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quinta-feira, novembro 21, 2024

Os deslocamentos ambientais como mecanismos de adaptação às mudanças climáticas

Parte integrante da história humana, os deslocamentos ganham novo significado - e consequências - diante de intervenções humanas e transformações climáticas

Por Zenaida Lauda-Rodríguez
Do ProMigra, em São Paulo

A relação entre a mobilidade humana e os fenômenos naturais sempre existiu. O registro de grandes fenômenos geofísicos imprevisíveis como terremos, maremotos, tsunamis e erupções vulcânicas constituíram o marco de grandes deslocamentos humanos. Por outro lado, as interações humanas com processos naturais de longa duração, como as mudanças do clima, também marcaram processo de mobilidade.

Desta forma, ao longo da história, a busca por espaços com melhores condições de subsistência caracterizou e ainda caracteriza diversos grupos populacionais ao redor do mundo.

No entanto, a intensificação da intervenção humana nos ciclos da natureza, especialmente a partir da revolução industrial, tem gerado efeitos ambientais que vêm acelerando processos naturais como as mudanças climáticas, que por sua vez contribuem para o aumento e a intensificação de fenômenos naturais extremos. Este cenário vem alterando significativamente o padrão dos ciclos ecológicos em diferentes regiões do mundo, gerando impactos adversos sobre as populações, tanto em zonas rurais quanto urbanas, dando lugar à ocorrência dos denominados desastres ambientais.

Deslocamento humano forçado

Neste último ano, diversas notícias evidenciaram o enorme potencial destruidor e os impactos sociais e econômicos gerados por fenômenos naturais extremos. O tufão Hagibis no Japão, os furacões Lorena no México e Dorian nas Bahamas, os recentes incêndios na Califórnia (EUA), inundações e enchentes na Espanha, Índia e Nepal, entre outros implicaram não apenas grandes perdas mortais e materiais (sobretudo na infraestrutura), mas também deixaram milhares de pessoas desabrigadas, sendo removidas ou forçadas a se deslocarem.

O deslocamento humano gerado por fenômenos naturais e eventos extremos de ocorrência súbita é, talvez, o mais evidente de ser relacionado às questões ambientais. Estes eventos geram visíveis e grandes impactos diretamente sobre as populações, o que permite que ações e medidas de resposta aos impactos gerados sejam imediatas, porém nem sempre suficientes. Este aspecto de ocorrência súbita tem facilitado a discussão sobre os denominados “refugiados ambientais”. Este debate tem se centrado na tentativa de reconhecer dentro da Convenção Relativa ao Status dos Refugiados (Convenção 51) e seu Protocolo (Protocolo 67) aos afetados por fenômenos naturais e eventos extremos, e estender os efeitos da Convenção para a proteção e atenção destes deslocados.

Entretanto, existem outros fenômenos, que também geram grandes deslocamentos humanos, cuja complexa dinâmica, combinação de fatores tanto antrópicos quanto naturais, sua lenta ocorrência e a sua gradativa intensidade os tornam de difícil percepção e abordagem. Este é o caso dos deslocamentos gerados pela degradação do solo usado para a agricultura e a agropecuária, bem como por outros processos como a desertificação, a interrupção ou interferência em ecossistemas frágeis, acidificação dos oceanos, aumento do nível do mar, erosão costeira, a exaustão de valiosos recursos para a sobrevivência humana como a água, entre outros.

Por inundações ou seca, milhões de pessoas mundo afora são obrigadas a se deslocarem por conta das mudanças climáticas. Crédito: OIM

Segundo dados do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC, pelas siglas em inglês), no ano 2018, foram registrados 28 milhões de novos deslocamentos internos, dos quais 17,2 milhões estão relacionados à ocorrência de desastres.

Segundo Dina Ionesco, chefe da Divisão de Migração, Meio Ambiente e Mudança Climática da Organização Internacional para as Migrações: “Há previsões para o século XXI, indicando que ainda mais pessoas terão que se mudar como resultado desses impactos climáticos adversos.

Novos padrões migratórios

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), principal autoridade da ONU em ciência do clima, disse repetidamente que as mudanças provocadas pela crise climática influenciarão os padrões de migração. O Banco Mundial apresentou projeções para a migração climática interna na quantidade de 143 milhões de pessoas até 2050 em três regiões do mundo, se nenhuma ação climática for tomada.” (tradução livre).

A dificuldade no registro e tratamento destes tipos de deslocamentos se deve a diferentes fatores. O principal deles é que, na maioria dos casos, os efeitos das mudanças climáticas atuam como “gatilhos” em cenários preexistentes de precariedade e vulnerabilidade social e econômica. Além disso, a mobilidade por estes eventos costuma ser muito mais lenta do que no caso de eventos súbitos. Os afetados por estes fenômenos requerem um período de tempo considerável para decidirem finalmente deixar seus territórios e migrar. Isto dificulta o estabelecimento do vínculo entre o êxodo e o desastre, tornando impossível a distinção entre os denominados migrantes econômicos e os migrantes ambientais. 

Outro problema decorrente da combinação de fatores antrópicos e das mudanças climáticas são os conflitos pelo acesso e controle dos recursos naturais, sobretudo, aqueles indispensáveis para a sobrevivência humana, como a água e alimentos. Estes tipos de conflitos geram deslocamentos humanos massivos por colocarem em grave risco as condições necessárias para a subsistência humana.

Segundo estudos da ONU, mais do 40% dos conflitos armados internos nos últimos 60 anos foram vinculados a recursos naturais e essa tendência continuará em meio aos crescentes impactos das mudanças climáticas. Estes cenários tornam-se mais complexos devido ao fato de que as guerras e conflitos armados podem resultar numa rápida degradação ambiental e consequentes danos a ecossistemas essenciais. “Por mais de seis décadas, conflitos armados ocorreram em mais de dois terços dos principais pontos de biodiversidade do mundo, representando severa ameaça aos esforços de conservação.”

Exemplos preocupantes deste tipo de conflito por controle de recursos naturais como água, petróleo, minério e o acesso a terras de cultivo acontecem no continente Africano. Desde 1995, 75% dos conflitos na África tem sido parcialmente financiado pelos recursos obtidos nos territórios em disputa. Os conflitos na Síria também apresentam relação com eventos de seca extrema e falta de acesso à água. 

Securitização das migrações

Estes eventos originaram grandes fluxos migratórios, especialmente dentro do próprio continente Africano e outros com destino ao continente europeu. Sob a narrativa de uma “crise migratória”, a resposta da União Europeia foi de endurecimento das suas políticas migratórias e fechamento das suas fronteiras, limitando-se a criminalizar a mobilidade humana sem considerar as motivações dela. Todas estas ações têm apontado uma tendência à securitização no tratamento dos deslocamentos humanos e das questões ambientais. Mostra disso é a reunião do Conselho de Segurança sobre o tema “A manutenção da paz e a segurança internacional: as causas dos conflitos, o papel dos recursos naturais”, convocada pela Bolívia, em outubro de 2018. 

O inconveniente de uma possível securitização de temas diretamente ligados à subsistência e condição de pessoas em deslocamento e em situação de vulnerabilidade, é a possibilidade de “(…) resultar em políticas aversivas para as mudanças climáticas, tais como (em um caso extremo) um papel mais importante para os militares de lidar com os efeitos dessa questão, como a migração relacionada ao clima”, restando atenção a fatores e problemas mais estruturais que se apresentam tanto a nível territorial, no qual acontecem as mudanças climáticas e os deslocamentos, quanto a nível global, em que estas questões se inserem.

No entanto, diversos outros esforços dentro do sistema internacional apontam para um tratamento mais condizente com o respeito aos Direitos Humanos e mais holístico, em termos de prevenção e planejamento. O Acordo de Paris, o Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres, o Pacto Global para as Migrações e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável constituem mecanismos que visam estabelecer caminhos para uma governança das migrações ambientais, assumindo estas como mecanismos de adaptação. 

Respostas

Nesse sentido, as principais medidas que os Estados precisam atender estão relacionadas à redução dos fatores adversos e estruturais que obrigam às pessoas a deixarem seu país de origem. Isto implica buscar soluções que as permitam permanecer em seus territórios e outorga-lhes meios de adaptação às condições de mudança climática, evitando situações de migração desesperada e em estado de vulnerabilidade.

Para situações nas quais as mudanças climáticas são muito intensas, será necessário ampliar a disponibilidade e a flexibilidade para uma migração segura, ordenada e regular. A realocação de vilarejos e comunidades de forma planejada também é visto como mecanismo de adaptação. Para todas estas medidas, a assistência humanitária e o provimento de dados e informação relevante são essenciais para a orientação de objetivos e tomada de decisão. 

Cabe ressaltar que os processos de mudanças climáticas, inevitavelmente, terão como consequência a necessidade de adaptação ou deslocamento. Neste sentido, o planejamento territorial, considerando todas estas questões, constitui uma estratégia importante para o enfrentamento das migrações ambientais.

Não existe uma única forma de responder a estes desafios; contudo, queda claro que para alcançar objetivos significativos que visem nossa manutenção em harmonia com nosso entorno natural será necessário o envolvimento dos Estados, dos atores da sociedade civil e das próprias comunidades afetadas, respeitando suas formas de vida e reprodução social.


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