O italiano Simone Andreotti, 42, vice-presidente da Casa Benvenuto, ONG que acolhe migrantes na Itália, falou com exclusividade ao MigraMundo
Por Victória Brotto
De Verona (Itália)
O medo em relação ao migrante, na Europa, não tem uma base racional. É o que diz o especialista em migrações Simone Andreotti, 42 anos, ao MigraMundo. Para ele, existe sim uma crise, mas não é “da pessoa que chega, mas sim da Itália, que não tem a capacidade de acolher”. Andreotti foi um dos responsáveis pelo campo de refugiados do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) na Albânia, em 1999, durante a guerra do Kosovo, e hoje é vice-presidente da ONG Casa Benvenuto, que acolhe e integra migrantes em Roma, na Itália.
“A diferença entre a situação na Albânia e a de hoje na África é que a guerra lá teve um começo e um fim, a de hoje na África não tem. Por isso, não existe um caminho de volta para casa para os africanos que fogem de lá.” Entre 2014/2016, de acordo com dados da instituição, foram 91 pessoas acolhidas, 36 delas requerentes de asilo, 14 com proteção internacional, 20 sob proteção humanitária, 2 sob proteção subsidiária e 18 aguardando recurso.
Paquistão (28), Senegal (9), Egito, Bangladesh, Mali e Palestina (5 cada um) são a maioria das nacionalidades que chegam na ONG de Andreotti. Gâmbia, República Democrática do Congo seguem na lista, com 4 pessoas, Somália (3) e Nigéria (2). [Semana passada, o MigraMundo contou a história de um deles, o escultor nigeriano Abeedeen Fasasi – veja aqui].
Andreotti informou ainda que 20% dos migrantes na Casa Benvenuto estavam em condições psicológicas e sanitárias frágeis. A ONG, hoje financiada pelo Ministério do Interior italiano e integrante do Sistema de Proteção ao Requerente de Asilo e Refugiado, oferece apoio psicológico, aulas de italiano, suporte legal e integração social. De acordo com dados da ONG, as pessoas acolhidas permanecem em média 9 meses até conseguirem se estabilizar. Dos 68 que já deixaram a Casa Benvenuto, 47 “trabalham de modo estável”.
Leia abaixo a entrevista exclusiva que o vice-presidente da Casa Benvenuto deu ao MigraMundo. Nela, ele fala também do “silêncio” do italiano frente a um sistema de bem-estar que não funciona, da “ineficácia da Itália em acolher e integrar” o migrante e também do medo irracional que a política, na Europa, anda criando para conseguir votos. “Existe sim uma crise, mas ela não é migratória, ela é uma crise da Europa em acolher os migrantes”.
MigraMundo – A Itália tem crescido em número de migrantes nos últimos anos. O senhor acha que o país tem dado uma boa resposta a essas pessoas?
Simone Andreotti – A Itália vive um grande atraso em matéria de sistema de acolhimento eficaz e de qualidade, que não se restrinja somente à emergência. Muito já foi feito nos últimos anos, mas ainda não é o bastante.
Muitos políticos e especialistas chamam o movimento migratório atual para a Europa de “crise”. O senhor também o chamaria ‘de crise migratória’? Por quê?
A crise existe, mas não é da pessoa que chega, mas sim da Itália, que não tem a capacidade de acolher nem de criar um “welfare” [sistema de bem-estar] para todos. A crise existe por causa de um problema italiano e não porque a pessoa chegou à Itália fugida da guerra. “O ‘welfare’ não funciona para o italiano e, então, não pode funcionar para os refugiados” [pensam os italianos]. Mas ao invés de entenderem que os migrantes são uma oportunidade para fazer este “welfare” funcionar, colocam-se muros frente a um “welfare” que não existe para ninguém.
De acordo com o último balanço do ACNUR, o número de pessoas portas no Mediterrâneo aumentam na casa dos mil por ano. O que, para o senhor, a Itália e a Europa, no geral, poderiam fazer para evitar mais mortes?
A única solução é abrir uma via legal para que os requerentes de asilo, que saem dos ‘países de trânsito’ [países de onde eles embarcaram para a Europa, normalmente Líbia, Síria etc], cheguem à Europa – e assim não teríamos mais os contrabandistas [os chamados ‘coiotes’]. Os requerentes de asilo deveriam ser acolhidos nas embaixadas europeias dos países de trânsito. Lá então deveriam receber uma permissão para embarcar, legalmente e em segurança, para a Europa.
O senhor acredita que os corredores humanitários podem ser uma solução permanente para a Europa?
Absolutamente sim, se for estendido a todos os requerentes de asilo e não somente a algumas nacionalidades. [Hoje, a lei europeia só permite que afegãos, sírios e líbios obtenham o visto antes da partida – o que é chamado de ‘corredor humanitário].
Leia aqui reportagem do MigraMundo sobre corredores humanitários
O suporte e a vontade política em relação ao migrante irão diminuir na Itália com as eleições gerais se aproximando?
Acredito que o problema principal é o baixo nível da política. Ela não consegue ter uma visão a longo prazo sobre a migração, sempre responde de forma ineficaz, incompleta, girando sempre em torno da questão mas não criando um verdadeiro sistema estável de acolhimento e integração. Trata-se, enfim, de uma visão limitada da política como um todo.
No Reino Unido, nós tivemos o Brexit baseado também em questões de migração. Nos EUA, Trump ganhou as eleições com um discurso contra o estrangeiro. Na França, nós tivemos a ultranacionalista Le Pen no 2º turno das eleições. Por que o senhor acha que a Europa mudou tão profundamente sua visão do migrante?
Pelas razões principalmente midiáticas e eleitorais. Para conseguir o voto das pessoas, joga-se com o medo, um medo que não tem base racional. E ao mesmo tempo, por não haver capacidade de criar um sistema de acolhimento e integração e que seja de qualidade, o acolhimento dos migrantes é visto como um problema para a sociedade e para a política. Ao invés de resolver a situação, criam-se slogans impraticáveis e completamente fora de contexto.
A situação dos africanos migrantes são piores ou melhores do que a que você viu na Albânia, em 1999, quando trabalhou no campo de Karavastas?
A crise na Albânia teve um início e um fim, pois estava ligada a uma guerra específica [A Guerra do Kosovo fez com que milhões de pessoas migrassem em massa para a Albânia e regiões vizinhas]. Mas a situação na África é sem fim e, por isso, sem retorno para casa para aqueles que conseguiram fugir de lá.
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