Pouco mais de um mês após o Mundial da Fifa, São Paulo voltou a viver clima de Copa do Mundo neste fim de semana. Depois da Copa Gringos e da Copa do Mundo de refugiados organizada pela Adus, os imigrantes que vivem em São Paulo tomaram parte em mais um Mundial de futebol, totalmente organizado pelos próprios refugiados.
A mais recente Copa do Mundo dos refugiados reuniu seleções de 16 países, todas formadas por refugiados ou solicitantes de refúgio que vivem no Brasil. Uma comissão de dez refugiados organizou todo o evento, contando com o apoio da Caritas São Paulo, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), da ONU Mulheres e da UNAIDS.
Doações por depósito bancário e por meio de uma campanha lançada na internet ajudaram a arrecadar os fundos necessários para a realização do torneio, que teve ainda o apoio de dezenas de voluntários que souberam da Copa por meio das redes sociais e se juntaram à equipe de apoio do evento.
As partidas aconteceram durante os dias 2 e 3 de agosto no Centro Esportivo Novo Glicério (também chamado de Campo da Tia Eva), região central da cidade. Ao final dos dois dias de competição, a seleção da Nigéria levou a melhor conquistou o título. Após um empate em 3 a 3 com Camarões no tempo normal, veio a vitória nos pênaltis por 3 a 1, seguida de muita festa e volta olímpica no campo.
O terceiro lugar ficou com a seleção do Mali, que também decidiu o jogo nos pênaltis contra a Guiné.
Protagonismo e contribuição
A Copa do Mundo dos Refugiados foi mais um exemplo do protagonismo e da contribuição que esses migrantes já entregam ao país e que podem fazer ainda mais, independente da origem, crença ou história de vida.
“É o resultado do esforço dos refugiados que se empenharam em organizar o torneio e resolver as polêmicas que surgiram no processo. E com isso eles demonstraram uma grande capacidade de organização, produção e contribuição com o país em que agora vivem”, disse Luiz Fernando Godinho, porta-voz da ACNUR, uma das entidades que deram apoio à Copa.
“Esse campeonato mostra, primeiro para o Brasil e depois para o mundo, que aqui temos os refugiados, pessoas que passaram por muitas situações e que também têm sentimentos, merecem respeito”, disse Jean Katumba, da República Democrática do Congo e integrante da comissão organizadora. Ele ainda ficou surpreso com o resultado da Copa. “Estou muito feliz. A gente quando teve essa ideia não achava que ficaria tão agitado”.
Adama Konate, do Mali, que também integrou a comissão que organizou e promoveu a Copa, destacou a felicidade dos migrantes presentes em poder torcer pelo país de origem e de estabelecer novas amizades, além dos planos para o futuro. “Todos estão felizes, criando novas amizades e querem fazer de novo. A ideia é que ele seja feito [a Copa] cada ano”, diz.
Esporte (futebol ou críquete) como elemento de paz, união e alegria
O futebol foi o pretexto encontrado pelos refugiados para promover um evento no qual pudessem conhecer melhor um ao outro, esquecer um pouco dos problemas que já viveram (e ainda enfrentam por aqui) e mostrar quem são e o que podem fazer pelo novo lar.
O chamado pela paz e pela união está implícito no próprio hino da competição. “Eu e você, vamos viver em paz/ briga e guerra, vamos deixar para trás/ refugiados, nós somos capaz (sic) / discriminação, não pode mais”, diz um trecho da música, que pode ser vista abaixo:
“É importante para os refugiados poderem se conhecer um ao outro e esquecer um pouco os problemas que acontecem e ficar juntos, vivendo e buscando a paz”, conta o rapper Romeo Guslarime Fomo, nascido em Angola e criado em Camarões, que além de organizador fazia a função de narrador dos jogos. Ele mantinha a animação mesmo quando a seleção camaronesa levava um gol.
