O Knesset, o Parlamento de Israel, aprovou uma lei que proíbe a atuação da Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA) no país. Como Israel também é quem exerce na prática o controle sobre os territórios ocupados na Cisjordânia e em Gaza, a medida também bloqueia o trabalho da organização junto aos palestinos, o que vem gerando críticas da comunidade internacional e até de aliados de Tel Aviv.
O projeto, aprovado na última segunda-feira (28), entra em vigor dentro de 90 dias, ou seja, no final de janeiro de 2025. De acordo com ela, caminhões de ajuda humanitária da agência da ONU, que levam alimentos, água e medicamentos para refugiados palestinos, precisarão da aprovação do governo israelense para passar por pontos de controle.
A UNRWA é a principal agência da ONU a ofertar ajuda humanitária para Gaza em meio ao conflito desencadeado pelos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, realizado pelo Hamas no sul de Israel. Ela tem fornecido ajuda e utilizado suas instalações para abrigar pessoas que fogem de bombardeios e da ofensiva terrestre lançada por Tel Aviv.
Israel, por sua vez, afirma constantemente que a UNRWA serve esconderijo para integrantes do Hamas, grupo que arqutetou o ataque de 7 de outubro. Ele defende sua dissolução e que os palestinos por ela assitidos passem para o mandato de outra agência das Nações Unidas, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR).
“Estamos prontos para trabalhar com nossos parceiros internacionais para garantir que Israel continue a facilitar a ajuda humanitária a civis em Gaza de uma forma que não ameace a segurança de Israel”, disse o premiê Benjamin Netanyahu em seu perfil no X, antigo Twitter.
A proibição da UNRWA de atuar em Israel não foi a única medida aprovada pelo Knesset. O Parlamento israelense também decidu suspender de fornecimento de vistos diplomáticos e facilidades cedidas até agora à entidade.
Desde o começo do conflito, 43 mil palestinos já morreram, de acordo com projeções das Nações Unidas. Em Israel são 1.200 mortos, em sua maioria durante os ataques de 7 de outubro.
Cerca de 90% da população total de Gaza (1,9 milhão de 2,2 milhões) se encontra em situação de deslocamento forçado, segundo projeções das Nações Unidas. Além disso, 40% dos habitantes são ameaçados pela fome, enquanto a ajuda humanitária chega de forma intermitente e em quantidade insuficiente para as necessidades reais.
Além da UNRWA, o governo Netanyahu ainda tem criticado fortemente as Nações Unidas em si, com direto a uma declaração de persona non grata ao atual Secretário-Geral da organização, António Guterres, e ignora até o momento as pressões e resoluções de instâncias internacionais contra sua atuação em Gaza.
A resposta de Tel Aviv aos ataques do Hamas, embora defendida inicialmente pela comunidade internacional, tem conduzido o país cada vez mais para uma posição de isolamento e de questionamento. Algo que, pelo menos por enquanto, parece não abalar o premiê israelense.
Acusação de ligação com terrorismo
Em janeiro, Israel acusou 12 funcionários da UNRWA de envolvimento direto com a ação. Nos dias seguintes, 16 países chegaram a suspender o repasse de recursos à UNRWA, incluindo alguns de seus maiores doadores, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. O impacto financeiro nas contas da agência é estimado em US$ 450 milhões, segundo a ONU.
Seis países ainda não retomaram esses repasses: Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Holanda, Áustria e Lituânia. No caso de Washington, o envio está suspenso pelo Congresso pelo menos até março de 2025.
Além do afastamento preventivo de dez funcionários acusados de envolvimento nos ataques, a ONU designou duas comissões para investigação das acusações de Israel, uma da própria ONU e outra de um grupo independente, liderada pela ex-ministra das Relações Exteriores da França Catherine Colonna.
Em abril, o relatório da comissão liderada pela diplomata apontou que Israel não apresentou provas de suas acusações contra os funcionários da UNRWA em geral, mas fez uma série de recomendações para melhoria dos controles internos da agência. Meses depois, em agosto, a ONU anunciou a demissão formal de nove funcionários da UNRWA por suspeita de laços com o Hamas e procurou evitar que o fato representasse uma generalização em relação ao trabalho da agência.
Reações ao veto
Imediatamente após a decisão do Parlamento israelense, diversas agências da ONU se posicionaram contra o banimento da UNRWA de Israel.
