diretamente os retornos forçados enquanto alega que sua política migratória é um sucesso.” E acrescentou: “Vamos ser claros sobre o que esse sucesso significa: falta de assistência salvadora no mar; crianças, mulheres e homens empurrados para a detenção arbitrária com praticamente nenhuma esperança de fuga; e a criação de um clima que desencoraja todos os navios no mar de cumprir suas obrigações para resgatar aqueles em perigo.”
Ainda na nota divulgada hoje, a ONG chamou as políticas externas da UE de “mal concebidas” e que elas estariam “minando o direito internacional e os princípios humanitários.”
“Sem uma solução imediata para esses ataques, MSF e SOS Méditerranée não têm outra escolha senão encerrar as operações do Aquarius”, concluí a MSF.
De acordo com a ONG, o navio Aquarius, desde que entrou em atividade em fevereiro de 2016, já resgatou 3 mil pessoas em operações de busca e resgates em águas internacionais entre a Líbia, Itália e Malta. A última operação foi no dia 4 de outubro de 2018, quando resgatou 58 pessoas antes de ancorar no porto de Marselha.
Repercussão
O encerramento das atividades do barco humanitário, que virou ícone do resgate de migrantes à beira da morte no Mar Mediterrâneo, foi noticiado pelos jornais do mundo todo. O jornal francês Le Monde publicou em seu portal online: “MSF e S.O.S Mediterrâneo colocam “em pausa” as operações de busca e resgate do Aquarius”.
A rádio France noticiou o fim do trabalho do Aquarius, enfatizando que a MSF quer voltar ao operar no Mediterrâneo no começo de 2019.
A emissora britânica BBC focou nas falas da MSF de que líderes e governos europeus estariam perseguindo a atividade humanitária de buscas e resgates de migrantes.
O jornal norte-americano The New York Times afirmou que o último barco de resgate no Mediterrâneo encerrou suas atividades. O italiano Corriere della Sera enfatizou a quantidade de migrantes já salvos pela embarcação.