A pandemia de Covid-19, entre seus efeitos nefastos, paralisou pessoas, negócios, mercadorias e investimentos. Paralisou igualmente um número nada desprezível de migrantes em todo mundo. Estudiosos da América Latina e Caribe, por exemplo, falam desse fenômeno como “imobilidade forçada”, “fronteiras engessadas” ou “fronteiras congeladas”. Numerosos grupos de migrantes viram-se, improvisamente, encurralados nos espaços fronteiriços entre dois ou mais países: sem possibilidades de avançar e sem condições de retornar. Retidos como prisioneiros numa espécie de limbo de espera indefinida. Desnecessário assinalar as condições extremamente precárias de tais acampamentos, alguns deles inclusive militarizados.
Os exemplos são mais ou menos conhecidos. As caravanas da América Central e Caribe viram-se detidas nas fronteiras que dividem os respectivos países da Costa Rica, Guatemala, México e Estados Unidos, quando não impedidos de deixar o país de origem. Convém não esquecer que, neste caso, os Estados Unidos pressionam os países centro-americanos e caribenhos, no sentido de deter as caravanas de migrantes que marcham rumo ao norte. Já os migrantes da América do Sul que também se dirigem ao norte, muitos dos quais pretendiam juntar-se a essas caravanas, acabaram estacionando no Equador e no Panamá.
Grande quantidade de gente em fuga da África subsaariana, marcada pela violência, a pobreza, miséria e fome, após a árdua travessia do deserto e a tentativa de cruzar a rota mediterrânea em direção aos países europeus, terminou amontoada em degradantes “campos de refugiados” na Líbia. Situação similar pode ser observada por outros tantos “fugitivos”, seja da África ou do Oriente Médio que, ao mirar a Europa pela rota balcânica, hoje ocupam os campos da Turquia e da Grécia. A ilha de Bataan, na Indonésia, por sua vez, tornou-se o “limbo de espera” para os migrantes asiáticos que tinham como horizonte a Tailândia, a Malásia, Singapura… Migrantes do subcontinente indiano aguardam no Sri-Lanka a passagem para os Emirados Árabes.
O mesmo se verifica nas migrações internas ou intra-regionais. Dentro do subcontinente latino-americano, bem como dos continentes africano e asiático, as coisas se repetem de igual maneira. As fronteiras se fecharam seja para migrantes definitivos ou refugiados, seja para trabalhadores temporários. Disso resulta o crescimento da pressão migratória sobre os limites geográficos ou territoriais, como Pacaraima (Brasil) e Cúcuta (Colômbia), limbo dos venezuelanos. Pressão que se revela ainda mais clamorosa na medida em que as vias legais da migração (através aeroporto, com a documentação regular) reduziram-se ao mínimo ou foram interrompidas por completo.
Fronteiras cerradas e paralisadas provocam três consequências inevitáveis. A primeira tem a ver com a emergência, a visibilidade e a perseguição aos milhões de migrantes indocumentados em todo o mundo. O caso dos Estados Unidos torna-se emblemático. No governo Joe Biden, mais até do que sob a liderança de Donald Trump, vem aumentando consideravelmente o número de voos para a deportação dos estrangeiros “irregulares”. Diversos desses voos já aterrissaram no aeroporto de Confins, em Minas Gerais. A segunda consequência é a reciclagem da famigerada Lei de Segurança Nacional para restringir cada vez mais o direito de ir-e-vir. Daí que a própria pandemia se transforma em pretexto para o recrudescimento da intolerância, da discriminação e a xenofobia – o que leva ao endurecimento da legislação migratória. A crise e o caos sanitário agravam a situação dos trabalhadores e trabalhadoras mais vulneráveis. A sombra pandêmica vira pesadelo pandemônico para essas multidões em diáspora.
A terceira consequência, evidentemente, está ligada às duas anteriores. Cresce a se aperfeiçoa o grau de seletividade dos que tentam entrar em outro país. Abre-se um fosso ainda maior entre os “desejáveis” e os “indesejáveis”. Enquanto estes o são pela falta qualificação, aqueles desfrutam o privilégio de serem bem-vindos como técnicos ou profissionais liberais. A pandemia reforçou as leis anti-imigração, o que barra ainda mais portas e sonhos.
Sobre o autor
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, é vice-presidente do SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes)