Este é o primeiro de uma série de posts que vão tratar um pouco da história e da atualidade das comunidades de imigrantes do centro e leste da Europa que se estabeleceram no Brasil, mais precisamente em São Paulo. Acompanhem!
As políticas que viam o imigrante como um fator de risco à sociedade não são exclusividade dos tempos atuais. No século passado, por exemplo, os que vinham da Europa Central e Oriental para o Brasil eram tachados de “russos”, “comunistas” e considerados “subersivos” em potencial. Mesmo sob tal rótulo e vigiados de perto pelas autoridades, tais povos conseguiram se estabelecer por aqui.
Parte desse cotidiano pode ser conhecida por meio do livro “Imigração e Revolução”, lançado pela Edusp. A obra é fundamentada em arquivos do Deops-SP, a antiga polícia política paulista, e analisa a vigilância da entidade sobre lituanos, poloneses e russos que chegaram ao Estado entre 1924 e 1954. A obra permite o resgate da memória dessas imigrantes no Brasil sob o viés da repressão e da resistência política.
“Eu ingressei em um projeto chamado Proin, que tinha por objetivo sistematizar e pesquisar o acervo do Deops-SP. Neste estágio me deparei com diversos documentos que faziam referência à comunidade lituana. Realizei uma primeira pesquisa sobre o tema e, mais tarde, percebi a relevante documentação sobre as organizações polonesas e russas. Aos olhos das autoridades brasileiras todo imigrante da Europa centro-oriental era russo e russo era usado como sinônimo de comunismo”, explica o historiador Erick Reis Godliauskas Zen, descendente de lituanos e autor do livro.
A vigilância do Deops-SP sobre tais comunidades era cerrada. Os agentes elaboravam dossiês detalhados com todos os passos de cada pessoa ou organização suspeita de “subverter a ordem social”. A entidade também se aproveitava de cisões internas nas comunidades e cooptava informantes para colaborar nas investigações. A proibição de falar o idioma de origem em público, o fechamento de escolas e de associações culturais, o confisco de documentos pessoais, a prisão e o ato de expulsão de estrangeiros serviam como medidas para inibir as proposta ditas “revolucionárias” e garantir o controle social.
Apesar dos rótulos impostos a esses imigrantes, Zen enfatiza as diferenças entre eles. “Lituânia, Polônia e Rússia são próximas e distantes ao mesmo tempo. Tem uma história em comum desde a União Polonesa-Lituana, depois, o Império Russo e finalmente com a soviética e os regimes comunistas – e com tudo isso são muito diferentes. Os russos que chegaram aqui na década de 1920 buscavam refúgio da revolução bolchevique. Já os poloneses em São Paulo tinham organizações com distintas perspectivas políticas, do nacionalismo ao comunismo, assim como os lituanos”.
Apesar de terem uma trajetória menos conhecida, Zen não crê tais comunidades sejam subestimadas nos estudos sobre imigração. “Talvez o que falte seja uma divulgação destas pesquisas, e isso vale para todos os temas e áreas. Não é muito fácil fazer uma pesquisa “sair” da academia. Por outro lado, é preciso considerar que muitos trabalhos não vão a fundo às questões e organizações políticas e isso creio que falta mesmo para os grupos maiores”, pondera.
Nas ruas, nas igrejas…
Apesar da desconfiança estatal, tais comunidades se estabeleceram e deixaram marcas em São Paulo, em especial na região da Vila Prudente. A Vila Zelina, por exemplo, expõe suas raízes lituanas nas vias públicas (Praça República Lituana e Rua Monsenhor Pio Ragazinskas), no comércio e na Paróquia São José, que conta com missas em lituano aos domingos. O bairro conta ainda com a atividade dos grupos folclóricos lituanos Nemunas e Rambynas.
Outra paróquia da região a oferecer missas em língua estrangeira é a Paróquia Nossa Senhora da Glória, na Vila Bela, também chamada de Paróquia Pessoal dos Ucranianos e que conta com missas celebradas em ucraniano. Já a comunidade russa conta com a Paróquia da Santíssima Trindade, no bairro de Vila Alpina, e a Associação Cultural Grupo Volga.
Livro: Imigração e Revolução – lituanos, poloneses e russos sob vigilância do Deops-SP
Autor: Erick Godliauskas Zen
Editora: Edusp
232 páginas – R$ 47
[…] Parte dessa história pode ser conhecida por meio do livro “Prisioneiros de Guerra: Súditos do Eixo”, publicação conjunta das Editoras Humanitas e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. O estudo fez parte do Projeto Integrado Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo (PROIN), que deu origem a outro livro já citado neste blog, “Imigração e Revolução – lituanos, poloneses e russos sob vigilância do Deops-SP”. […]