O comissário-geral da UNRWA, Philippe Lazzarini, disse que a decisão contradiz os princípios da Carta da ONU, viola as obrigações de Israel sob o direito internacional e estabelece um precedente perigoso. Para ele, a medida ainda é a ação mais recente “na campanha em andamento para desacreditar a agência e deslegitimar seu papel em fornecer assistência e serviços de desenvolvimento humano aos refugiados palestinos”.
A aprovação impediria, provavelmente, a agência de continuar seu trabalho essencial nos territórios palestinos ocupados, como ordenado pela Assembleia-Geral da ONU”, disse o Secretário-Geral da ONU, António Guterres. Ele ainda acrescentou que a lei israelense “poderia ter consequências devastadoras para os refugiados palestinos, o que é inaceitável”.
A decisão de banir a UNRWA do território israelense é criticada até mesmo por aliados de Israel. Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, afirmou que a decisão do Knesset pode “ter implicações pela lei norte-americana”. Washington, por exemplo, impede a transferência de armas para países que barram a entrega de ajuda humanitária.
Em resolução aprovada por unanimidade na quarta-feira (30), o Conselho de Segurança da ONU pediu que Israel “cumpra com suas obrigações internacionais, respeite os privilégios e imunidades da UNRWA e cumpra sua responsabilidade de permitir e facilitar assistência humanitária completa, rápida, segura e desimpedida em todas as suas formas em toda a Faixa de Gaza”.
Com a palavra, especialistas
Ouvidos pelo MigraMundo, especialistas endossaram o coro de organismos internacionais e também criticam a decisão de Israel de vetar a presença da UNRWA em seu território.
Para Gilberto Rodrigues, pós-doutor pela Universidade de Notre Dame (EUA) e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), a medida é mais um capitulo da sucessão de violações do Direito Internacional cometidas por Israel contra a proteção internacional dos palestinos.
“A UNRWA tem papel essencial na assistência humanitária em Gaza, na Cisjordânia e em outros locais com presença palestina. Assim como agrava de maneira absurda e inaceitável a frágil condição se sobrevivência dos palestinos em seus territórios, a decisão israelense também agrava o isolamento internacional de Israel, e reforça os fortes indícios de crimes de guerra, contra humanidade e de genocídio cometidos pelas forças de segurança israelenses contra o povo palestino”, aponta.
A professora de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Aline Arruda, também citou o isolamento de Israel no campo diplomático com a medida – algo que é reforçado ainda pelo posiconamento recente do Conselho de Segurança da ONU.
“É uma decisão que não conta com apoio nem dos Estados Unidos e muito menos na comunidade internacional como um todo. Vamos ver quais vão ser os desdobramentos porque aparentemente o governo de Israel está sozinho nessa”.
Já Victor Del Vecchio, advogado de direitos humanos e mestre em direito internacional pela USP, vai além: “A medida é mais um movimento na linha de criminalizar tudo que possa impedir ou retardar a limpeza étnica promovida por Netanyahu em Gaza e que, muito provavelmente será caracterizada como genocídio pelo Tribunal Penal Internacional. Soma-se ao movimento de declarar Antonio Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, como “persona non grata”, e de proibir sua entrada em Israel, ou ainda de desqualificar o trabalho das diversas entidades que prestam socorro a palestinos e são, muita vezes, compostas por profissionais locais, o que é usado para legitimar a narrativa de que ‘são todos terroristas'”.
O que é a UNRWA
A UNRWA foi criada em 1949 como uma assistência temporária aos palestinos forçados a se deslocarem após a criação do Estado de Israel, que aconteceu um ano antes. Contudo, as sucessivas crises políticas na região aprofundaram a complexidade do tema e as demandas humanitárias.
Atualmente, a UNRWA apoia quase 6 milhões de refugiados palestinos em cinco áreas de operações: Jordânia, Gaza, Líbano, Síria e Cisjordânia, além de Jerusalém Oriental. Quase um terço deles vivem em acampamentos.
A falta de recursos para a UNRWA é uma situação anterior ao atual conflito em Gaza. Em junho passado, o MigraMundo destacou que a agência já atraveessava uma crise financeira grave que colocava em risco a continuidade de suas atividades, bem como das pessoas que dependem dessas ações.
Desde a última década, a entidade vem operando com um orçamento US$ 75 milhões a menos do que o acordado. Os países-membros e doadores justificam que os cortes decorreram de dificuldades financeiras ou desacordos políticos.
Com informações de ONU News, Deutsche Welle , G1 e BBC News
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