Ir ao mercado, pegar um ônibus, fazer um pedido em um restaurante, pedir informação. Todas essas são atividades banais, exercidas pelo ser humano em inúmeras partes do mundo. No entanto, essas tarefas corriqueiras se tornam problemáticas quando não se conhece o idioma de um local. Situação essa que é vivida diariamente por milhares ou mesmo milhões de imigrantes.
E mesmo que por um período curto de tempo (apenas dez dias), pude sentir um pouco na pele algo parecido com o que sofrem tantos imigrantes que chegam com pouco ou quase nenhum conhecimento do idioma do local onde estão vivendo hoje.
Ficar despido de suas habilidades de comunicação é algo que inibe qualquer um e dificulta a interação com o meio, podendo te colocar tanto em situações inusitadas como até mesmo embaraçosas e perigosas. Estar em um país com uma língua estranha para si é algo cada vez mais comum nos tempos de globalização atuais, mas nada que não possa ser pelo menos minimizado com uma dose de sensibilidade e bom senso.
Ficando na pele de um imigrante
Entre final de junho e começo de julho deste ano passei dez dias na Alemanha para participar do Global Media Forum, evento de comunicação promovido anualmente pela Deutsche Welle. Dentro dele, aconteceu o The Bobs, premiação na qual o MigraMundo havia sido contemplado na categoria “Favorito do Público em Português“.
“Agora, como nunca, você vai poder descrever a sensação de estar num lugar onde não se entende nada do que as pessoas dizem, como os haitianos, congoleses, sírios, e muitos outros por aqui”, disse minha amiga e companheira de pautas Gessica Brandino quando contei a ela que estava de partida para a Alemanha. E, claro, ela estava coberta de razão.
Essa viagem foi importante não apenas por conta do prêmio ganho pelo blog em si, mas sobretudo porque me colocou um pouco no papel do imigrante na questão do idioma.
Antes de embarcar, meu conhecimento de alemão se resumia a bom dia (Guten morgen) e obrigado (Danke). E percebi que era ainda menor diante de tantos fonemas que nunca tinha ousado tentar pronunciar na vida. Há termos que em geral são expressos em duas ou três palavras conjuntas no português, mas que são designadas em uma única palavra no alemão.
Entender o em geral eficiente (porém, complexo) sistema de transportes do país também não era tarefa das mais fácies, ainda mais no idioma germânico. Durante uma viagem de trem que fiz entre Bonn e Berlim, sempre que era anunciada alguma mensagem aos passageiros (na maioria das vezes, em alemão) eu me esforçava ao máximo para tentar captar o sentido dela ou tentar entender o significado de uma palavra que fosse. Quando não conseguia, ficava esperando por uma versão em inglês do recado – quando ele vinha, soava quase que como música para os ouvidos.
Tente se imaginar em um país ou região no qual você perde ao menos parte da sua habilidade de comunicação e interação com o meio. É uma sensação quase que instantânea de ter as mãos atadas – ou melhor, de ter sua boca amordaçada. Pois é, muitos imigrantes sentem algo parecido quando ficam com essa capacidade de comunicação limitada – e provavelmente você pode vir a sentir o mesmo, caso se torne imigrante um dia…
O idioma como barreira
Nas grandes cidades é possível se virar bem apenas com o inglês, mas ainda assim as possibilidades de comunicação não ficam livres de certas barreiras impostas pelo jeito diferente de se expressar. Não dava para garantir que o atendente de um estabelecimento ou uma pessoa qualquer soubesse inglês, ou mesmo garantir que um determinado serviço tivesse tradução para o inglês ou outro idioma da União Europeia (UE) – no qual o português está incluso devido à participação de Portugal no bloco.
Mesmo quando conhece o idioma local ainda é possível esbarrar em alguns entraves de comunicação, por conta de certos sotaques e expressões próprias de um lugar. Em português, por exemplo, isso é extremamente comum e enriquecedor para a língua (basta lembrar do sotaque de cariocas, paulistas, gaúchos e dos Estados do Nordeste, só para ficar em casos mais corriqueiros no Brasil). No entanto, não é raro o sotaque de alguém virar motivo de bullying por parte de outro falante da mesma língua, o que constitui em uma tremenda estupidez.
Com o tempo seu ouvido e o cérebro vão se acostumando com os fonemas, expressões mais comuns, com o jeito de se expressar das pessoas locais. Também é possível aprender palavras mais básicas por associação, que vão tornando a relação com o idioma menos árdua: Ausgang (saída), Eingang (entrada), Einschiffung (embarque), Landung (desembarque), entre outras. Uma ida ao supermercado é uma bela forma de aperfeiçoar esse aprendizado, associando palavras e imagens. É um pouco como voltar aos tempos do jardim de infância, do bê-a-bá da cartilha escolar.
Em especial depois dessa experiência, vejo o ato de aprender uma nova língua como um desafio e tipo de recomeço – e todo aquele que se dispõe a encará-lo deve ser tratado com reverência e respeito.
O idioma como ponte
Para tentar quebrar o gelo eu costumava usar alguma expressão em alemão, como Guten Morgen (Bom dia), Guten Tag (que pode significar olá ou boa tarde) ou Bitte (por favor), e em seguida perguntava se eu podia falar em inglês.
Na maioria das vezes essa tática dava certo. Mesmo quando a pessoa sabia de inglês quase o mesmo que eu sabia de alemão, uma dose de esforço de ambos os lados ajudava a quebrar certas barreiras e permitir que um entendesse minimamente o outro. Também contei com a ajuda providencial de amigos que conheci ou passei a ter maior contato na Alemanha, entre eles Karina Gomes, Carlos Albuquerque, Fernanda Del Lama e Lea Ferno, que me ajudaram a deixar meu ainda pobre alemão um pouco melhor do que quando cheguei ao país.
Experiências assim reforçaram para mim uma conclusão que qualquer um de nós pode aplicar à vida cotidiana e no tratamento com alguém que não saiba o português ou qualquer outro idioma local: ter paciência com outro e boa vontade para entendê-lo e se fazer entendido. Juntos, esses dois elementos são capazes de derrubar certas barreiras existentes entre dois idiomas distintos, ou mesmo entre sotaques e gírias particulares desta ou daquela região.
Derrubando, contornando ou ao menos minimizando tais entraves, o idioma pode voltar a ter sua função primordial, que é de permitir a comunicação – e portanto, de ajudar a estabelecer pontes entre as pessoas.
[…] da participação no Global Media Forum, do prêmio no The Bobs e da relação com o idioma alemão, a curta passagem que tive pela Alemanha rendeu uma experiência inusitada, mas ao mesmo tempo […]