Atualizado às 13h52 de 15.out.2020
Diferentemente do que dizia versão anterior deste texto, Vicky Marquez mora no estado do Paraná. A informação já foi corrigida
Manifestações de xenofobia recentes em campanhas eleitorais em Roraima levaram a comunidade venezuelana residente no Brasil a reagir e se mobilizar.
O estopim foi a campanha do deputado Antônio Carlos Nicoletti (PSL), candidato à Prefeitura de Boa Vista. Em postagem nas redes sociais, o parlamentar afirma que “venezuelano não terá privilégios”, caso seja eleito. Ele, no entanto, não detalha quais são esses supostos privilégios. E nega que tal afirmação represente xenofobia.
Nicoletti não está sozinho. Também candidata à Prefeitura, Gerlane Baccarin (PP) tem no rechaço aos venezuelanos uma de suas bandeiras de campanha. Entre outras propostas, quer limitar os atendimentos na saúde e educação e a retirada de 9 dos 11 abrigos instalados pelo governo federal na cidade para gerenciar a migração do país vizinho.
Segundo dados do governo federal, o Brasil abriga atualmente 260 mil nacionais do país vizinho, sendo 46 mil deles reconhecidos como refugiados — a Venezuela atravessa grave crise social, política e econômica desde 2015. Por ser fronteiriço à Venezuela, Roraima se tornou uma das portas de entrada dessa migração — estima-se que até 30 mil venezuelanos residam atualmente em Boa Vista
E não é de hoje que tal presença tem servido de pretexto para discursos e atos de xenofobia. Em agosto de 2018, com direito a entonação do hino nacional brasileiro, populares em Pacaraima —cidade fronteiriça à Venezuela — expulsaram com violência cidadãos do país vizinho para o outro lado da fronteira.
Vale lembrar que naquela época também havia uma campanha eleitoral em curso, na qual a questão venezuelana também era explorada pelos candidatos.
Reação em cadeia nacional
Diante das manifestações a partir dos políticos em Roraima, venezuelanos se mobilizaram rapidamente ao longo da última quarta-feira (14).
A venezuelana Vicky Marquez, 27, que vive no Paraná e possui um canal no YouTube, foi uma das pessoas que expressou seu repúdio aos atos de xenofobia nas campanhas eleitorais em Roraima.
“Lamentável ver que um político não tem algo melhor que oferecer do que incentivar a xenofobia e o ódio contra os migrantes. Quais privilégios? Ter o básico que os direitos humanos impõe? Qual a vantagem de morar num abrigo, longe do país, da família, vendo filhos passando necessidade, sem contar a xenofobia?”, questionou Nogueira, a partir da propaganda de Nicoletti.
Além de manifestações públicas de repúdio em redes sociais, a comunidade migrante também articulou uma nota conjunta, sob a RedeVen — congregando coletivos de venezuelanos residentes em diversas cidades brasileiras.
Entre outros pontos, a carta lembra que a própria Constituição brasileira e a Lei de Migração garantem acesso a serviços públicos a todos os residentes no Brasil, independente da origem.
“A adoção de posturas que promovam a xenofobia e outras formas de discriminação contra os migrantes são ações oportunistas, inconscientes, apelativas e de mero intuito eleitoral. Atores políticos que empregam esse tipo de estratégia não pensam nas consequências que essas atitudes podem gerar sobre a paz social e na integridade física, psicológica e moral dos cidadãos venezuelanos que residem em Boa Vista”, diz trecho do documento.
Residente em Santa Catarina, a também venezuelana Merlina Saudade, 37, cita que tal mobilização de seus compatriotas é um grito contra a xenofobia sobre qualquer migrante, independente da nacionalidade.
“O uso político da crise venezuelana é uma grosseria, uma necropolítica. E estamos reagindo por todos os imigrantes que possam ter seus direitos violados”, destaca.
Ofício da DPU
A mobilização dos venezuelanos chegou a diferentes instituições da sociedade civil ligadas à temática migratória. E também ajudou a fomentar um ofício da DPU (Defensoria Pública da União), no qual pede que as autoridades eleitorais tomem providências contra as manifestações de xenofobia dos candidatos.
“Muito embora se deva garantir a liberdade de expressão de candidatos a cargos eletivos, dentro do marco normativo eleitoral vigente, é temerário que a propaganda eleitoral seja veículo para discursos xenófobos e que induzam os eleitores e as eleitoras boavistenses a propostas de cunho discriminatório, especialmente quando versem sobre acesso de milhares de residentes no município a serviços públicos básicos”, destaca trecho da ação, assinada pelos defensores públicos Thiago Moreira Parry e João Chaves.
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