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domingo, novembro 24, 2024

Orientação Sexual e Identidade de Gênero: um tema que entrou na agenda brasileira do refúgio

Série de eventos e produções acadêmicas e da sociedade civil nos últimos anos mostra a atenção crescente do assunto no país

Por Vítor Lopes Andrade*
Em São Paulo (SP)

Nesta semana, a partir do dia 15 de novembro, tem início a 3ª Conferência Internacional SSEX BBOX e Mix Brasil, um dos maiores eventos de gênero e sexualidade do país, que reúne pesquisadores/as, acadêmicos/as, ativistas, artistas e pessoas em geral interessadas nessa temática. Este ano, pela primeira vez, a conferência conta com atividades sobre refúgio por motivos de Orientação Sexual e Identidade de Gênero (OSIG).

No dia 16 de novembro, quinta-feira, das 14h às 17h, acontecerá a oficina “ONU LGBTI REFUGIADOS”, com Diego Nardi (assistente de Soluções Duradouras do ACNUR) e Maria Eduarda Borba Dantas (assistente de Direitos Humanos na ONU Brasil. A oficina é uma atividade da Campanha da ONU Livres & Iguais e o objetivo é fortalecer o conhecimento dos/as participantes para a promoção de espaços seguros e acolhedores para pessoas LGBTI refugiadas e solicitantes de refúgio.

No dia seguinte, 17 de novembro, sexta-feira, será realizada, das 19h30 às 21h, a Roda de Conversa “REFUGIADOS LGBTQIA+”, com Diego Nardi e Vítor Lopes. O propósito da roda de conversa é pensar coletivamente sobre os desafios enfrentados por pessoas LGBTQIA+ que chegam ao Brasil em busca de refúgio e fortalecer a articulação das redes de apoio a esses/as sujeitos/as. Todos os eventos da 3ª Conferência Internacional SSEX BBOX e Mix Brasil são gratuitos e acontecem no Centro Cultural de São Paulo (CCSP), localizado na Rua Vergueiro, 1000, Paraíso, São Paulo (clique aqui para acessar a programação).

Bandeira atual do Orgulho LGBT, que tem seis cores: vermelho (fogo, vivacidade), laranja (cura, poder).
amarelo (Sol, claridade, da vida), verde (natureza), azul (arte, amor artístico) e roxo (Espírito, vontade e luta).
Crédito: ParadaSP.org

Trabalho em expansão

O tema da OSIG no contexto do refúgio é relativamente recente no Brasil. O primeiro caso que se tem notícia no país, relatado no livro “O reconhecimento dos refugiados pelo Brasil – decisões comentadas do CONARE” (clique aqui para baixar o material), foi em 2002. Dez anos depois – 2012 –, surgem as primeiras publicações acadêmicas sobre esse assunto, com destaque para o artigo “Minorias sexuais enquanto ‘grupo social’ e o reconhecimento do status de refugiado no Brasil”, de Thiago Oliva, vencedor na categoria melhor artigo acadêmico no I Concurso Nacional de Estudos Acadêmicos do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

Desde 2002 as Diretrizes de Proteção Internacional do ACNUR tem ressaltado que lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexos e demais pessoas que tinham o fundado temor de serem perseguidas em seus países de origem em razão de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero devem ser reconhecidas como refugiados/as. Isso se dá através do “pertencimento a um grupo social específico”, um dos cinco critérios para a concessão de refúgio de acordo com a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. No ano de 2012 o ACNUR se posicionou especificamente acerca desta temática em suas Diretrizes de Proteção Internacional n. 9.

Apesar de ser uma discussão relativamente recente tanto no meio acadêmico como na sociedade civil, pode-se dizer que nos anos de 2016 e 2017 o tópico da OSIG entrou, de fato, para a agenda brasileira de refúgio.

Em 2016 foi publicado pela Travessia – Revista do Migrante o primeiro dossiê sobre o tema: “Migração: Sexualidade e Identidade de Gênero”, contando com três artigos. Durante a 12ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em abril de 2016, o ACNUR realizou um “hangout” online com o título “Protegendo LGBTIs em deslocamento forçado”, no qual chamou a atenção para a necessidade de criação de uma rede da sociedade civil no que diz respeito a esse público, unindo as instituições que trabalham com a proteção de refugiados/as e solicitantes de refúgio e as organizações que trabalham com a proteção de pessoas LGBTI.

Em julho do mesmo ano houve várias atividades sobre OSIG em contextos migratórios no 7º Fórum Social Mundial das Migrações, ocorrido em São Paulo. Destacam-se, por exemplo, a roda de conversa “Refugiadas/os; egressas/os da prisão e prostitutas: gênero, corpo, sexualidade, nacionalidade nas ‘margens’ dos processos migratórios”, organizada pelo Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da UNICAMP; e a mesa redonda “Sexualidade, identidade de gênero, migração e refúgio”, organizada pela Missão Paz.

