Por Flávio Carvalho
No dia 23 de março deste ano, realizaremos em Barcelona e de forma virtual, Conferência Local sobre a Emigração Brasileira, dentro do processo da II COMIGRAR, a 2ª Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia promovida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil (MJ). Compreenda este processo, se se interessa.
É atribuição do Ministério da Justiça a promoção da política brasileira para as migrações em geral. Após 10 anos da primeira, será realizada, em junho deste ano, a 2ª COMIGRAR. Aprovamos, como integrantes locais da nossa Frente Internacional (FIBRA) antifascista (criada em 2016), a realização de uma das 3 conferências locais sobre o nosso caso, pessoas brasileiras no exterior. Duas outras serão realizadas, uma em Boston e outra em Lisboa.
Em reunião realizada entre o Departamento de Migrações do MJ, dirigido pelo emigrante brasileiro retornado (ex-coordenador de migração da Prefeitura de São Paulo) Paulo Illes, com lideranças das comunidades brasileiras (femininas, na maioria) em seis países da Europa, objetivaram passos metodológicos importantes.
O processo da nossa Conferência Local, em Barcelona, pretende sistematizar o acúmulo de experiências, propostas e reivindicações de diversos documentos finais de vários encontros das comunidades brasileiras migrantes. O objetivo estratégico é conseguir uma priorização de propostas a ser encaminhada, pelo Ministério da Justiça, ao Presidente Lula.
Não se trata de repetir o que já está apresentado e amplamente debatido, nem de querer ser mais legítimo ou mais representantivo do que qualquer documento anterior. E sim de aproveitar a oportunidade oferecida pela institucionalidade da COMIGRAR, para que algumas propostas saiam do papel (efetivamente, objetivamente e finalmente), somem esforços, sinergias e iniciativas, e contribuam com a construção da nova política migratória do nosso Governo. Sem pretendermos ser exclusivistas, abrindo-se aos mais construtivos diálogos e fortalecendo os protagonismos de base, já existentes. É preciso e é possível aprender da experiência e fazer autocrítica, ao mesmo tempo.
Evidentemente, este processo não será isento de polêmicas e, nesse sentido, apresento algumas opiniões pessoais, com base em minha própria trajetória pessoal, profissional e política.
Migrei para a Catalunha em 2005, fui vice-presidente do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior (CRBE), coordenador da Rede de Brasileiros no Exterior e recebi a Ordem do Rio Branco pelo trabalho voluntário junto às comunidades brasileiras no exterior. Foi atuando contra a Fogueira das Vaidades que me fez repensar e renunciar ao CRBE e ignorar os mais exaltados egos. Pois, sigo…
Em primeiro lugar, é preciso assumir que a questão das migrações é polifacética (imigração no Brasil, emigração de brasileiros, refugiados, apátridas…). Entretanto, deve ser fundamentada em um mesmo objetivo geral: direitos humanos, cidadania universal e transnacionalismo – antifascista, de preferência. Exijo para o tratamento das famílias que emigram ao Brasil, nada mais e nada menos que o mesmo que exijo para mim e para a minha família: contra a xenofobia e o racismo europeu, neocolonialista e imperialista, principalmente.
Assim, as associações da diáspora brasileira, se solidarizam com as famílias migrantes que escolheram o Brasil para viver em plenitude de direitos. É a nossa melhor contribuição possível. O transnacionalismo humanitário não pode ficar atrás da mundialização capitalista. E a II COMIGRAR acontecerá exatamente no mesmo período das eleições europeias, quando até alguns partidos de pseudo-esquerda raspam votos utilizando os imigrantes como bodes expiatórios dos seus principais problemas. Trump vem aí.
Logo, o capital social, cultural e político da diáspora brasileira (emigrantes brasileiras, mulheres, majoritariamente) oferecerá a melhor ajuda ao nosso Governo: Lula, escute-nos, a nós e aos nossos diagnósticos, por meio da assessoria internacional da própria Presidência da República – que já se dispôs, a escutar-nos atentamente. Conheça-nos em profundidade e reconstrua o canal de diálogo institucional com a diáspora. Saiba quem somos, quantitativa e qualitativamente, apoiando nossas pesquisas e diagnósticos, acadêmicos ou freireanamente participativos, sem academicismos. Aceite nossa valorosa contribuição, neste exitoso momento de liderança global do nosso país. É a Presidência da República que deverá coordenar, orientar, estabelecer parâmetros para todos os Ministérios (interseccionalmente), acabando definitivamente com o exclusivismo de que o Ministério das Relações Exteriores aglutine, concentre e dirija os únicos recursos e a única possibilidade de atender às demandas dos novos tempos pós-pandêmicos.
Estamos cansados de dar murros em pontas de facas. Não é possível que a única oferta seja o que oferece a tradicional diplomacia desde meio século e desde tempos aristocráticos: amarrados aos parâmetros tradicionais que faz com que os consulados sejam reprodução burocrática de meros cartórios e que se neguem ao desafio da Diplomacia Pública, DP (já assumida pelas mais modernas diplomacias em nível mundial). Não creio ser o único a perceber esta realidade. A verdadeira Diplomacia Pública poderia ser aquela que, nos escutando, dialogando, aceitando nossos apoios (tanto quanto as nossas críticas, sempre construtivas), seja cada vez mais aberta, transparente e sensível às novas demandas, ao enfrentamento da exclusão digital (e a consequente proliferação de despachantes e privatização encoberta dos atendimentos, para quem ainda pode pagar por isso, em tempos de guerras e crises sucessivas).
É hora de desengavetar as mais de 220 propostas das 4 Conferências de Brasileiros no Mundo – além de 8 documentos recentes, frutos de diversos fóruns internacionais e amplamente representativos. Quanto dinheiro público, tempo e paciência! É hora de sobrepassar o desafio da mera representação, com mais participação cidadã. É hora de enfrentar o debate sobre a extinção do Conselho de Representantes pelo ex-presidente inelegível e oferecer-nos, definitivamente, novas perspectivas. Não esqueçamos os milhões de brasileiros que podemos ser, pois sequer fomos contados como bem merecemos!
Nós, Presidente Lula, sabemos do que estamos falando e podemos lhe provar, ponto por ponto.
Ofereça-nos a escuta ativa que tanto caracteriza a participação popular neste Governo e aceite a nossa melhor oferta, via esta II COMIGRAR. Não apenas a diáspora brasileira agradecerá. Verá como estamos muito mais empenhados na reconstrução do nosso país, do que a distância, aparentemente, não vos faz, e ao nosso país, perceber.
Por certo, devo concluir dizendo que não estou, pessoalmente, candidato a protagonismos. Aprendi o quanto isso me ajuda, ao deixar claro, em alto e bom tom, se necessário for.
Texto publicado originalmente no site da Fibra Internacional (Frente Internacional Brasileira Contra o Golpe e pela Democracia)
Nota: Os textos, citações e opiniões podem não expressar – no todo ou em parte, a opinião dos Coletivos da Fibra.