O governo federal publicou na edição desta quinta-feira (27) do Diário Oficial da União a nova portaria interministerial que prorroga por mais 30 dias as restrições à entrada de pessoas de outros países no Brasil no contexto da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). E a despeito de protestos seguidos da sociedade civil e de decisões contestatórias da Justiça, estão mantidas medidas consideradas discriminatórias contra venezuelanos e pessoas em situação de refúgio.
A nova portaria, que vigora até o final de setembro, é assinada em conjunto pelos ministérios da Casa Civil, Justiça, Infraestrutura e Saúde. Ela abrange pessoas de qualquer nacionalidade, seja no ingresso por meio terrestre ou aquaviário.
As exceções quanto à entrada no Brasil ficam por conta de nacionais de outros países que venham realizar atividades artísticas, desportivas ou de negócios, desde que em viagens de curta duração e sem a intenção de estabelecer residência no país.
A restrição ao ingresso no Brasil também não se aplica aos imigrantes com residência no país por tempo determinado e visto temporário, que venham para a realização das seguintes atividades: pesquisa, ensino ou extensão acadêmica, estudo, trabalho, realização de investimento, reunião familiar ou atividades artísticas ou desportivas.
A portaria determina ainda que o descumprimento das medidas implicará responsabilização civil, administrativa e penal, repatriação ou deportação imediata e inabilitação de pedido de refúgio.
Medidas discriminatórias
A exemplo das portarias anteriores, editadas desde março, o novo texto mantém ressalvas adicionais a cidadãos de nacionalidade venezuelana. Ela prevê, por exemplo, que venezuelanos que estejam fora do Brasil, mesmo com visto de residência no país, não possam entrar em território brasileiro.
A Venezuela foi alvo da primeira medida de restrição migratória, ainda em 17 de março, estendida dois dias depois a outros países vizinhos.
A portaria também não faz menção a situações de pessoas em situação de refúgio ou que caibam no chamado visto humanitário, previsto na Lei de Migração vigente no país.
Tais elementos violam tanto as leis migratórias e de refúgio vigentes no Brasil quanto acordos internacionais firmados pelo país. E tem sido usadas como base para ações judiciais que questionam a aplicação dessa portaria sobre pessoas migrantes em situação de vulnerabilidade social.
“O governo insiste em contrariar a Lei de Migração, os compromissos internacionais e a própria Justiça, negando acolhida àqueles que fogem de conflitos”, resume Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, por meio de nota.
Abertura por via aérea
No entanto, a portaria atual manteve a abertura à entrada de pessoas de outros países no Brasil por via aérea, que figurou na edição anterior. De acordo com o governo federal, a justificativa para essa liberação é o incentivo ao turismo.
Para ingressar no Brasil, o turista vindo de outro país terá de apresentar à companhia aérea, antes do embarque, comprovante de aquisição do seguro-saúde. O documento deve ser válido no Brasil e ter duração para toda a estadia prevista. Caso contrário, a entrada em território nacional poderá ser proibida.
O incentivo do governo ao turismo internacional chega mesmo diante do fato de o Brasil ser o segundo país no mundo mais afetado pela pandemia. Já são 3,7 milhões de casos confirmados e cerca de 118,6 mil mortes, segundo o Ministério da Saúde.
Casos no Acre
Segundo instituições ligadas à temática migratória, os casos ocorridos nas últimas semanas envolvendo imigrantes na região de fronteira no Estado do Acre exemplificam as ilegalidades representadas pela portaria do governo.
Ao cruzarem a fronteira, os imigrantes são detidos e deportados pela Polícia Federal para o país vizinho. No entanto, também são impedidos de ingressar em território peruano, que também conta com seus acessos fechados.
Em razão disso, os imigrantes acabam restritos a uma ponte sobre o rio Acre que, marca a fronteira entre os dois países. Nesse confinamento a céu aberto, os imigrantes — incluindo crianças e adolescentes — dependem da ajuda enviada por entidades assistenciais enquanto aguardam uma solução para o caso.
Essa situação foi descrita como “kafkiana” por uma Ação Civil Pública protocolada e assinada em conjunto pela Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF), Conectas Direitos Humanos e Caritas Arquidiocesana de São Paulo.
“Uma situação kafkiana e desesperadora de deslocalização, verdadeiro estado de exceção individual contra um grupo de pessoas extremamente vulneráveis a quem o Brasil nega tratamento digno e humanitário que assumiu quando da assinatura de tratados internacionais de direitos humanos e promulgação das Leis de Migração e Refúgio”.
Essa ACP foi acolhida pelo juiz Jair Araújo Facundes, da 3ª Vara Federal do Acre. No último dia 19, ele concedeu liminar contra a deportação e repatriação pelo Brasil de imigrantes em situação vulnerável que chegaram ao país a pé.
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