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terça-feira, outubro 29, 2024

O que se pode esperar de Kamala Harris sobre migrações na disputa pela Presidência dos EUA

Mesmo sendo filha de imigrantes, possível nova candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos tem na questão migratória um de seus calcanhares de Aquiles

Por Julia Santos

O anúncio da desistência de Joe Biden da candidatura à reeleição como presidente dos Estados Unidos, no domingo (21), colocou em evidência o nome de Kamala Harris. Atual vice-presidente do país e também vice na chapa do Partido Democrata que tenta se manter na Casa Branca, ela é apontada como favorita para encabeçar o partido na disputa presidencial contra o republicano e ex-presidente Donald Trump.

Harris, inclusive, recebeu o apoio do próprio Joe Biden como sua substituita na corrida presidencial. A definição deve ocorrer até o começo de agosto, quando acontecerá a Convenção Nacional do Partido Democrata que oficializa a candidatura para as eleições.

Kamala Harris é a primeira vice-presidente mulher, negra e de ascendência sul-asiática e caribenha dos Estados Unidos. Filiada ao Partido Democrata desde o início de sua jornada política, Harris teve, por muitos anos, a pauta migratória como um dos focos de sua gestão. No entanto, esse cenário mudou após sua posse como braço direito do presidente Joe Biden. Além disso, esse é um fator que pode pesar em uma corrida eleitoral, especialmente contra um candidato que tem o rechaço à migração como uma de suas principais bandeiras. E também com o fato da questão migratória ser considerada um dos calcanhares de Aquiles do atual governo.

Em reação à desistência de Biden, Donald Trump disse que o antigo adversário “não estava apto para concorrer à Presidência” e crê que será “mais fácil de derrotar” Kamala Harris na disputa. Os republicanos já veem a atual vice-presidente como o nome a ser batido.

Da Califórnia para o Capitólio

Nascida em Oakland, Califórnia, Kamala Harris cresceu imersa em duas culturas distintas, cada uma contribuindo para sua identidade multifacetada. Sua mãe, Shyamala Gopalan, foi uma renomada cientista e ativista pelos direitos civis, trouxe consigo a herança cultural da Índia. Seu pai, Donald Harris, trabalhou como professor de economia na Universidade de Stanford e é originário da Jamaica.

Essa diversidade cultural familiar foi a principal responsável por moldar suas convicções políticas. Desde cedo, Harris testemunhou as injustiças enfrentadas por comunidades marginalizadas nos Estados Unidos, impulsionando-a a um início de carreira dedicado à justiça social e à reforma legislativa.

A partir de 2003, Kamala atuou como promotora em São Francisco e posteriormente como procuradora-geral da Califórnia, focando em questões como reforma do sistema de justiça criminal, proteção às vítimas de violência doméstica, e combate ao tráfico humano. Ela implementou programas de diversidade na contratação dentro do Departamento de Justiça da Califórnia e estabeleceu iniciativas para ajudar jovens em risco a evitar o envolvimento com o crime. Em 2016, foi eleita para o Senado.

Durante seu mandato parlamentar, a partir de 2017, Kamala Harris continuou a defender a justiça social e trabalhou para reformar o sistema de justiça criminal dos EUA. Ela co-patrocinou legislações para reformar o sistema de fiança, proibir a detenção de crianças em centros de imigração, e promover a reforma da polícia para reduzir a violência policial contra minorias.

Ao longo de sua carreira política, Harris foi uma defensora ativa dos direitos dos imigrantes, opondo-se às políticas de imigração restritivas da administração Trump e apoiando a reforma do sistema de imigração. Além disso, ela defendeu leis em prol da garantia de tratamento humano justo para os solicitantes de asilo e cidadania nos EUA. No entanto, ainda que seu histórico de atuação sobre a pauta seja positivo, a eficácia da vice-presidente nessa área específica tem gerado controvérsias desde o início de seu mandato no cargo.

Apesar de se destacar como mulher negra e descendente de imigrantes, Kamala Harris tem sido objeto de intensa crítica e debate em relação à sua atuação — ou falta dela — nas políticas migratórias dos Estados Unidos. Desde sua eleição histórica em 2020, Harris assumiu um papel central na administração Biden, especialmente encarregada de lidar com questões cruciais, incluindo a questão na fronteira sul do país.

Kamala Harris, filha de imigrantes, tem potencial de se tornar a primeira vice mulher dos EUA. (Foto: Agência Brasil)

Kamala Harris e a questão migratória na Casa Branca

Essa divisão de tarefas no mandato explica o motivo pelo qual a cobrança relacionada à pouca eficiência do governo atual sobre a questão migratória concentra-se sobre a vice-presidente. Outra explicação para essa responsabilidade é o fato de que, diferente de Joe Biden, Kamala vem de uma família de imigrantes. Por isso, esperava-se que sua atuação sobre o tema fosse mais decisiva e eficiente durante os últimos quatro anos.

