Mais uma vez a situação dos imigrantes que chegam ao Brasil por meio do Acre – em especial dos haitianos, após um périplo pelas Américas Central e do Sul – chega às manchetes dos veículos de comunicação do país. Os comentários nas redes sociais e as declarações de autoridades públicas ou moradores locais oscilam entre o alarmante e o alarmismo, dependendo do veículo e da fonte citada ou ouvida.
Para começar, gostando ou não de imigrantes, o tema chegou para ficar no Brasil. Governo e sociedade ainda estão “crus” em relação ao assunto, mas é melhor ambos se habituarem à nova situação. Além de ponto de origem, o país também é cada vez mais opção para cidadãos de países vizinhos e de outros continentes.
Poucos se lembram, mas não é de hoje que o Acre – comprado da Bolívia em 1903 e que alguns ainda insistem em acreditar que ele “não existe” – recebe estrangeiros via Bolívia ou Peru. A história se desenrola desde o início de 2010. Em janeiro daquele ano, um terremoto colocou de joelhos a nação já combalida por outros desastres naturais e pelo caos político e social. Com um contexto como esse, não é à toa que haitianos deixem a terra natal na esperança de algo melhor em outro país.
Já o Brasil, que tem presença destacada no Haiti por liderar a Minustah, força de paz da ONU criada para estabilizar o país, é uma espécie de referência por lá. Histórias de haitianos que chegaram ao país e conseguiram trabalho, seja em São Paulo, Rondônia, Acre ou Rio de Janeiro, se tornam inspiração para outros arriscarem o pouco que possuem de recursos na jornada para o Brasil. Entre perambular sem emprego pelo país destruído e tentar a sorte em uma terra estranha, muitos preferem a segunda opção – mesmo que isso signifique confiar no trabalho dos coiotes, uma modalidade moderna de tráfico humano.
Ao chegarem, a situação não difere muito do país de origem. No abrigo de Brasileia, onde chegam dezenas de imigrantes diariamente, estão nada menos que 1.300 estrangeiros dividindo um espaço no qual deveria haver apenas 200. Por outro lado, ainda existe a desconfiança que parte da população local começa a nutrir em relação aos que chegam de fora.
Além dos haitianos, pessoas de outros países do Caribe, África e Ásia também têm utilizado a mesma rota, via Bolívia e Peru, para ingressar no território brasileiro. O Estado do Amazonas, em menor escala, é outro a servir de porta de entrada para imigrantes.
O governo brasileiro, para variar, age apenas quando a situação chega aos jornais. Foi assim no final de 2011, quando o assunto explodiu pela primeira vez. E de tempos em tempos a situação se repete e agora volta ao noticiário. Agilizar a concessão de vistos é uma medida emergencial, mas a questão pede respostas mais complexas, tanto no âmbito local das cidades acreanas como em alianças com países vizinhos para combater a ação dos coiotes que lucram em cima do imigrante.
Como desde 2010 pouco foi feito para dar uma solução à questão, tudo indica que a rota deve se consolidar e novos relatos de imigrantes em condições precárias continuarão a aparecer. A situação desses imigrantes, documentados ou não, aliada ao jogo de empurra entre os governos federal e estadual, formam a parte alarmante da questão; já a hipótese de que imigrantes “roubam os empregos e a escola dos filhos”, “sufocam os serviços públicos” e “ensinam vodu às criancinhas” não passa de alarmismo.
Por último, não podemos esquecer que o Brasil é um país no qual a imigração teve – e continua tendo – um peso importante na sua formação. Para tirar a dúvida, basta dar uma olhada nos nomes de ruas, cidades, praças… e até mesmo no seu nome e sobrenome.