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sexta-feira, abril 19, 2024

O que significa o fim do Título 42 nos EUA para o debate das migrações?

A medida permitia a expulsão de migrantes. Mas com a suspensão do Título 42, organizações de defesa dos direitos humanos temem políticas ainda mais rígidas nos EUA

O Título 42 expirou. 

Mas isso não foi, nem de longe, motivo de comemoração para os defensores dos direitos dos migrantes. Ao contrário, muitos temem que regras ainda mais duras estejam por vir. 

“Depois de mais de três anos e mais de dois milhões de expulsões de pessoas que estavam exercendo seu direito humano de buscar segurança, o Título 42 finalmente termina. O que deveria ser um dia de celebração é, na verdade, o início de novas medidas que ameaçam os direitos dessas pessoas que buscam segurança”, afirmou Paul O’Brien, diretor executivo da Anistia Internacional nos Estados Unidos.

O fim da medida reacendeu o debate na mídia. Mas para as pessoas que viviam – e vivem – a instabilidade da migração, essa preocupação nunca deixou de existir. Isso porque a medida não significava apenas um obstáculo para a entrada nos Estados Unidos. O Título 42 provocou um aumento expressivo do número de pessoas vivendo em condições desumanas na fronteira do México. Desde que Joe Biden assumiu a presidência, a Human Rights First contabilizou 13 mil incidentes de sequestro, tortura, estupro ou outros ataques violentos contra pessoas expulsas sob o Título 42.

Esses dados mostram a complexidade do tema e dos desafios no horizonte. Entenda melhor como se aprofundar no debate.

O que é o Título 42?

A medida foi ratificada pelo ex-presidente Donald Trump em março de 2020, sob o pretexto de impedir a propagação de Covid-19. A política remonta a uma lei de 1944, conhecida como Lei de Serviço à Saúde Pública. A norma concedia às autoridades de saúde dos EUA poderes emergenciais para prevenir a disseminação de doenças.

Na prática, o Título 42 deu ao governo o poder de expulsar automaticamente migrantes que tentavam entrar no país de forma indocumentada, sem sequer analisar eventuais pedidos de asilo.

Desde a sua implementação, organizações de defesa dos direitos humanos criticaram a medida. “As restrições que impedem o exercício do direito humano fundamental de solicitar a condição de refugiado são inaceitáveis e contrárias às obrigações internacionais dos Estados”, afirmou a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

Apesar disso, o Título 42 ganhou força política e acabou mantido pela administração Biden. De acordo com dados do Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, cerca de 2,8 milhões de pessoas foram expulsas sob o Título 42 desde março de 2020. Dessas, duas milhões no ano fiscal de 2021-2022, ou seja, no governo democrata.

Disputa ideológica

Isso demonstra que, ao contrário do que muitos pensam, os democratas não são defensores dos migrantes. Na realidade, essa é uma questão que permeia de forma complexa o debate político nos Estados Unidos, o que contribuiu muito para as sucessivas revogações da suspensão do Título 42.

Desde o início, a medida tinha prazo de validade: o dia 21 de dezembro de 2022. Mas dois dias antes desse prazo, o presidente da Suprema Corte, John Roberts, bloqueou a suspensão atendendo a um apelo de alguns estados que pediram a continuidade da política. Dos nove ministros da Justiça, cinco apoiaram a decisão de Roberts.

Os argumentos dos defensores do Título 42 remetem principalmente ao “aumento desenfreado de migrantes”, o que sobrecarregaria os recursos do Estado. Já os chamados “ativistas da migração” afirmam que a medida contraria as obrigações internacionais de dar asilo às pessoas em situação de vulnerabilidade.

A despeito de todas as batalhas judiciais, o prazo findou. No último dia 11, o Título 42 expirou, mas, ao invés de ser uma vitória, a notícia trouxe novos temores.