Em setembro de 2016 houve dois importantes eventos. As Jornadas “Subjetividades em batalha, territórios em guerra: geopolítica, sexualidade, migração e violência” aconteceram no Rio de Janeiro, com o objetivo de “criar um fértil espaço de discussão sobre migração e sexualidade”. Realizado com o apoio do ACNUR, foi o primeiro evento acadêmico no Brasil especificamente sobre questões de gênero e sexualidade em contextos migratórios e contou, entre outros/as especialistas, com o espanhol José Díaz Lafuente e o francês Eric Fassin.

Na semana seguinte, aconteceu, na cidade de São Paulo, a “Roda de Conversa: Imigrantes e Refugiados/as LGBT em São Paulo: desafios da acolhida e da integração local”, evento promovido pelo Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI). Conforme noticiado pelo MigraMundo, foi uma primeira iniciativa no que diz respeito à formulação e implementação de políticas públicas específicas à população estrangeira LGBT na cidade de São Paulo.

Roda de conversa debateu a situação de imigrantes LGBT na cidade de São Paulo.
Crédito: Fabio Ando Filho

Em 2017 foi publicado pelos Cadernos OBMigra – Revista Migrações Internacionais o segundo dossiê sobre o tema: “Questões de gênero e sexualidade no universo das migrações transnacionais”, contando com seis artigos. No dia 2 de junho, o Estação Plural, da TV Brasil, dedicou o programa de estreia de sua segunda temporada à temática dos refugiados LGBT. No segundo semestre de 2017 surgiu, em parceria com o CRAI, o “Projeto TROCA & AÇÃO”, cujo propósito é o de “oferecer ações concretas que beneficiem de forma prática a comunidade LGBTIQ, tanto de imigrantes e refugiados de São Paulo como da comunidade LGBTIQ local, através de: atividades de sensibilização e aproximação e projetos artísticos culturais criados em parcerias entre esses dois grupos”.

Conforme noticiado pelo MigraMundo[2], foi também este ano, em junho, aproveitando o Dia Internacional do Orgulho LGBT, que o ACNUR – em parceria com o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH), no marco da campanha Livres & Iguais da ONU no Brasil – fez o lançamento da “Cartilha informativa sobre a proteção de pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio LGBTI“. No mesmo dia do lançamento foi realizado um workshop sobre a proteção de pessoas refugiadas LGBTI, cujo objetivo foi garantir que representantes do governo e organizações da sociedade civil que trabalham com pessoas refugiadas e/ou pessoas LGBTI fossem capacitadas para oferecer proteção efetiva a esse grupo (clique aqui para baixar a publicação).

Evento de lançamento da cartilha reuniu representantes da sociedade civil, governo e refugiados no CCSP.
Crédito: Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania

De acordo com Diego Nardi, assistente de Soluções Duradouras do ACNUR, em 2017 todos/as os/as oficiais de elegibilidade do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados) – funcionários/as do governo responsáveis por fazerem as entrevistas com solicitantes de refúgio – receberam treinamentos referentes à OSIG realizados pelo ACNUR.

Apesar de orientação sexual e identidade de gênero ter entrado na agenda brasileira do refúgio nos últimos dois anos, através da visibilidade que se tem dado ao tema, há ainda muito o que ser feito, em especial no que diz respeito aos/às próprios/as sujeitos/as solicitantes de refúgio e refugiados/as.

Muitos/as continuam não revelando que sua orientação sexual e/ou identidade de gênero foi o principal motivo para terem fugido de seus países, pois possuem medo de ser discriminados/as e perseguidos/as no Brasil, principalmente pelos/as seus/suas próprios/as conterrâneos/as; normalmente, não há redes de apoio que possam ser acionadas no que diz respeito às sexualidades e identidades de gênero. Assim, é ainda preciso que haja um maior entrosamento entre as organizações – públicas ou da sociedade civil – que atuam com pessoas em situação de refúgio e aquelas que atuam com pessoas LGBT, a fim de garantir melhoria significativa no atendimento e na integração desses/as sujeitos/as.

O Brasil acordou para o tema, mas ainda está engatinhando. As atividades que acontecerão na 3ª Conferência Internacional SSEX BBOX e Mix Brasil são mais um passo nesse caminho.

3ª Conferência Internacional SSEX BBOX e Mix Brasil
Data e hora: 16.11, às 14h (Oficina “ONU LGBTI REFUGIADOS”), e dia 17.11, às 19h30 (Roda de Conversa “REFUGIADOS LGBTQIA+”)
Local: Centro Cultural de São Paulo (CCSP), localizado na Rua Vergueiro, 1000, Paraíso, São Paulo.
Entrada: gratuita

*Vítor Lopes Andrade é mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sua dissertação de mestrado “Imigração e Sexualidade: solicitantes de refúgio, refugiados e refugiadas por motivos de orientação sexual na cidade de São Paulo” foi premiada pelo ACNUR no III Concurso Nacional de Teses de Doutorado e Dissertações de Mestrado da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (2017).

 

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