A crítica mais frequente direcionada a Harris refere-se à sua ausência de visitas à fronteira com o México, mesmo após ter sido designada por Biden Biden para coordenar esforços diplomáticos e de cooperação com países da América Central. A tarefa teria como objetivo lidar com as consequências e causas da migração em massa. Para muitos, essa ausência física simboliza uma desconexão com a gravidade da situação enfrentada pelos migrantes e pelas comunidades fronteiriças do país.

Além disso, apesar de Kamala ter prometido trabalhar as raízes do problema da migração, focando em questões como a violência, a corrupção e a pobreza nos países de origem dos migrantes, muitos observadores consideram que há uma falta de resultados tangíveis em suas iniciativas até o momento. As dificuldades geopolíticas envolvidas nessas iniciativas são citadas como desafios significativos, e a eficácia das respostas do governo até agora tem sido questionada.

Por outro lado, alguns eleitores do partido Democrata argumentam que a complexidade dos problemas imigratórios exigirá tempo para implementar mudanças significativas e sustentáveis. Esses apoiadores também afirmam que a vice-presidente tem trabalhado para construir relações diplomáticas mais fortes com países da América Central, com o objetivo de fortalecer parcerias e melhorar as condições que levam à migração forçada.

Em 2021, em visita aos países da América Central que formam o chamado Triângulo Norte (Guatemala, El Salvador e Honduras), Harris disse que a intenção da agenda era de desencorajar a “migração ilegal”, já que “existem métodos legais pela qual ela pode ocorrer”. As três localidades são pontos de partida das chamadas caravanas de imigrantes, um misto de protesto e forma de migração que visa sensibilizar a opinião pública – e especialmente a Casa Branca – sobre os problemas da região.

“Quero esclarecer para as pessoas desta região que estão pensando em seguir pelo perigoso caminho para a fronteira dos EUA com o México: não venham. Os EUA continuarão a fazer cumprir nossas leis e a proteger nossa fronteira”, declarou a vice-presidente.

A fala de Kamala não foi bem aceita por algumas agências de direitos humanos e até mesmo dentro do Partido Democrata. Enquanto isso, os republicanos aproveitam para usar a situação na fronteira com o México para atacar os adversários democratas. Uma situação que se agravou ao longo da gestão Biden e vem servindo de trampolim para Trump e seus aliados.

Por outro lado, a opinião pública média do eleitorado pode influenciar nas ações tanto de republicanos quanto de democratas. Uma pesquisa feita em junho pelo Instituto Gallup e divulgada no domingo (21) apontou que 55% dos entrevistados nos Estados Unidos disseram desejar menos migração para o país. O índice é o mais alto desde 2005.

Segundo a pesquisa, 88% dos eleitores que se identificam como republicanos querem menos migração, enquanto 28% dos democratas expressam tal desejo. Já no grupo dos independentes, 50% querem menos pessoas de outros países chegando aos Estados Unidos. Por outro lado, 70% dos entrevistados expressaram apoio a que migrantes que entraram sem documentos no país tenham a chance de buscar a cidadania estadunidense.

A maneira como a atual vice-presidente gerenciou esses desafios no cargo pode ser decisiva para a percepção pública de seu legado como figura política. Em um momento no qual Harris emerge como favorita para substituir Joe Biden na corrida à Presidência, uma revisão dos posicionamentos da democrata em relação às políticas migratórias estadunidenses se torna quase que indispensável no atual momento.

Futuro na política

Uma pesquisa de intenção de voto realizada pelo Morning Consult com eleitores democratas após a desistência de Biden mostrou Harris (45%) empatada tecnicamente com Trump (47%), com um desempenho melhor que o do atual presidente.

Já uma pesquisa CBS News/YouGov feita semana passada deu vitória de Trump sobre Kamala por três pontos (51% a 48%), enquanto Trump vencia Biden, no mesmo período, por cinco pontos (52% a 47%). A margem de erro da pesquisa foi de 2,7 pontos.

Mesmo sem ter sido confirmada como candidata à Presidência, Kamala Harris já consegue concentrar apoio em torno de si. Até esta terça-feira (23), ela já tinha conseguido os votos de mais delegados do que precisa para ser nomeada — são necessários 1.976 dos 3.949 delegados. Democratas doaram US$ 81 milhões para a campanha presidencial entre domingo (21) e segunda (22), maior valor da história em um período de 24 horas.

Em seu primeiro discurso após a saída de Biden da disputa, Kamala Harris fez acenos à classe média estadunidense, disse que lutará pelas liberdades reprodutivas, e também comentou também que trabalhará para aprovar endurecimento na análise para compra de armamentos.

Até o momento, nenhuma palavra pública sobre migração, um dos temas que será destaque na campanha presidencial deste ano. As próximas semanas e meses obrigarão Kamala Harris a dar uma resposta a essa pergunta – se assumirá uma postura diferente ou não da adotada pela atual gestão e para qual lado vai pender (entre uma abordagem mais securitária, defendida pela maioria da população, ou mais humanista, desejada pelo partido e seu apoiadores e que dialogue com a própria trajetória e origens).

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