Quem também narrava os jogados ao lado de Romeo era José Pelé Messa, de Angola, que lembrou o passado recente da terra natal para pedir paz e admirou o resultado do evento. “Minha terra passou 30 anos em guerra, uma coisa muito ruim. O futebol é uma coisa de paz, de alegria e união e está sendo muito legal ver todos reunidos aqui”.
Já para Saifullah Al Mammm, de Bangladesh, o evento foi ainda uma oportunidade de mostrar um pouco dos costumes do país natal. Mas além de mostrar que também se joga futebol em Bangladesh, ele deixou uma sugestão para o futuro: “Para o ano que vem precisa ter uma Copa só de críquete (esporte mais popular de Bangladesh)”, brincou.
Novos pedidos de refúgio aprovados
A Copa do Mundo dos Refugiados celebrou ainda uma conquista recente. Na última quarta-feira (30), o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) decidiu conceder refúgio no Brasil a 680 estrangeiros, sendo 532 sírios.
Com as novas autorizações, eles passam a compor a maior população estrangeira nesta condição no Brasil, com 1.245 pessoas. Depois deles, estão colombianos (1.169), angolanos (1.066), congoleses (681) e libaneses (391), segundo dados do Ministério da Justiça.
Além dos 532 sírios, obtiveram o benefício 57 pessoas do Mali, 22 da República Democrática do Congo, 19 da Nigéria, 15 de Guiné-Conacri, 5 de Camarões, 4 de Angola, 3 de Togo, 3 do Paquistão, 2 da Colômbia, 2 da Costa do Marfim, 1 do Líbano, 1 da Palestina, 1 da Sérvia e 1 do Sudão. Outros 14 pedidos foram negados.
Com as novas concessões, o Brasil passa a contar 6.588 estrangeiros refugiados no total. Esse número deve aumentar nos próximos anos e vai requerer um esforço adicional das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e da sociedade não só para garantir a regularização dessa população, mas sobretudo para permitir que os novos habitantes do Brasil tenham uma vida digna e possam contribuir com o país.
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[…] Com início em 2014, a expectativa é que a competição seja cada vez melhor, numa reunião que vai além de bolas na rede, em prol de uma causa humanitária. “Nossa expectativa do Brasil, que o governo brasileiro e o povo brasileiro reconheçam nossa chegada aqui, não discrimine e ajude para se manter esta vida. Porque precisamos desse apoio especial”, conta o sírio Abdulbaset Jarour, coordenador da Copa e vice-presidente da ONG África do Coração. Ele explica que essa é a maior felicidade e diversão de refugiados e migrantes: levantar a bandeira de seus países de origem e dos estados brasileiros em que vivem. Foi o que Julson Luwawa, que reside no Rio de Janeiro e liderou a equipe angolana em sua primeira participação no campeonato. Luwawa não jogava futebol profissionalmente em Angola, e não tinha noção da grandiosidade que seria participar de um campeonato como o da Copa dos Refugiados – ainda mais no Estádio do Pacaembu, que já recebeu jogos profissionais históricos. “Ideia é participar das edições futuras”, afirmou o jogador. “O evento mostra a capacidade deles de se organizarem, de identificar as próprias necessidades, de interagir em rede e de conseguir articulações nesse nível. Juntando em São Paulo prefeito, Secretarias e organismos internacionais e autoridades diversas num só lugar para prestigiar”, expõe Maria Beatriz Nogueira, chefe do escritório da ACNUR em São Paulo. Ela ainda enfatiza que os talentos dos refugiados são infindáveis, além das habilidades esportivas apresentadas nos últimos dias da competição. Chegar ao final do ano não foi fácil. Uma das dificuldades veio após uma empresa que financiaria os uniformes das equipes declinar do patrocínio, fazendo a Secretaria de Esportes e Cultura solicitar orçamento emergencial à prefeitura da capital paulista. Mesmo assim, a Copa dos Refugiados deste ano chegou ao fim e já anunciou a sede da edição nacional de 2019: o Rio de Janeiro. […]