Novas medidas

À medida que o prazo para a suspensão se aproximava, a administração Biden adotou uma série de novas políticas migratórias, incluindo a retomada do chamado “Título 8”, considerado por muitos ainda mais drástico do que o 42. A medida permite que o governo dos EUA multe ou puna os migrantes antes de serem deportados. E caso a pessoa tente voltar ao país, pode ser processada penalmente e ter a entrada vetada por pelo menos cinco anos.

Além disso, um novo regulamento já em vigor determina que só podem pedir asilo nos EUA aqueles que já solicitaram refúgio em outro país e tiveram seu pedido negado.

O governo alega que as regras buscam impedir travessias irregulares. “Estamos deixando bem claro que nossa fronteira não está aberta, que a travessia irregular é contra a lei e que quem não for elegível para refúgio será deportado rapidamente. Nossa abordagem geral é criar caminhos legais para as pessoas virem para os Estados Unidos, e impor consequências mais duras àqueles que optam por não usar esses caminhos”, afirmou o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas.

O governo estadunidense também aumentou a força militar na fronteira. 

Organizações de direitos humanos temem uma piora da situação

Mary Meg McCarthy, diretora executiva do Centro Nacional de Justiça dos Imigrantes, integrou uma delegação de líderes dos direitos civis e dos imigrantes que acompanhou o anúncio do fim do Título 42 no Rio Grande, fronteira natural entre México e Estados Unidos.

“Hoje, pudemos testemunhar o sofrimento, a confusão e a dor que são consequência direta das políticas do governo dos Estados Unidos. Nas margens do Rio Grande, tentamos informar as pessoas sobre mudanças opacas e arbitrárias na lei dos Estados Unidos que acabaram de ser anunciadas. São regras que desmantelam o sistema estadunidense de asilo e a conformidade de nosso governo com as leis domésticas e internacionais”, afirmou a ativista.

Também integrante da delegação, O’Brien ressaltou que o governo Biden teve mais de dois anos para trabalhar em alternativas humanitárias. “Em vez disso, a administração deu as costas aos direitos humanos e está planejando implementar novas medidas draconianas de fronteira que ameaçam recolocar as pessoas em perigo, aumentar a detenção de imigrantes e forçar as pessoas a correr uma série de riscos enquanto esperam no México. A Anistia Internacional dos EUA pede ao governo Biden que abandone a proibição de asilo e, em vez disso, invista em sistemas de boas-vindas”.

O ACNUR e a OIM (Organização Mundial para as Migrações) reforçam que essas novas regras são incompatíveis com os princípios do direito internacional dos refugiados. Para as agências, a saída está em facilitar e expandir o acesso ao reassentamento, reunificação familiar, patrocínio humanitário e programas de mobilidade laboral. “São propostas que podem salvar vidas e proteger as pessoas do tráfico, contrabando e outras formas de violência. Se geridas de forma adequada, podem também apoiar as economias nacionais que enfrentam escassez de mão-de-obra”. 

O verdadeiro fluxo migratório

Embora o debate midiático se concentre na fronteira México-Estados Unidos, os dados mostram que a maioria das pessoas em situação de mobilidade humana nas Américas continua sendo acolhida por países latino-americanos. 

Segundo o último relatório Global Trends, divulgado pelo ACNUR no ano passado, quase três quartos das pessoas que cruzaram fronteiras migraram para países vizinhos em 2021. O número de refugiados e solicitantes de asilo atingiu o recorde de 36,1 milhões de pessoas – dessas, 83% foram acolhidas por países de baixa e média renda. Em 2021, a Colômbia foi o segundo país no mundo a receber migrantes (1.843.900), atrás apenas da Turquia (3.759.800). 

Dessa forma, é preciso complexificar o debate, buscando conhecer e compreender as diversas facetas desse importante fenômeno. Na obra Migrações Sul-Sul publicado em 2018 pelo Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO), da Unicamp, a professora Rosana Baeninger afirma: “as migrações Sul-Sul se consolidam no bojo de processo mais amplo das migrações transnacionais, da divisão internacional do trabalho, da mobilidade do capital. Refletem e (re)configuram condicionantes que ocorrem fora das fronteiras nacionais, com impactos na conformação da imigração no âmbito de cada país”.

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